Dezesseis

476 80 35
                                        


  ⚠️⚠️⚠️⚠️ Cuidado, contém gatilhos ⚠️⚠️⚠️⚠️


                                  DONG HAE

Dong Hae não conseguia dormir. Ele saiu da cama, acendeu a luz do banheiro e se olhou no espelho, só para garantir que continuava ali. O rosto que o encarava de volta era desconhecido, mas os olhos permaneciam familiares. Durante a maior parte da vida, aqueles olhos o fitavam no reflexo, mas, às vezes, Hae ia embora, e eles não o viam.

Frascos amarelos de remédio estavam alinhados de acordo com o tamanho na penteadeira, de modo que ele os visse todos os dias quando acordasse e se lembrasse de tomá-los. Já fazia alguns dias — Hae não sabia exatamente quantos — que não tomava os comprimidos. Conseguia ver a si mesmo agora; porém, quando estava sob o efeito dos remédios, seus pensamentos se turvavam, e ele se perdia na neblina.

Haviam lhe dito que era melhor que ele permanecesse obscurecido pela névoa, escondido. Os comprimidos funcionavam tão bem que, em certas ocasiões, ele até se esquecia de si mesmo. Mas sempre havia aquela sensação de errado, como se o universo estivesse meio torto, e, agora, ele sabia o motivo. Os remédios eram capazes de escondê-lo, mas não podiam fazê-lo desaparecer.

Desde que parara com a medicação, Dong não conseguia dormir. Ah, ele havia tirado algumas sonecas, mas sono de verdade não tinha. Às vezes, parecia que um terremoto o destroçava por dentro, mas, quando ele esticava as mãos, elas estavam firmes. Será que os remédios eram viciantes? Teriam mentido para ele? Hae não queria ser um viciado; sua mãe sempre lhe dissera que vício é um sinal de fraqueza. Hae não podia ser um viciado, porque não podia ser fraco. Ele tinha de ser forte, tinha de ser perfeito.

Um eco da voz da mãe soou em sua cabeça. "Meu homenzinho perfeito", dizia ela, acariciando sua face.

Sempre que Hae a decepcionava, sempre que era menos do que perfeito, a fúria dela era tão esmagadora que o mundo parecia prestes a acabar. Ele faria qualquer coisa para não desapontar a mãe, mas tinha guardado um segredo horrível dela: às vezes, cometia transgressões de propósito, transgressõezinhas, só para ser punido. Mesmo agora, a lembrança das punições o deixava animado. A mãe teria ficado muito decepcionada se soubesse daquele prazer secreto, então ele sempre se esforçara para disfarçar.

Às vezes, ele sentia bastante falta dela. Mamãe sempre sabia exatamente o que fazer.

A mãe saberia, por exemplo, o que fazer com aquelas quatro vagabundas que zombavam dele com a tal lista sobre o homem perfeito. Como se elas soubessem alguma coisa sobre perfeição! Hae sabia. Mamãe sabia. Ele sempre se esforçara tanto para ser seu homenzinho perfeito, seu filho perfeito, mas sempre fracassava, mesmo nos momentos em que não cometia aquelas transgressõezinhas, de propósito, só para ser punido. Hae nunca tivera dúvidas de que havia uma imperfeição nele que nunca seria capaz de corrigir, que sempre decepcionaria a mãe no nível mais básico, simplesmente por existir.

Elas achavam que eram tão espertas, aquelas quatro pessoas vagabundas — ele gostava de como o nome soava, as Quatro Vagabundas, como alguma divindade romana pervertida. As Fúrias, as Cárites, as Vagabundas. Elas tentaram fazer uma gracinha, escondendo suas identidades por trás de A, B, C e D, no lugar de seus nomes. Havia uma que ele odiava em especial, a que dissera: "Se um homem não é perfeito, ele devia se esforçar mais." O que elas sabiam sobre isso? Por acaso já tinham tentado alcançar um padrão tão impossivelmente alto que só a perfeição bastaria, e tinham fracassado todos os dias de suas vidas? Tinham?

Por acaso sabiam como era para ele estar sempre tentando e tentando, mas sabendo lá no fundo que ia falhar, até que finalmente aprendera a gostar das punições, pois essa era a única forma de conseguir suportar aquilo tudo? Sabiam?

O homem perfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora