TAL MÃE, TAL FILHA

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LORELEI

- Nem tudo é como parece, você deve, e irá seguir seu destino, não me decepcione.

Por mais que me esforce, não entendo se é um sonho, ou se é realidade, só consigo lembrar que assim que voltei da casa dos Miller, meu corpo estava pesado, minha cabeça doía, e eu precisava muito dormir, olho para ela, e tento tocá-la para ter certeza que está aqui, mas não consigo, os olhos dela, aqueles olhos que me fazem refém do medo me encaram, estamos frente á frente, mais próximas do que nunca, ela sorri, um sorriso doentio, que arranca arrepios e deixa o meu interior em estado de alerta, sinto quando ela pega em meu braço e aperta com força, definitivamente isso é realidade, grito de dor, uma dor que não é comum.

- Acorda Lore. - Abro os olhos ainda assustada e vejo minha vó sentada ao meu lado na cama, dou um pulo para me levantar e percebo que meu braço ainda está doendo, ao mesmo tempo que aquele sorriso me vem em pensamento. - O que aconteceu? Você gritava enquanto dormia, era mais um daqueles seus pesadelos né?

A dor me chama atenção, e só agora percebo que o lugar onde antes estava a mão daquela mulher, está vermelho, seus dedos finos ficaram marcados em minha pele, definitivamente aquilo havia sido real, mas como?

- Lore, você está bem querida? - Vovó pergunta enquanto segura meu braço e examina as marcas que ainda estão vermelhas. -Foi você que fez isso enquanto dormia?

- Eu vou ficar bem, só preciso de um pouco d'água, minha garganta está bem seca, depois tudo vai voltar ao normal. -Dou o sorriso mais sincero que consigo na tentativa de acalmá-la.

Saí do quarto em disparada sem me preocupar em olhar para trás na esperança de ter certeza que ela não estava me seguindo, tudo que eu menos quero nesse momento é alguém me fazendo perguntas que eu nem sequer sei as respostas, seja lá o que esses pesadelos querem me dizer, eu preciso descobrir antes que algo pior aconteça.

Conheço a casa como a palma da minha mão, por isso nem foi necessário acender as luzes do corredor até chegar na cozinha, preciso desse escuro pra me ajudar a pensar no que fazer, e por onde começar, além disso é noite de lua cheia, a casa fica clara, e me sinto aliviada por não precisar sair iluminando os cômodos, não quero que outras pessoas acordem.

- Você está cada dia mais parecida com ela.

Com tantas coisas acontecendo, a chegada dos meninos, a minha "descoberta" de um cadáver, todas as tempestades, e esses pesadelos malucos, eu quase nem tive tempo de parar para pensar o quão desagradável nossa visita é.

- Oi pai, parecida com quem?

- Com a sua mãe, claro, com quem mais seria? Os mesmos traços do rosto fino, o nariz empinado, com diferença nos olhos, os dela eram tão claros que muitas vezes jurava que via eles cinza ao invés de azuis, e o cabelo, ela sempre gostou de manter eles compridos e negros, mas eu lembro bem que quando você era pequena, tinha o mesmo jeito difícil dela.

- Pai, por quê não me contou sobre isso antes? - Perguntei enquanto puxava um banquinho para sentar ao lado dele, nós nunca tivemos momentos assim, e eu quero aproveitar para saber tudo que for possível sobre ela, as únicas informações que sei sobre Morgana é que ela não resistiu e morreu enquanto me dava a luz.

- Eu não me orgulho em dizer que você se parece com ela, sua mãe foi a pior mulher que eu já conheci em toda minha vida, ela me destruiu de uma maneira que ninguém mais irá conseguir, Lorelei, você é igual a ela, e eu tenho raiva por isso.

Durante toda minha vida, nós dois nunca tivemos um bom convívio, ou então algum tipo de contato que envolvesse uma conversa, e a primeira vez que isso acontece é pra que ele possa mostrar esse lado, que com toda certeza me odeia.

- Olha, eu vou voltar pro meu quarto, eu não preciso e nem quero ficar ouvindo essas palavras, caso você não tenha percebido, ou não sou ela. -Falei já me levantando e quando estava perto da porta ouvi quando ele continuou falando em um tom desesperador.

- Lorelei, não importa o que aconteça, não seja igual a ela.

