Essa história é como a playlist da vida de Kin. Depois de anos fugindo da sua realidade e da sombra da sua família, ela finalmente volta para a Coreia do Sul para assumir seu lugar como herdeira e sucessora da família. O que ela não esperava era se...
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"no milímetro que nos separa cabem todos os abismos."
-drummond
KIN - HONG KONG, CHINA
Eu estava a cerca de duas horas parada em frente a uma pintura no salão presidencial do Grupo Wang, em Hong Kong. Uma flor de lótus solitária emergia em meio à escuridão de lama negra nas pinceladas delicadas e cuidadosas da aquarela. Eu gostava da lótus, considerada sagrada e um dos símbolos mais antigos com diversos significados para os países do Oriente. Uma vez, minha obaachan (avó em japonês) me contou que a lenda do Budismo em que o Siddhartha, que mais tarde se tornaria Buda, deu os seus primeiros sete passos na terra e sete flores de lótus brotaram. Ela dizia que por isso, a flor de lótus simboliza o nascimento divino, o crescimento espiritual e a pureza do coração e da mente. Suas raízes estão fundamentadas em meio à lama, todos os dias ela enfrenta a escuridão e florescer limpa mesmo em meio à podridão.
Imaginei o quão difícil é se manter intocada pela sujeira estando em meio à ela. Como sobreviver
nesse mundo sem se deixar macular. Acho que foi Picasso que falou que o propósito da arte é tirar a poeira da vida cotidiana das nossas almas. Para mim, parecia um lembrete implacável da sujeira, da dor e das sombras que habitam em mim.
- O triunfo da perseverança diante das situações adversas. - falou alguém em mandarim.
Quando olhei para trás em busca do dono da voz me deparei com a figura de Wang Han. Eu pisquei uma, duas, três vezes como uma idiota. É claro que era ele, afinal, eu estava na empresa dele, no salão dele, esperando por ele. Quem mais seria? Ainda assim, ele não era nada do que eu esperava. A reputação de Wang Han o precedia. Um jovem multitalentoso e extremamente inteligente, com um dom para fazer dinheiro, o que lhe rendeu o apelido de Midas, por ter o poder de transformar qualquer coisa em ouro.
-É um prazer finalmente conhecê-la, senhorita Haji. - falou ele sorrindo e se curvando respeitosamente.
Wang Han era um homem de beleza imponente e de estatura mediana. O corpo bonito e bem definido estava envolto em um terno bem cortado de um tom de vermelho chamativo e largo, ao contrário de outros empresários, ele não tinha medo de demonstrar sua juventude, usava um tênis branco de marca e uma corrente extravagante no pulso. O rosto era longo e bem marcado. Ele tinha um queixo quadrado e um sorriso de quem costuma flertar por diversão. Os cabelos eram curtos e bem cortados, pretos como carvão. Ele não parecia nem um pouco assustador e, ainda assim, nada nele parecia ser confiável. Senti meu corpo todo ficar tenso e em alerta. Ele levantou levemente as sobrancelhas e eu me lembrei que ele provavelmente estava esperando uma resposta minha.
