A luz quente do sol do fim da tarde fez arder os meus olhos semi-abertos. A penumbra do sono fazia o mundo inteiro parecer mais lento e distorcido. O carro continuava sua marcha na estrada pavimentada. Lá fora, o borrão de árvores, casas e carros fazia meu estômago embrulhar. Depois de uma tentativa mal sucedida de me espreguiçar no pouco espaço, comecei a despertar. Já passavam das cinco da tarde, meu estômago roncava, meu pescoço estava dolorido do cochilo e as mais de quatro horas de viagem estavam deixando meu humor terrível, para dizer o mínimo. Não havia muito o que fazer, estava claro que nenhum Mc Donald's iria surgir magicamente no meio da estrada e o motorista do carro de aluguel não parecia nenhum pouco inclinado a uma conversa distraída. Ainda assim, arrisquei:
- Quanto tempo até a nossa chegada? - perguntei pelo o que deveria ser a septuagésima vez no dia.
- Seguindo o cronograma devemos chegar antes das oito da noite.
Diálogo encerrado. O motorista sisudo e de meias palavras devia estar tão insatisfeito quanto eu pela viagem longa. O celular ainda estava sem sinal. Tentar ler durante o trajeto foi o que me deixou enjoada pra começo de conversa. Coloquei os fones e deixei a voz de Frank Ocean inundar meus ouvidos. O céu alaranjado com pinceladas de rosa fazia a paisagem parecer um pouco mais bucólica à medida que a luz ia se esvaindo do céu.
"Se eu posso suportar o que sinto, por que estou caindo?" sussurrou a letra da música. Eu não deveria estar tão triste ao voltar pra casa. Ainda assim, não consigo deixar de sentir essa volta como um tipo de fracasso pessoal. Não lembro em que momento eu decidi que iria embora, mas lembro bem o motivo que me fez querer fugir. A sensação de sufocamento, de sempre ser observada, julgada e aprisionada nas lindas paredes decoradas da minha gaiola dourada. Suspirei pela milésima vez e estalei o pescoço, um hábito nada saudável, mas extremamente prazeroso.
Eu não saberia dizer o que estava mais bagunçado, minha vida, minha cabeça ou minha aparência. "Bem, lide com isso, Kin..." disse a mim mesma. O moletom que eu usava não dava conta dos calafrios que percorriam meu corpo arrepiava a pele. Há alguns anos, eu saí da casa dos meus pais para fazer faculdade nos EUA e essa é a primeira vez que eu volto para a Coreia. O frio na barriga me fez lembrar a sensação de estar suspensa no alto de um precipício sabendo que a queda é iminente.
A minha primeira parada seria na casa do meu tio Choi, irmão mais novo do meu pai, dono e fundador de uma famosa produtora e agência de talentos, a Haji Entertainment. O motivo de eu ser chamada de volta em caráter de urgência ainda não havia ficado claro. A mão manipuladora do meu pai estava explicitamente orquestrando toda a operação. Minha cabeça latejava a toda e qualquer tentativa de raciocinar. Procurei na bolsa um analgésico e tomei. Bastou alguns minutos para que uma sensação de sonolência se apoderasse de mim, tudo parecia mais fácil com essa falsa sensação de dormência, ainda que passageira. Fechei os olhos e deixei me levar...
Horas depois, entramos na estrada de pedras claras que levava a "casa de verão" da família. Não vou fazer a linha "pobre menina rica", mas "life is a bitch" e sempre dá um jeito de fazer com que você não passe por essa experiência terrena sem algumas adiversidades, para dizer o mínimo. Não foi surpresa nenhuma descobrir assim que eu saí do carro que, apesar da casa estar preparada e abastecida para a minha chegada, não havia ninguém ali para me receber. A casa com arquitetura moderna e cheia de paredes gigantes de vidro e madeira escura parecia se abrir para o jardim e a floresta ao redor.
Andei até o lado leste da propriedade e consegui distinguir as árvores frondosas, o balanço velho e as roseiras que deixavam o ar frio da noite adocicado. A parte de trás da casa tinha o estúdio de dança da antiga dona da casa, o estúdio de gravação do meu tio, a piscina na qual eu já quase me afoguei uma vez na infância e o gramado onde eu e Tae fazíamos nossos acampamentos e disputas esportivas.
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sunsets with you (Vol I - Vol II)
RomanceEssa história é como a playlist da vida de Kin. Depois de anos fugindo da sua realidade e da sombra da sua família, ela finalmente volta para a Coreia do Sul para assumir seu lugar como herdeira e sucessora da família. O que ela não esperava era se...