Simpatia

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Simpatia

Olívia não teria se importado em ser questionada pelos seus métodos, mas foi só citar o nome de seus futuros alunos como não aptos, e ela sentiu o sangue ferver. Para piorar, Miti fez uma observação:

– Não entenda mal, Olívia, mas por este critério de simpatia, você deixaria de fora do programa muitos dos tangens mais qualificados. Só para te dar um exemplo, o Conselheiro Renus, nunca entraria no programa...

Enquanto Miti, Líneo e Niela riram com o exemplo, Mirus e Olita sentiram a tensão crescer na professora humana. Por sua vez, o Conselheiro Renus, assumindo-se como antipático, cobrou com um olhar fulminante uma posição da humana, num "você não me acha apto para o programa?".

Olívia demorou um pouco para falar. Não era a primeira vez que se dava mal ao improvisar e já sabia que se o improviso não dava certo, o jeito era improvisar novamente, até conseguir provar alguma coisa; mesmo que fosse a coisa mais improvável de alguém acreditar. Então, olhando para a Conselheira Miti, ela falou:

– Talvez eu esteja enganada com relação ao Conselheiro Renus, mas ele me parece muito simpático...

A expressão de Mirus era de horror. Ele praticamente gritava em pensamento "não! Não complique mais as coisas! Deixa Renus de fora!". Mas era tarde demais: ela optara por defender o Conselheiro.

"Não é uma má estratégia, elogiar um conselheiro", pensavam Miti e Olita. Os mais céticos, Niela e Líneo, ficaram curiosos para saber o que a humana achava de simpático no Conselheiro. Mas era Renus, que a contragosto acabara de virar o centro das atenções, o mais curioso para a explicação da humana. Ela teria que defender uma tese improvável para todos os tangens e continuou:

– Eu estou em Tangen há poucos dias. Por uma coincidência, eu já encontrei com o Conselheiro duas vezes... – Ele olhou com olhar duvidoso, pois lembrava apenas do encontro na praça. Ela continuou:

– Na primeira vez, eu o vi salvando as crianças da escola naquele episódio da fumaça tóxica. Quem salva crianças merece meu respeito, – deu uma pausa na fala e continuou: – como se isto não bastasse, em outro momento, ele evitou que eu cometesse um erro. Não foi de uma forma muito amigável, porém, vendo com outros olhos, ele encontrou-me perdida na cidade e indicou o caminho que eu devia seguir, impedindo-me de ir onde não deveria. Mesmo de um jeito atravessado, o senhor... – disse isto mudando a direção do olhar para Renus – demonstrou se importar com meu bem estar. Eu lhe agradeço de coração! – ao falar "coração", ela reparou que o seu coração estava quase saindo pela boca de tanto nervosismo. Mesmo assim continuou a argumentação:

– Como não simpatizar com alguém assim? Com alguém que compartilha comigo a ideia de se importar com os outros? Com certeza, eu adoraria ter o Conselheiro em nosso Programa.

O conselheiro Renus, ao invés de se sentir lisonjeado com as palavras de Olívia, olhou para baixo e ficou pensativo. A humana não sabia muito de sua história pessoal, assim como não sabia que ele era muito mais capacitado em tantas outras coisas que ela nem podia imaginar. Mesmo descabida, a sugestão de aceitá-lo no Programa por este motivo de compaixão, surtiu efeito positivo.

– Isto mesmo! – disse Miti. – Antes de tudo, você deve pensar em seus alunos. Se você irá formar uma equipe, eles devem se dar bem e cuidar uns dos outros.

A Conselheira Miti acabou mudando o assunto e, assim como colocou, acabou tirando Renus do centro das atenções. Ela estava satisfeita com as escolhas, pois Aurosa havia entrado no Programa por sua indicação.

Então Olívia justificou a entrada de Noro e Naitan, os dois considerados não tão preparados para o Programa. Noro era questionador, curioso e sensível, além de saber muito de química e geologia. Naitan pareceu ter um bom julgamento com relação às pessoas; era solícito e prestativo, sabia muito sobre história e arte. Ambos poderiam efetuar excelente pesquisa comparativa entre os mundos: em química, geologia, geografia, história e arte. As pesquisas de botânica e zoologia caberiam a Aurosa. Lália ficaria com estudos de economia, e Turio com os de tecnologias.

