Segredos do Oceano

TRANSFORMAÇÃO

LORELEI

    — Simon, — Victório gritava, os olhos vermelhos por todas as lágrimas que já havia chorado.

    — Lorelei! — Vagamente me dei conta da voz atrás de mim. — Faça alguma coisa.

    Virei o rosto na direção de Kiara que estava presa pelas mãos de Andréia, olhei para minha tia que sorria. Faça, era o que seus lábios diziam. Você será uma de nós, era tudo que a minha cabeça queria entender.

   Olhei novamente para água e as ondas batiam com força nas pedras. O som que saia do mar era comparado a uma linda canção, com lindas notas trágicas que cantavam o meu nome.

   Morgana havia se beneficiado da quantidade de Sereias que estavam com ela para poder controlar o tempo e a natureza. As águas que antes estavam calmas começaram a se mover de uma maneira rápida e feroz. Mas Kiara e eu éramos as mais afetadas pelo canto de tantas delas reunidas.

   E por mais que eu tentasse lutar contra aquele momento havia chegado. E eu não queria. Era tudo que eu sempre dizia, que jamais me tornaria uma delas, que não havia nenhum motivo para que me entregasse desse jeito. Eu não seria uma assassina e nem precisaria de outras vidas para manter a minha. Foi fácil me enganar enquanto havia alguma saída, enquanto eu ainda era simplesmente, eu.

   Sem que eu nem percebesse minhas pernas começaram a se movimentar, e eu não sentindo nada do que estava fazendo. Eu não sentia meu corpo, nem as pedras que cortaram meus pés enquanto corria em direção à água. Eu não escutava quando Victório gritava por mim implorando para que parasse, e nem me importei quando Kiara foi jogada na areia com os olhos fechados enquanto seu peito subia e descia indicando que ela estava viva. Eu não percebi quando como em um último suspiro gritei o nome de Simon antes de vê-lo imergindo na água sendo sufocado por uma sereia. Eu só ouvia os sussurros. A água estava falando e ela me chamava.

   Sentindo-me estranhamente calma, como se cada minuto tivesse me preparado para aquilo, eu entrei.

   As ondas me golpeavam e zuniam em meus ouvidos. Meus braços e minhas pernas chacoalhavam em vão, parei de me bater apenas quando percebi que estava segurando a respiração e meus pulmões estavam perto de explodir. De algum modo eu podia ouvir os gritos de Simon submerso ainda na água e continuava a nadar sem ritmo. Meu corpo doía, meu peito doía, e eu me sentia cansada. Simon estava morrendo e eu não poderia fazer nada.

   Era a hora.

   Eu parei e a pressão da água em meu peito me fez abrir os lábios deixando que a água fria e salgada entrasse. Minha garganta queimou enquanto bolhas de ar saiam da minha boca, meu corpo lutava contra toda água que estava entrando em meus pulmões e pude sentir quando lágrimas quentes escorreram dos meus olhos. Pensei na minha mãe e o quanto queria que ela fosse diferente e pudesse dar todo o amor que sempre precisei. Pensei no meu pai e na vovó, em Kiara e em Victório, e pensei em Simon no quanto o amava e queria continuar acreditando que ele ainda me amaria mesmo depois de tudo, independente do que acontecesse.

   Meu corpo se agitava com força, e meu peito ardia. Pressionei as mãos envolta da garganta e rezei para que a morte chegasse e me mostrasse a luz que eu tanto buscava, por que estava demorando demais e eu só queria que aquilo acabasse.

   E então aconteceu. A dor desapareceu. Meu corpo ficou mais leve, mas meu coração ainda batia.

   Abri os olhos e olhei para baixo. Meu peito subia e descia. Mas eu me sentia melhor, não como se a água me aceitasse eu que havia aceitado a água. Tudo estava mais claro e eu conseguia enxergar com mais facilidade.

   Simon, ele estava sendo levado para longe de mim, desacordado. Tentei nadar a toda velocidade que meu corpo permitia, mas meus braços e pernas não eram suficientes, os anos que passei fugindo da água haviam me deixado completamente despreparada. Virei-me para o fundo e comecei a nadar com braçadas longas e constantes, se a aquela sereia tinha intenção de afogá-lo era para lá que ela iria, para o fundo. Eu não devia estar muito longe mas eles não estavam à vista.

   Tentei me concentrar em Kiara e pedir ajuda, Morgana sempre se comunicava comigo por pensamento e eu pensei que poderia usar disso para tentar o mesmo com ela se me concentrasse ao máximo poderia chamar atenção. Mas antes que eu conseguisse pensar no que dizer, muitos olhos azuis apareceram no meu campo de visão e aos poucos elas foram surgindo. No centro delas, com toda sua crueldade estava minha mãe.

   "Ele não vai resistir" Ela disse para que só eu pudesse ouvir.

   "Por favor, deixe-o ir embora. Você já conseguiu o que queria e agora eu sou uma de vocês, ele é uma boa pessoa e não merece esse fim."

   "Ele te afastou de nós todo esse tempo, mesmo que continue vivo a conexão de vocês não permitirá que você siga seu destino e se torne quem realmente é."

   Me senti uma inútil enquanto tentava desesperadamente encontrar Simon

   "Além de tudo." Ela continuou dizendo. "Você precisa matar alguém se quiser descobrir seu verdadeiro potencial "

   "Eu não vou matar ele, nunca."

   Então você vai precisar morrer"

   Em poucos minutos pude sentir como se estivesse perdendo todo controle do meu corpo que se esvaia junto com meus últimos suspiros, algo como nunca havia vivenciado antes.

   Um som alto e agudo preenchia meus ouvidos e vinha acompanhado de dor e sofrimento, aquelas notas eram tristes como a noite e carregavam a morte como se fosse um sentimento natural de se sentir. Eu já não conseguia enxergar Simon mesmo que com todas as minhas últimas forças tentasse, a única coisa que conseguia visualizar eram todas as sereias que estavam a minha volta enquanto no centro estava eu, apenas uma, uma garota, uma filha. Uma irmã. Uma namorada. Apenas um corpo.

   Meus olhos se fecharam completamente e eu me rendi enquanto o oceano me abraçava.

   Lorelei, eu preciso que você cante.

   Fiquei deitada ali. Respirando água salgada e lutando contra meus pensamentos que teimavam em me bombardear.

   Só cante querida, só cante.

   Cantar?

   Sim!

   Eu não estou entendendo.

   Cante, seu corpo te guiará.

   Eu não sabia como cantar, então só imaginei que estivesse cantando.

   Foi quando os gritos e choros começaram. Finalmente ouvi uma música diferente e ela vinha do centro da minha cabeça, mas não era um canto parecido com aquele que doía meus tímpanos esse era suave e acolhedor, por um momento antes de todo desespero eu pude me sentir abraçada.

   Mas a calmaria não durou muito, o medo tomou conta de mim quando por mais que procurasse não encontrava Simon e em um momento de desespero não percebi quando a água ao redor começou a borbulhar como se estivesse entrando em ebulição, agitando e girando, as sereias haviam sumido, e sem que eu esperasse meu corpo foi jogado em direção à praia. Cai diretamente na areia com a cabeça zonza e o pulmão apertado enquanto tentava se adaptar ao oxigênio na terra. Olhei para o lado quando vi Kiara correndo em minha direção com Victório logo atrás e a sirene da polícia soando ao fundo.

   — Simon. — Foi a única coisa que consegui dizer antes de apagar. Simon não estava ali.