As Crianças Roubadas

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Olívia sentou à mesa comendo uma banana e sorrindo forçado para todos, que queriam saber como ela estava.

– Eu estou bem. Estou triste com toda esta história, mas vou ficar bem. Podem começar a dizer o que vocês encontraram, pois quero entender logo tudo isto.

Turio ajeitou a cadeira para melhorar a postura, e pela quantidade de equipamentos e papéis que estavam em cima da mesa, a explicação seria longa e complexa:

– Por exames, Aurosa confirmou que Evelien e Niam – na verdade Martin – são realmente irmãos e humanos. Não conseguimos achar registros terrestres do nascimento de Martin. Alguém apagou. Também confirmamos que o Professor Niam era o nosso fugitivo da escola. Lotie explicou que ele já estava internado quando houve a ocorrência com o alarme. Os agentes nem o colocaram na lista, pois acharam que ele já estava inconsciente naquela noite. Mas não. Ele somente entrou em estado de coma um dia após o ocorrido.

– Talvez até mesmo pelo esforço do teleporte ou da emoção. – Acrescentou Aurosa.

– Além disso, enquanto estávamos na Escola dos Pequenos, Naitan e Lália resolveram repassar algumas coisas do caso e conseguiram provas que a tal pensão que a avó de Evelien passou a receber, não era uma pensão, mas lucros de aplicações de um dinheiro alto que ela recebeu assim que a menina foi morar com ela. E que agora sabemos, foi a partir da data de desaparecimento de Martin. – Disse Turio. – Então concluímos que ela obteve este dinheiro com a venda de Martin aos tangens. Muito provavelmente a avó achou melhor apagar o irmão da memória da neta, dizendo que aquela criança que ela brincava era fruto de sua imaginação.

– Vocês acham que a avó sabia para quem estava vendendo o menino? – Perguntou Olívia.

– Não temos como saber isto com certeza. Acho provável que ela tenha recebido a oferta pensando que o neto iria para um colégio interno na Terra mesmo. – Explicou Turio. – Talvez outro país longe, e que não poderia manter vínculo com a família.

– Nesta época na Terra, acontecia a Segunda Grande Guerra: uma época conturbada para os países Europeus e de muita pobreza para algumas famílias. Muitas crianças morreram ou desapareceram. – Explicou Naitan, o historiador do grupo.

Turio continuou, sabendo um pouco mais do que os outros da história que iria narrar.

– Quando Lotie nos deu os papéis que estavam na gaveta de Niam, entendemos, por que o menino foi comprado pelos tangens. Estes papéis contêm anotações do ex-diretor, que muito provavelmente, Martin conseguiu obter depois que o diretor morreu. Há nestes papéis, informações sobre algumas crianças, datas, endereços de Tangen e da Terra. São anotações pessoais e nenhuma delas consta nos arquivos da escola. Ou seja, estava parecendo que eram anotações de uma prática ilícita do ex-diretor.

Naitan interrompeu para ajudar o colega na explicação:

– A base destas anotações são sobre dados de um programa chamado Prodicri, que foi extinto pelo Conselho Superior de Tangen já há muitos anos. Um programa que não conhecíamos, mas que o Conselheiro Renus já ouvira falar e conseguiu descobrir mais informações em arquivos, com um conhecido da Agência Tangeniana.

Olívia pegou um dos papéis e leu algumas informações. Assim ela ficou sabendo que Prodicri era o Programa de Distribuição de Crianças, que foi criado há uns oitenta anos atrás e extinto cinco anos depois. Era programa em Tangen era experimental e temporário apenas para suprir a necessidade que alguns Mestres estavam tendo pela falta de alunos com habilidades em suas áreas de atuação. A demanda por algumas escolas era altíssima e por outras era muito baixa.

Quando ela levantou os olhos do papel, Lália falou:

– Encontrei dados de que na época existiam 12% a mais de Mestres e Escolas do que há atualmente. Alguns Mestres, como o Mestre das Metrias ou o Mestre das Luzes e Sombras, não tinham 30 alunos em suas escolas, ambas escolas foram extintas após a morte de seus Mestres.