- Mas por que pai? Por que você tem tanto ódio assim dela? O que de tão mal ela te fez, além do fato de te abandonar porquê tenho certeza que você não é o melhor dos homens desse mundo, o que mais ela te fez, a ponto de te magoar tanto?

- Ela era um monstro, e você é igualzinha a ela.

De todas as coisas que já vivenciei com meu pai, essa sem dúvidas foi uma das que mais me magoou, senti meus olhos começando a marejar e não posso demonstrar fraqueza na frente de alguém como ele, que me considera um monstro, olho com olhar de reprovação enquanto ainda me encara, a sensação é a de que não sinto nenhuma parte do meu corpo, como se estivesse paralisada, e não sei como mas saio correndo em direção a porta dos fundos, e enquanto fujo dali, lembro de toda minha infância e de quão ruim como pai ele foi, sento no gramado próxima ao lago e já chorando muito encolho meus joelhos até o peito, mesmo que eu não saiba qual foi o erro que ela cometeu, eu não posso considerá-la um monstro, e muito menos pagar por esse erro, ninguém no mundo pode ser tão ruim assim.

SIMON


- Deve ter alguma pista, algum fato que ligue a tudo que está acontecendo, alguém de outra cidade ou de outro país, não sei, deve ter lidado com alguma situação no mínimo parecida. - Falei em tom de frustração, já haviam se passado horas do incidente na praia, e Victório e eu estávamos esse tempo todo procurando qualquer notícia que pudesse nos dar um sinal, mas depois de muitas pesquisas não conseguimos encontrar nada. - Eu preciso de um copo com água.

Saí andando em direção a cozinha, na tentativa de me sentir um pouco menos agitado com toda essa busca sem respostas, quando vejo de relance alguém correndo em direção ao lago, por serem casas de verão, os quintais são todos colados sem nenhum tipo de muro ou cerca, abro a porta dos fundos rezando pra não ser ninguém mal intencionado, e vejo que na verdade era Lorelei, saio caminhando em sua direção e percebo quando ela se joga no chão enquanto chora, sinto uma pontada no peito e fico paralisado, é a primeira vez que vejo ela dessa forma, sento ao seu lado e sem dizer nenhuma palavra fico ali, esperando que ela se sinta melhor e se quiser, poder conversar sobre o que aconteceu.

LORELEI

Percebo quando alguém senta ao meu lado, imagino que seja novamente meu pai, na tentativa de me machucar ainda mais, meu primeiro impulso é tentar correr, mas ao olhar me deparo com o rosto de compaixão que Simon demonstra, sem pensar duas vezes ou até pedir licença, encaixo minha cabeça em seu ombro e deixo minhas lágrimas caírem o suficiente até me sentir melhor.

- Você me acha um monstro Simon? Ele chamou a minha mãe de monstro, e disse que sou igualzinha a ela. - Noto que ele franze o cenho e suponho que não entendeu nada do que eu disse.

- Quem te chamou de monstro?

- O meu pai.

- Que? Não Lore, eu te conheço desde sempre, e você é a pessoa mais doce e sensível que existe, se ele falou isso por algum motivo, eu quero te pedir pra que não dê atenção a ele, e nem a essas ofensas. - Simon segurou meu rosto entre as mãos enquanto seu polegar alisava minha bochecha, eu tenho certeza que meu rosto está coberto de lágrimas e meus olhos estão vermelhos e inchados, mas eu não consigo me importar com isso, só consigo pensar no toque dele e em seu perfume amadeirado que mesmo pela distância dos nossos corpos eu ainda consigo sentir com facilidade por conhecer tão bem, Simon pega entre os dedos uma mecha minha de cabelo que teima em cair diante do meu rosto e coloca atrás da minha orelha me fazendo arrepiar com esse mais simples toque.

- Obrigada. - Sem pensar duas vezes me jogo em seus braços, eu nunca percebi antes o quanto Simon me faz bem, e o quanto ansiei por esse simples gesto, claro que já nos abraçamos outras vezes, mas nunca igual. Talvez possa ser o calor do momento, o quanto eu me sinto frágil, ou então por Simon ter sido fofo e amável, mas minha maior vontade é sentir o gosto dele, e saber se seus lábios são tão quentes e macios como sempre pensei que fossem, me solto do seu abraço e o encaro, sem pensar duas vezes, antes que me arrependa, eu o beijo.

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