A história de Niam

17 2 0
                                    

Aurosa chegou com um copo de água para Olívia, que ficara ainda mais pálida com a revelação que ouvira. Ela, tomando um gole de água, explicou a todos:

– Niam é Martin.

A revelação causou espanto em todos, mas ninguém arriscou alguma sugestão ou ideia. Ela então passou a fazer como no dia anterior: perguntava ao menino e repetia as respostas para os outros que não o viam ou ouviam.

– Por quem você estava esperando?

– Por ele, – respondeu o menino, apontando para Noro. – Ele era um dos melhores alunos da escola e um dos mais sensitivos... Mas ele me trouxe você... Você é quem sabe falar com as crianças...

Olívia não entendia direito o que estava sendo dito, mas repetia, enquanto os outros faziam esforço para colocar as ideias em ordem.

– Mas como eu consigo falar com você, se você está dormindo ali? – perguntou Olívia.

– Por que eu sou ele criança... – Disse o menino, desta vez apontando para o velho inconsciente. E continuou:

– Ele está sofrendo... Ele quer contar uma coisa para você, para ir embora...

– O que ele quer contar? – perguntou Olívia.

– Ele não conseguiu falar com a nossa irmã... E quer que você entregue uma carta para ela...

– A irmã é Evelin?

– Ela mesma! Quando ele soube que ia morrer, ele foi até lá, mas não conseguiu coragem para contar toda a verdade. Mas agora ele se arrependeu... Você entrega a carta para ela?

– Entrego! Onde está a carta?

– Na segunda gaveta, na escrivaninha do nosso quarto. Lá também tem outros papéis que ele quer que você veja.

Renus pediu que Lotie mandasse alguém até lá para pegar a carta e os papéis, e deixando as desavenças de lado, ela repassou o pedido imediatamente a alguém pelo seu comunicador.

– Então você é ele quando pequeno? – Perguntou Olívia, mais interessada em saber o que era aquela aparição.

– Eu sou a criança que há nele... – Disse o menino.

Olívia pensou o quão confuso era isto e o quanto queria entender melhor estas aparições, mas deixaria para depois. Pois ela precisava tirar informações dele para a investigação.

– Então você é irmão de Evelien... E por que você veio para cá?

– Sou. Eu e Evelin estávamos brincando, quando o diretor e mais um professor da escola foram me buscar na Terra. Quando eu cheguei aqui, o diretor me disse que minha avó não tinha dinheiro para me sustentar, então ela tinha me mandado estudar aqui. Eu queria ter voltado, tentei fugir, mas não consegui chegar muito longe. Eu cresci... Eu não... Ele cresceu! – disse o menino apontando novamente para o velho, e continuou: – e só mais tarde ele entendeu que a nossa avó havia me vendido para o diretor para poder sustentar a Evelin.

– Eu entendo! – disse Olívia tentando ser solidária ao menino. – Mas eles separam vocês dois... Dois irmãos que se gostavam...

– É... Isto nos deixou muito triste... Por toda vida... – disse o menino.

– Mas ele consegue se teleportar... Por que ele não voltou? – Perguntou Olívia.

– Porque quando ele conseguiu a habilidade, já era assim adulto... Nós íamos ver Evelin sempre que podíamos. Ela se tornou uma mulher feliz. Não lembrava mais de mim... Ele ficou com pena de contar a verdade... Mas agora, ele quer que ela saiba. A vovó já partiu. Evelin não irá brigar com ela... – Disse o menino muito triste.

Olívia parou um instante. Olhou para Renus que estava acompanhando toda a história. Ela deixou algumas lágrimas escorrerem pelo rosto ao repetir as palavras do menino e Renus percebeu sua fragilidade e disse baixinho:

– Aguente firme... Isto foi um sequestro de criança. Precisamos saber mais.

Olívia estava fraca e sensível, mas concordou com ele e arrumou forças para continuar.

– Você lembra quando te trouxeram para cá? Por que eles queriam você?

– Não era para eu ficar aqui. Eles disseram que eu iria para outra escola, mas depois o diretor mudou de ideia. E eu fiquei aqui. Mas eu queria voltar... Então ele me deu maquetes de planetas e sistemas para eu entender que era muito longe para voltar... Ele inverteu e tirou o "r" e o "t" do meu nome na Terra e disse que eu aqui me chamaria Niam e que eu não deveria falar para ninguém que eu era da Terra, porque eles me mandariam para um lugar ainda mais longe... – Olívia percebeu que o menino começava a se emocionar. Então disse:

– Eu estive com Evelin ontem. Ela está bem e feliz. Ela lembra de você... Mas para ela é como se você fosse um amigo imaginário. Mas, lá no fundo, ela lembra.

– Ela falou de mim? – Disse o menino emocionado.

– Falou! Ela me contou que vocês iam até a fábrica pegar canudos para brincar. Ela me disse o seu nome e por isto nós viemos aqui.

– Eu queria tanto ter ficado lá com ela... – Disse o menino, começando a chorar.

Olívia o pegou no colo, e mesmo que mais ninguém o estivesse vendo, todos compreenderam o gesto do abraço. Segundos depois, o menino desapareceu e Olívia tentou levantar, mas não conseguiu de tanta fraqueza.

– Vamos deixar que você descanse e nós vamos trabalhar nisso. – Disse Renus, levando Olívia até uma das camas da enfermaria, assumindo o comando do grupo.

Olívia adormeceu profundamente. Quando acordou, ela já estava no sítio. Ela tinha dormido cinco horas, estava pálida e com muita fome, porém estava descansada e tranquila. Apenas a tristeza que sentira, não havia passado totalmente. Renus achou por bem acordá-la sem grosserias – coisa que não era muito comum para ele. Ela despertou suavemente e ficou feliz em vê-lo ao seu lado.

– Você está se sentindo bem? – Perguntou ele.

– Sim. Bastante confusa, mas eu estou bem. Quanto tempo eu fiquei dormindo? – quis saber ela.

– Cinco horas... Eu a trouxe para casa... – Explicou ele.

– E os outros? Os pirralhos? – perguntou ela, querendo demonstrar que mesmo triste, não havia perdido o bom humor.

– Estão te esperando na sala. – Disse ele.

E ela sorrindo perguntou:

– Com ou sem laranjas?

Ele sorriu compreendendo o esforço que ela estava fazendo para não parecer triste e preocupada.

– Sem! Achei melhor também esconder as bananas e os abacates... – Disse ele.

Ela reparou que quando ele sorria, seu sorriso era enorme e desproporcional, parecendo ter mais dentes do que o normal, porém apareciam duas covinhas em seu rosto e desapareciam as linhas de expressão de mau humor já aparentes para um tangen tão novo.

– O senhor fica bonito sorrindo... – Disse ela.

Ele respondeu com um rosnado que ela entendeu significar "poupe-me dos elogios", fazendo voltar o mau humor.

Olívia Tangen - Volume I: O Jogo dos MestresOnde histórias criam vida. Descubra agora