Turio retomou a fala:

– Contudo, durante a vigência do Prodicri, eles ainda conseguiram manter as atividades, pois relocavam crianças sem talento algum para outras escolas. Obviamente este era um projeto fadado ao fracasso, pois ia contra a ideia de que as crianças precisam apresentar habilidades nas áreas que irão estudar. A partir daquela época e da extinção deste programa, algumas escolas foram unidas. A escola do Mestre das Metrias se uniu ao Mestre dos Números.

– Onde eu estudei! – Disse Lália orgulhosa.

Turio continuou a explicação:

– Eu e Naitan buscamos saber também se a Agência Tangeniana de Informação tinha algum arquivo sobre o ex-diretor e sobre este Programa. Não descobrimos ligação entre ele e o programa. Não há ligações diretas. Mas desconfiamos de algo...

– Uma ligação indireta! – Interrompeu Noro.

Renus tomou a palavra:

– Há alguns anos atrás chegou ao conhecimento da Agência Tangeniana uma denúncia que, no passado, algumas escolas elementares de Tangen haviam se envolvido com transações ilícitas no Prodicri. A denúncia foi dada como falsa e arquivada, também como sem importância. Passei as informações para os pirralhos e eles encontraram cinco crianças com passado duvidoso que foram repassadas da Escola dos Pequenos para outras escolas com poucos alunos e que já foram extintas. Nos arquivos destas escolas, estas cinco crianças constam como recomendadas pelo diretor da Escola dos Pequenos da época e por um professor de história dos mundos.

– E é justamente o nome destas crianças que consta nas anotações do ex-diretor... – Enfatizou Naitan.

Olívia interrompeu para recapitular:

– Então vocês acham que além de Martin, mais cinco crianças podem ter sido roubadas da Terra pelo ex-diretor?

– Sim. – Respondeu Renus. – Roubadas, compradas ou algo que envolva uma transação ilícita. Pois, os históricos dessas crianças foram visivelmente falsificados. O ex-diretor não foi muito cuidadoso ao criá-los e os incompetentes da Agência Tangeniana nem notaram...

– Achamos que Martin não foi repassado para outra escola, pois ele foi levado bem pouco tempo antes de acabarem com o Prodicri. Ele deve ter sido a última criança roubada pelo diretor. – Disse Turio.

– Mas eu preciso entender uma coisa... O que o ex-diretor ganhou com isto, já que em Tangen não há dinheiro? – Perguntou Olívia.

– Não sabemos direito, Liv. Mas, infelizmente, há outros tipos de recompensas às corrupções que não envolvem dinheiro, como troca de favores, troca de influências... – Explicou Naitan.

Turiu continuou:

– Nós tentamos saber algo sobre o ex-diretor e o professor, que era seu braço direito na época. Ambos já estão mortos, porém, sem muitas explicações, ambos receberam indicações para altos cargos no Departamento de Assuntos dos Anjos, como membros do Conselho Participativo.

Olívia já havia ouvido falar do DAA. Era como uma embaixada dos anjos em Tangen e não era muito bem vista.

– Certo! Isto significa que nossa investigação entra no Mundo dos Anjos? Com algo ligado aos anjos? – constatou Olívia, que sabia que o assunto era delicado.

– Exatamente. Por isto paramos por aqui e deixamos que o Conselho assuma a responsabilidade e a Agência Tangeniana continue a investigação. – Explicou Renus, já dando uma ordem, que nenhum deles quis ser contrário.

Olívia fez uma longa pausa, tentando colocar em ordem todos os pensamentos e lembranças dos últimos dias. Todos entenderam e respeitaram seu silêncio. De repente, ela falou:

– Eu preciso cumprir o que prometi ao menino: entregar a carta à Evelien. – Falou Olívia. – Vocês estão com esta carta?

Naitan tirou a carta do meio de outros papéis e alcançou para Olívia.

– Vocês já leram? – Perguntou ela.

– Eu já! – Disse Turio sem pudor pela invasão. – Os outros, não! 

Olívia Tangen - Volume I: O Jogo dos MestresOnde histórias criam vida. Descubra agora