ALISSA
Noah e Rose estão comigo numa mesa da cafeteria, jogando conversa fora mesmo quando devíamos estar estudando. As vezes acho que o problema é que passamos muito tempo aqui, mas é o que todos fazem. Os quartos são lugar de descanso e na biblioteca é difícil falar 'a' para alguém sem levar bronca.
–Acham que o teste vai estar muito difícil?
Eu, oficialmente, não aguento mais pensar nas provas desse lugar.
–Só uma revisão, não precisa esquentar. –Noah abre um sorriso gentil, tentando me tranquilizar. É o que ele sempre faz, com esses olhos charmosos, enormes de azul hipnotizante.
Não gosto das memórias que olhos azuis trazem a tona, mas os de Noah tem tanta doçura que me venceram. Quando os vejo, é fácil me concentrar em ver só bondade.
É um clássico dele dizer que tudo vai ficar bem, que está tranquilo. Ele tem tudo sob controle e é mais esperto que umas quatro Alissas juntas. São muitas matérias estranhas, assuntos loucos demais pra entender ou levar a sério. Quando cheguei foi um baque, mas cheguei a pensar que pudesse me acostumar, sempre sendo otimista demais, com expectativas altas demais.
Agora ando por aí como se fosse a mais organizada e concentrada de todos, ao menos como os outros novatos, mas não é verdade. E os meus resultados são a prova de que estou afundando lentamente de novo.
Me pergunto quanto tempo vai demorar para me chutarem daqui também.
–De qualquer jeito, não consigo pensar com sede. – Rose se levanta.
Ela vai buscar uma das bolsas de sangue que distribuem para suprir as necessidades dos vampiros. Aquela coisa pegajosa e horrenda, que chega ainda morna em nossas mãos, os resquícios de vida da qual foi arrancado. Quando desce pela garganta e viaja por nosso corpo, causa o mesmo calor dentro de nós, um dos poucos instantes em que é possível sentir o mesmo. Sentir como se ainda houvesse vida.
Mas, repito, é uma vida que não nos pertence. Uma vida interrompida por nossa causa, pois somos predadores cruéis. Dependemos de um fim trágico para nosso próprio prazer. Saber disso me causa mais calafrios do que qualquer outra sensação que deveria. Odeio me alimentar.
Meus instintos monstruosos nunca mais vão falar mais alto que os meus sentimentos.
Nunca mais.
–Alô? –Noah ri, plantado em pé ao meu lado – Você não vem?
Abro um sorriso mentiroso.
–Obrigada, já peguei o meu de manhã. –uso a mesma desculpa de sempre – Você sabe que eu prefiro.
–Ah é. – ele assente – Nós já voltamos então.
–Vou estar aqui. – aviso, encarando meu copo de chá quente.
Chá quente é a bebida certa pra mim. Minha favorita desde sempre e não envolve nenhum tipo de crueldade por trás, isso é humanidade. É do que preciso.
O único fundinho de amargor que consigo identificar, é a falta que sinto de dividir esse momento com meu pai. Todas as tardes, ele chegava do trabalho e colocava a chaleira no fogo, comíamos alguns biscoitos enquanto conversávamos sobre o dia, a bebida sempre estava lá pra acompanhar. Íamos a lojas diferentes da cidade pra comprar novas combinações de sabores, mas nunca passávamos mais de dois dias sem o bom e velho chá mate.
Esfrego meus olhos marejados assim que percebo estar nesse eco de novo, o eco dos momentos que nunca vão voltar. O homem que nunca mais verei, as risadas que nunca mais vou dar.
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Criaturas da Noite
FantasyDizem que os olhos são a janela da alma, e os de Alissa Montiel sempre se destacaram ao longe. Brilhantes como pedras preciosas, misteriosos como uma galáxia desconhecida, são uma mentira. Mentira que Alissa odeia. Não vê nada de luminoso em si mes...