7. Isandra

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Era como se o trono não fosse feito para ela.

Grande demais para o seu corpo magro, com o assento quase mais alto que suas pernas e também largo de uma forma desconfortável no quadril. Tinha sido forjado por meses por todos os ferreiros do castelo logo após a queda do Império, uma encomenda feita pessoalmente pelo primeiro Rei Heiral, Orlandéau Heiral, um trabalho artesanal tão bem-feito que os danos do tempo eram mínimos - todo de ferro fundido, os anos só tinham oxidado a superfície. Do encosto que se estendia acima da cabeça da princesa em mais de um metro nasciam detalhadas asas de águia, que subiam de ambos os lados do trono, abertas para alcançar voo. Isandra se sentia minúscula sentada nele, ocupando o lugar que era de um Rei, não de uma mulher. A essa altura o burbúrio de ter uma mulher sentada no trono real já deveria ter se espalhado. Mesmo sendo a princesa, nunca tinha passado na cabeça dela - ou de qualquer outra - governar, tampouco lidar com o povo ou com o tesouro real. Esses assuntos pertenciam aos homens, Reis e lordes, não a uma mulher. Aprendiam outras coisas, como bordar, cozinhar e a ser mãe, ensinavam-nas até mesmo a como se apresentar apropriadamente para a corte, mas não como guiar homens sedentos pelo poder.

Mas se vestir, isso ela fazia bem. Estava impecavelmente vestida. Naquela manhã ela usava um longo vestido vinho coberto por bordados feitos em linha preta. Eles subiam desde a sua barra até as mangas, formando belos e geométricos símbolos. O dia tinha amanhecido quente novamente, mais do que havia sido ontem, e a princesa optou por prender o cabelo preto em um coque alto e uma trança grossa que se enrolava nele. Acima da cabeça sua coroa de ouro reluzia. Parecia uma rainha, como foi ensinada a parecer, e mesmo assim ela se perguntava sobre suas capacidades. Desde a noite anterior, afligia à Isandra suas falhas como mulher e mãe. Sua prima Marya lhe contou no jantar que Sodan havia algum tempo desaparecido, fugido da biblioteca onde estavam em um momento de distração da mulher, durante o período da execução. Tinha ficado desesperada, já emocionalmente abalada pelo seu dever, mas a princesa não a culpou, e tendo ficado furiosa com o comportamento do filho, o colocou de castigo quando reapareceu no castelo. Ordenou que ele passasse o dia todo trancado na sua torre, em seu quarto junto da velha ama Wanda, que cuidaria dele e da bebê Siele durante seu dia atarefado com os assuntos da realeza.

Ela sabia que não podia pegar seus problemas e escondê-los na torre mais alta do castelo, mas não via como podia ser mãe e princesa regente ao mesmo tempo. Infelizmente os anseios e desejos dos lordes do reino eram mais importantes do que as inconvenientes questões maternas.

Como se não bastasse, tinha dormido extremamente mal, atormentada pelos inúmeros pesadelos. Nos seus sonhos, via a menina pendurada no Penhasco Ecoante, balançando de um lado para o outro com o vento enquanto gritava por misericórdia. Isandra não pôde ter misericórdia, então como havia acontecido de verdade, no sonho ela cortava a corda que prendia a menina ao pilar. O corpo da serva sumia na escuridão, engolida pela montanha, mas sua voz e seu grito estridente se repetia em um ciclo interminável. Era agudo, desesperado de medo, carregado de terror e jovial como o de uma criança. Mesmo quando a princesa acordou no meio da noite e voltou a dormir em seguida, não havia nada a ser visto, mas o grito ainda vinha do abismo. No dia e depois, ela fez o possível para fugir de qualquer conversa que tentaram ter com ela sobre a execução, ignorando até seu tio e suas cordiais condolências por suas frágeis e trêmulas mãos na hora de brandir a espada. Não havia tido prazer algum em fazê-lo, diferentemente da corte, que ela viu se deleitar com o momento como se fosse o próprio povo recebendo pão.

Queria esquecer tudo aquilo e clamar para que os deuses a poupassem da insanidade, enquanto o conselho tinha superado a execução com facilidade. O reino nunca parava.

Haviam outros assuntos pendentes, deveres reais a serem cumpridos e lordes para receber no castelo. Haviam dias especiais em que o Rei em pessoa, geralmente acompanhado por algum membro do conselho, recebia todos os lordes de Terra Alta que quisessem encontrá-lo para ouvir seus pedidos e dar-lhes a sua bênção real. Era o dia de Beija-Mão, como ficou conhecido, mas a chegada da doença que acometeu o Rei fez com que os pedidos se acumulassem. Naquele dia, a fila estendia-se pelo jardim real desde o nascer do sol. Isandra tinha perdido a conta de com quantos lordes ela já tinha conversado e de quantos beijos ásperos sua mão tinha recebido. Mais do que em toda a sua vida, isso tinha certeza. Poucos dos homens pareciam satisfeitos com a oportunidade, e de forma inconveniente, mas a grande maioria havia demonstrado claro descontentamento. Poucos eram aqueles que se sujeitavam a mostrar tamanha inferioridade para uma mulher. O trauma da época do Império ainda vivia na cabeça até daqueles que nem nascidos eram.

O Rei dos ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora