A princesa estava acordada antes do primeiro raio de sol refletir as janelas do castelo real de Quedaquente.
Ela bem sabia que alvorecer era o melhor momento para escapar do seu quarto. Há estações atrás a menina tinha cuidadosamente montado aquele trajeto de fuga com a ajuda de um grande amigo. Ainda assim, todas as vezes o nervosismo a atacava enquanto se espreitava pelos corredores com seus olhos amendoados em alerta. Tomava todo cuidado que podia e nunca tinha sido descoberta em suas fugas antes. Tampouco foi naquele dia, pelas graças dos deuses, mas a adrenalina sempre a fazia suar frio de ansiedade.
Claro que àquela altura todas as possibilidades lhe eram conhecidas. Sabia por onde ir para não encontrar ninguém no caminho, também quais janelas não eram uma queda direta até o Rio de Fogo corrente abaixo do castelo e daquelas, quais eram baixas o suficiente para que ela pudesse usar como saída discreta e segura. Mesmo tão metódica, era só depois de pular pela janela e pisar com suas botas no chão molhado do pátio externo do castelo que a menina conseguia lembrar-se de respirar o gélido ar outonal de novo para aliviar-se da tensão.
Embora não vestisse muitos casacos porque as paredes eram aquecidas pela água corrente do rio, a menina sabia que manter seu rosto escondido era muito importante para não ser reconhecida. A menina tinha completa ciência das suas excentricidades como também da sua relevância no Reino da Terra Baixa, então antes de sair nessas aventuras ela usava uma grossa capa de pele de urso por cima de tudo o que vestia de roupas, com o capuz dela erguido para cobrir seus cachos castanhos escuros, além de um cachecol enrolado no pescoço para cobrir seu rosto dos olhares curiosos que poderiam denunciá-la.
Aquele simples disfarce era suficiente para camuflá-la na sonolência da manhã. Do lado de fora do castelo e nos seus arredores ninguém notou a menina que escapava pelas carroças carroças de suplementos espalhadas em seus passos miúdos e apressados. Os servos e soldados despertados tinham olhos cansados demais de trabalho para distinguirem uma figura qualquer caminhando ou quiçá dar-se ao tempo de dar alguma atenção. Embrulhada nas camadas de roupas, a menina poderia ser uma simples camareira ou uma concubina qualquer escapando de uma noite de lucro, uma vez que haviam muitas delas por toda parte com poucos verões a mais que a menina.
Ademais era outono e os homens do reino trabalhavam mais arduamente naquela época. Com a promessa da breve chegada do inverno, seu o gélido sopro já tomava conta do ar, trazendo consigo a morte das colheitas e a escassez de comida, como era de se esperar, e a preocupação com a sobrevivência era mais importante do que qualquer outra coisa.
também ninguém se importou com a tocha acesa na mão do rapaz filho do adestrador de cães. Ele estava parado diante da entrada do canil com ela em chamas na mão, esperando pela menina como fazia naqueles dias. O fogo era um sinal combinado entre eles, significava que a passagem estava livre porque o pai ainda estava dormindo.
Sem pensar duas vezes, extasiada de felicidade em vê-lo, a menina foi até o menino e o envolveu em um quente e carinhoso abraço desencaixado naquelas roupas que o deixou desajeitado com a surpresa. Ele era no mínimo duas vezes o tamanho dela em largura, embora fosse pouco ou quase nada mais alto, e não estava nada preocupado em esconder seu rosto rechonchudo ou os cabelos pretos molhados do ar puxados para trás. Diferente do que parecia à primeira vista, seus olhos castanhos eram bobalhões e os grossos e craquelados lábios esbanjavam um sorriso de sinceridade quase nu de dentes.
"Aggy é feliz hoje", ele constatou com a voz lenta de quem ainda está com sono. "É feliz quando é dia de sair do castelo, mas no dia de sair dessa vez é mais feliz ainda."
"Não está animado? Poderemos ver todos os cavaleiros do reino de uma só vez! Em quantos verões que virão teremos essa chance de novo?", ela indagou, indignada com a falta de ânimo do amigo enquanto ajeitava o capuz depois do abraço.
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O Rei dos Reis
FantasyEm uma terra onde as bruxas foram caçadas até o seu fim e a governança dos homens foi concretizada, os mistérios estão apenas começando. No centro desses segredos estão as famílias Heiral e Ronso, a águia e o urso, dois dos mais antigos clãs do povo...