Tutu

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Olívia virou para o menino e esquecendo os outros começou a falar:

– Qual seu nome, menino?

Tilinha parou perto dele e, como uma irmã mais velha, respondeu:

– É Tutu...

O menino olhou para ela e confirmou com a cabeça.

– Como você se machucou?

Com cara de choro, ele disse:

– Não quero falar disso.

– E o que você quer de mim?

Ele ficou meio tímido, emburrado, como criança que não quer falar com estranhos. Tilinha novamente se meteu na conversa dizendo:

– Pode pedir pra ela. Ela já me ajudou. É adulta, mas é legal.

Olívia adorava aquela menina. Então ela confirmou que estava ali para ajudá-lo.

– Eu já disse, eu quero que você o ajude a encontrar quem fez este machucado. – Disse apontando para Tuolock.

Ao olhar para o Mestre, Olívia o viu pacientemente a observar o que ainda parecia uma louca falando sozinha. Ele não demonstrava nenhum sinal de precisar de ajuda para nada.

– Mas para ajudar, eu preciso saber como você se machucou... – Falou ela olhando para o lado.

– Foi um anjo. Ele queimou tudo. Eu me escondi embaixo da casa... Ele e mais dois outros anjos mataram e queimaram a nossa vila.

Olívia tentava dar sentido ao que estava sendo dito. Ao que parecia, quando pequeno, o Mestre dos Movimentos havia sido ferido por um anjo que desconhecia e o menino estava ali para pedir ajuda a ela. Mas por que para ela? Afinal, até onde ela sabia, o Mestre era especialista em procurar anjos que cometiam delitos em Tangen.

– Eu não sei muito sobre anjos. Mas sei que você foi muito corajoso. – Ela disse para tentar animar um pouco o menino. Mas ele não achava assim.

– Eu fugi e não lutei... Um deles me seguiu até a casa, mas não me pegou.

– Você é muito pequeno para lutar. Você se defendeu, como um bom lutador.

Renus e Tila estavam surpresos que o assunto era sobre uma criança envolvida em uma luta. Eles não faziam ideia que ela conversava com Tuolock criança.

O menino não se sentiu melhor com o que ela disse. Mas seus dois olhinhos azuis se iluminaram quando ela perguntou:

– O que é isto que você tem na mão?

– É um zinpor! – Ele mostrou para ela e ela viu que era mesmo algo muito parecido com um bumerangue de três pontas.

– E você é bom com o zinpor?

– Não tão bom quanto Dann... Mas ele morreu.

– O anjo que te feriu matou Dann?

O menino confirmou com a cabeça. Ao ouvir a última pergunta feita por Olívia, Tuolock gritou:

– Já chega!

Com o grito, Tutu desapareceu.

– O que você pensa que está fazendo? – Disse Tuolock enfurecido.

– Estava tentando descobrir uma parte de sua história que não foi contada neste livro estúpido. – Respondeu Olívia apontando para o lixo.

Tuolock ficou quieto, incrédulo, esperando pelo o que ela iria falar. Ela resumiu:

– O menino que estava aqui tinha mais ou menos 6 anos e disse ser o senhor. Ele me contou que o senhor viu a sua vila ser queimada por três anjos. Morreram todos da vila, inclusive Dann, seu amigo que era bom no zinpor. O senhor se escondeu embaixo da casa. Um deles machucou o seu braço, mas por algum motivo eles foram embora e lhe deixaram vivo.

Tuolock ficou completamente abalado. Por um momento pensou em reagir agressivamente, porém olhou para Renus e Tila e compreendeu que os dois acreditavam em Olívia e nas visões. Ele fez uma pausa antes de falar algo que havia guardado por toda a sua vida:

– Dann não era meu amigo! Era o meu irmão gêmeo... Sim, eu vi aqueles anjos entrarem na nossa vila e matarem todos, inclusive todas as outras crianças na minha frente...

Olívia acabou sentindo-se culpada por fazer o Mestre relembrar de uma parte tão triste de sua história. O Mestre já havia superado está dor e, diante dos dois alunos que mais gostava, ele se sentiu aliviado, pois há muito tempo queria compartilhar esta história com alguém e o menino lhe deu a oportunidade:

– Dann era igual a mim na aparência, mas ele era muito melhor em todo o resto. E muito mais corajoso com apenas 6 anos. Uma criança incrível. Ele teria sido um Mestre perfeito. O anjo que me perseguiu ainda não tinha visto Dann... – O Mestre fez uma pausa, respirou fundo, e abalado com o que ele estava relembrando, continuou: – Eu estava brincando a uns cinquenta metros da casa que morávamos; tentava fazer o zinpor dar a volta em uma árvore. Era um dia frio e Dann não quis ir brincar comigo e preferiu ficar dentro de casa com mais dois amigos. Quando eu vi, aqueles três anjos apareceram queimando tudo. A minha reação foi me esconder atrás da árvore, mas de repente ela começou a pegar fogo e eu corri em direção a casa. Um dos anjos me viu e pegou o meu zinpor que havia ficado no chão. Ele lançou contra mim e cortou o meu braço. Eu corri mais rápido e consegui entrar por baixo da casa. Ele pegou novamente o zinpor e foi caminhando vagarosamente até a casa. Dann já havia visto o que acontecia e me disse por uma fresta no chão para eu ficar escondido; e sem que eu pudesse fazer nada, ele abriu a porta da casa para aquele assassino. Eu só ouvi o anjo dizer: "Acho que você perdeu isto!", seguido do som de Dann caindo no chão.

O Mestre parou a história por um momento e comovido completou:

– Ele não iria embora até me pegar. Então Dann tomou o meu lugar. O anjo achou que éramos um só. Matou o meu irmão, no meu lugar...

Olívia entendeu muito melhor a raiva que Tuolock sentia pelos anjos. Aquela era uma história muito triste. Renus e Tila conheciam o Mestre há anos e estavam assustados diante daquela confissão. Eles nunca haviam visto o Mestre com aquela expressão de tristeza, nem nos piores momentos e tragédias em que haviam participados juntos. Os olhos azuis vibrantes do Mestre perderam a energia, e os três ouvintes da história podiam ver a impotência neles – a mesma impotência dos olhos de Tuolock menino, através do assoalho, vendo seu irmão ser morto.

Isto afetou Olívia de outra maneira; como se a história do adulto que a contava estivesse sendo contada por um menino. Rompeu-se a distância temporal que separava o Mestre do menino, ela esqueceu que aquele era o grande Mestre dos Movimentos, o melhor lutador de Tangen e o mais temido, e só via nele a tristeza do menino Tuolock, indefeso e sozinho. Muito lentamente, ela levantou e bastante emocionada foi até perto do Mestre, e apontando para a sua cicatriz do braço, falou como quem promete algo para uma criança:

– Eu te prometo... Eu vou descobrir quem te fez isto!

Ela disse isto e sentiu uma dor profunda vinda daquela cicatriz. Seus olhos se encheram de lágrimas; ao mesmo tempo em que se sentiu extremamente fraca.

Olívia Tangen - Volume I: O Jogo dos MestresOnde histórias criam vida. Descubra agora