Capítulo 1 - Enquanto você crescia

257 19 33
                                    


     Quando Olívia era criança, sua mãe, como milhões de outras mães do mundo, costumava ler histórias curtas para ela dormir. Pegava-a no colo, sentava na poltrona de seu pequeno quarto e contava histórias que enchiam de emoções a vida daquele ser tão pequenininho. Algumas eram inventadas na hora; outras contadas de memória, e poucas eram as de livros com figuras, pois ela não tinha dinheiro para comprar tais livros para a filha.

     Certa vez, a mãe encontrou um livro esquecido no banco de uma praça e levou para a menina: era a história de um anjo, na verdade a versão religiosa sobre anjos bons e protetores. Depois de ler, o livro foi guardado na prateleira junto aos outros poucos livros, de onde a mãe o tirava de tempos em tempos para recontar a historinha. Quando a menina conseguiu expressar seus primeiros pensamentos sobre aquela história, ela comentou, do jeitinho dela, a incoerência de anjos protetores em um mundo cheio de injustiças. Sua mãe explicou que sabia muito pouco sobre anjos, e que talvez nem todos eles fossem iguais – poderia haver anjos bons e outros não tão bons, mas todos buscavam o melhor para os humanos. Olívia não acreditava nesta versão de bondade. Sem saber explicar para a mãe, tinha a sensação de que os anjos pouco sabiam sobre os humanos, nem protegiam quem quer que fosse. Porém, Olívia nunca questionou a existência de anjos. Ela cresceu atribuindo a eles os erros e os descaminhos humanos. E se existia uma moral para aquela história, ela passou longe para Olívia: para ela, os anjos mais atrapalhavam do que ajudavam.

     Na adolescência, período conturbado para ela, por ser uma menina muito tímida e sem qualquer popularidade na escola, ela ainda guardava a ideia de conversar com seu anjo: um anjo irresponsável, imperfeito, mas companheiro de solidão. Ela sentava-se ainda na mesma poltrona, no mesmo quarto e levava todos os problemas para o anjo ajudar a resolver ou não. Muitas vezes, quando algo era resolvido, ela passava pela poltrona, arrumava a almofada, e balbuciava baixinho: "obrigada! Desta vez não fizemos besteira".

     O que Olívia não via era que ali sempre estivera, não na poltrona, mas aos pés dela, um ser bastante diferente dos anjos desenhados na antiga história. Era um ser celestial, que não gostava de ser anjo. Em comparação aos humanos, era difícil ser preciso em sua idade. Porém pela aparência meio humana, meio pássaro, ele aparentava vinte e poucos anos. Era maior e mais robusto do que uma pessoa adulta e tinha um olhar triste e melancólico. Olhava para a menina com descrença; o que ela retribuía com o mesmo olhar para a poltrona vazia.

     Quando Olívia estava com pouco mais de quinze anos, ela presenciou uma cena que seria decisiva para sua vida. Ela voltava da biblioteca, já tarde da noite, e como sempre fazia, atravessou um parque muito grande que diminuía a distância entre o centro da cidade e seu bairro. Mesmo com mil recomendações de sua mãe em não andar por ali à noite por causa de mendigos que se abrigavam por entre as árvores para dormir, ela cortou o caminho pelo parque. Em sua inconsequência juvenil, ela não tinha medo; ao contrário, tinha compaixão por todos aqueles pobres que não tinham um lar. Naquela noite, ela vinha a passos largos, quando, em determinado momento, ouviu gemidos de dor. Mesmo hesitante, foi verificar do que se tratava. Encontrou uma mulher muito pobre em trabalho de parto, em meio às folhas secas, em uma parte completamente deserta e abandonada do parque.

     "– Vai nascer agora!", disse ela.

     A menina ficou paralisada por um tempo, com muito medo do que estava por vir. Quis correr e gritar por ajuda, mas a mulher segurou sua mão enquanto repetia:

     "– Não me deixe só; não me deixe só".

     Ela, não tendo tempo e nem alternativa, ajudou aquela mãe a ter seu filho. Com o coração disparado e calafrios, ela tentou lembrar o pouco que sabia sobre o nascimento dos bebês. A mulher não percebeu a pouca idade de sua parteira. Olívia foi, dentro dos limites dos seus quinze anos, muito bem em seu primeiro parto. Embora tenha ficado apavorada ao ver aquele pequeno ser em suas mãos. Instintivamente, limpou o bebê com seu cachecol e, como fazia uma noite muito fria, o embrulhou em seu casaco de lã e deu à mãe; depois correu até a casa mais próxima para pedir ajuda. Em pouco tempo, a mulher estava sendo levada ao hospital: mãe e bebê salvos.

Olívia Tangen - Volume I: O Jogo dos MestresOnde histórias criam vida. Descubra agora