Aurosa havia sido escolhida também pelos conhecimentos em biologia. Ela pretendia que a aluna concentrasse esforços para aprender sobre doenças e saúde e auxiliar o grupo em casos de prescrições ou cuidados com o corpo. Olívia demonstrou estar preocupada principalmente com a alimentação dos alunos. O que fez Miti acrescentar que iria auxiliá-la nestes estudos.

Lália iria ajudar com contas, administração e organização das atividades. Ela demonstrava ser extremamente organizada, ter energia e iniciativa. Ela traria detalhes sobre economia para o Programa e também ficaria responsável pelas planilhas, relatórios e documentação das atividades. Este detalhe, Olívia e Aurosa haviam pensado para satisfazer o Conselheiro Líneo. E, ao mencionar o detalhe, Olívia viu a expressão de aprovação em seu rosto.

Então foi a vez de Turio. E Olívia confessou: Turio havia sido adicionado ao grupo pelas suas notas e avaliações. Era o melhor da turma, sem sombra de dúvidas. Ele teria um longo caminho a partir de agora para compreender, dominar e ensinar aos colegas a tecnologia ainda de uma primeira fase da era digital usada pelos humanos.

Ela não comentou detalhes ainda intuitivos que lhe agradavam sobre os alunos, como Turio ser desconfiado e lógico; Naitan ser humilde e não se precipitar em julgamentos; Lália ser dinâmica e corajosa, enquanto Aurosa era comedida e mais responsável. Nem que Noro era doce, meigo e conciliador. Estas eram características que teriam gerado controvérsias no Conselho.

Ao final da reunião, Olívia estava se sentindo mais tranquila, pois a reação dos conselheiros foi de quase um apadrinhamento, um por um, dos escolhidos. Miti com Aurosa; Mirus com Noro; Líneo com Lália; Olita com Naitan; Niela com Turio. O que deixou o Conselheiro Renus de fora do debate, das escolhas e de qualquer opinião. Renus não disse uma palavra na reunião. Olívia acabou esquecendo a presença dele na sala, porém ele esteve bastante atento a tudo o que ela dizia, a seus gestos e suas peculiaridades humanas. Ela não percebeu o que fez naquele dia, mas ele sim. Ela era a líder do grupo e ele havia sido treinado em Deserto Plano para assumir comandos. Fosse por eliminação, fosse por avaliação de mérito ou até mesmo por intuição: ela o escolhera como padrinho!


– Ninguém espera simpatia de alguém vindo do Deserto Plano. Não consigo pensar no Mestre dos Movimentos ensinando simpatia! – Explicou Mirus, enquanto saía do prédio do Conselho, sozinho com Olívia. – Eles são, em sua maioria, rudes e brutos. Aprendem a brigar. Você correu o risco de ter sido agredida pelo Conselheiro... Verbalmente, eu digo... Como já vimos várias vezes no Conselho.

Olívia acabou contando para Mirus sobre o encontro na praça e ele riu:

– Ele não estava preocupado com seu bem estar. Ao que tudo indica, ele estava evitando complicações entre uma humana, responsabilidade do Conselho de que ele faz parte, e os anjos. Você consegue enganar a nós, tangens, sobre sua condição humana, mas um anjo, você não conseguiria enganar...

 Você consegue enganar a nós, tangens, sobre sua condição humana, mas um anjo, você não conseguiria enganar

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Mirus prometeu que entraria com ela no Templo em algum momento.

– Não há nada demais lá. Esculturas... Mas, se Renus acha melhor, vamos evitar ao máximo o seu encontro com um anjo. Não sei o que seria pior: criar problema com algum anjo ou com Renus... – finalizou ele o assunto, rindo do colega.

Olívia Tangen - Volume I: O Jogo dos MestresOnde histórias criam vida. Descubra agora