Prólogo

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Gustavo

Ela já estava lá há mais de uma hora. Não tinha nenhuma notícia, nenhum sinal. Não se ouvia nenhum choro, nem comoção.

Apesar de tudo, minhas mãos estavam suando.

Era um sinal de nervoso? Estresse? Medo?

Eu não sabia dizer. Não conseguia entender quais eram meus sentimentos naquele momento. Se é que algum dia eu já soube decifrá-los.

Ela era a mãe do meu filho, eu deveria sentir alguma coisa.

Mas antes que me julguem, estávamos juntos há pouco tempo. Não tivemos tempo para afeições maiores. Em uma balada na qual ficamos resultou em um presente.

Inesperado.

Mas desejado? Outro sentimento que eu ainda não sabia decifrar.

Na verdade, eu poderia dizer que tanto fazia. Não me imaginei como pai em toda a gravidez de Vitoria, apesar de ela fazer questão de me incluir em cada etapa, de montarmos um quartinho na minha casa até ela ir morar comigo. Ainda não sentia aquela luz mágica que todos diziam existir na paternidade.

Mas o silêncio na sala de espera estava me deixando mais nervoso ainda. Levantei-me e comecei a andar de um lado para o outro a fim de extravasar um pouco da energia que estava acumulando.

Quando já tinha dado umas dez voltas em torno da pequena sala, a porta foi aperta abruptamente. Acreditei que fosse um médico, enfermeira ou qualquer pessoa que pudesse me trazer uma notícia.

Mas um rosto conhecido apareceu na fresta da porta aberta e Taís surgiu com os olhos inchados, aparentemente por ter chorado. Assim que me viu, ela entrou na sala, fechando a porta atrás de si.

— Vim o mais rápido que pude, assim que soube.

Taís estava na minha vida desde... bom, desde que eu vivia com meus pais e ela morava no mesmo andar.

Ela era aquela típica menina estranha, feliz demais e que fazia amizade com todos com quem conversava, até mesmo os que não lhe respondiam, o que era o meu caso com ela. Ela morava com a avó e vivia se enfurnando nas minhas brincadeiras. Era tão atrevida que se manteve em minha vida até os dias atuais.

Ela se jogou no sofá, ao meu lado, parecendo realmente cansada.

— Como ela está? Tem alguma notícia? E o bebê?

Ela despejava as perguntas sem pausas para respirar. Se soubesse que aquilo estava me deixando mais nervoso do que antes, ela pararia na hora, mas resolvi não falar nada.

— Não, ela está na sala de operação ainda. Nenhuma notícia dos dois — falei calmo, tentando passar isso para ela.

— Que merda, cara.

Uma lágrima escorreu do olho dela e Taís se apressou em secá-la.

Andei mais um pouco de um lado para o outro, sendo acompanhado por um par de olhos inquiridores. Eu sentia que ela queria falar alguma coisa, mas permanecia calada. Dei mais algumas voltas no lugar, até que Taís respirou fundo, fazendo-me parar e olhar para ela.

— Você vai fazer um buraco no chão deste jeito.

Estávamos há um tempo calados, , e o som da voz dela foi como uma âncora me puxando para o presente.

— Não consigo ficar parado — disse sério, categórico.

Taís se levantou, colocando-se à minha frente, com as mãos nos meus braços, como se tentasse me transmitir afeto, conforto.

Mas eu não queria e muito menos precisava daquilo naquele momento. Mas eu nunca sabia como expressar isso para Taís, então sempre a deixava fazer o que julgava ser o melhor.

— Vai ficar tudo bem.

Lá estava chegando o momento em que eu nunca sabia como agir. Depois dessas palavras, os braços das pessoas tomavam vida própria, e rodeavam o corpo para o qual as palavras eram destinadas. Era como se ele pudesse afirmar que tudo ficaria bem. Mas eu não sentia isso. Não via como um simples gesto poderia expressar tantas coisas assim. Para mim, ele nunca disse nada. Mas novamente, não impedi Taís de prosseguir com o que queria.

Quando ela estava se afastando do abraço, uma batida na porta fez com que ela se assustasse. Viramo-nos para ela, e a médica da qual eu sabia que estava na sala de operação com Vitoria, entrou. Seu semblante não era nada bom. Nada mesmo. Por isso não resolvi fazer perguntas, deixei que ela mesma escolhesse qual notícia começaria a me dar.

— Eu sinto muito, Gustavo. O caso da Vitoria era muito complicado, fizemos de tudo, mas ela não aguentou e acabou vindo a óbito. — Neste momento as mãos de Taís agarraram meu braço.

Eu poderia jurar que suas unhas estavam entrando na minha carne, mas no momento eu não sentia nada.

— E o bebê? — foi a própria Taís quem fez a pergunta no meu lugar.

E no momento em que a médica respirou fundo, puxando ar para dar a resposta tão temida, meu coração parou.

Vitoria tinha morrido. Isso era um baque e tanto. Será que eu teria que passar por dois no mesmo dia? Mas mesmo assim, já era um baque enorme. Mesmo que eu não a amasse, ela era a mãe do bebê. E o que seria daquela criança?

— O bebê passa bem, não teve nenhum dano. Conseguimos completar a cesárea antes que qualquer agravamento a acometesse.

O ar que estava preso em meus pulmões, mesmo sem que eu percebesse, foi liberado de uma vez só, o que provavelmente era a causa da tontura que me acometeu naquele momento.

Tudo ficou preto, e eu cambaleei para o lado. Por sorte, ou qualquer outra coisa do universo, Taís estava ao meu lado e foi o meu amparo para que eu me pudesse me manter de pé.

— Po-podemos... ver o bebê? — Taís gaguejou e soluçou, quando ela mesma perguntou, novamente tomando a frente da situação para mim.

— Claro. É uma menina linda e saudável. Esta fazendo alguns exames de rotina, e assim que estiver pronta, vamos levá-los até ela.

Taís trocou mais algumas palavras com a médica, mas eu já não ouvia mais nada.

Uma menina. Era uma surpresa para mim, já que Vitoria escolhera saber o sexo na hora do parto.

Será que ela ficou sabendo o que era?

Meu Deus. Eu era pai. De uma menininha.

Não sei quanto tempo passei em minhas divagações, mas me pareceu que se passaram alguns segundos do momento em que a médica saiu da sala para o que Taís me puxou pelos braços para que fôssemos conhecer minha filha.

Quando dei por mim, já estava atrás de um vidro, olhando para um berçário cheio de crianças pequenas.

Entre várias, uma delas se destacava. Eu não precisava ler em lugar nenhum que aquela era a minha. Minha filha. Tão pequena e indefesa.

Encostei a mão no vidro, querendo atravessá-lo e pegar minha garotinha nos braços. Mas segundo a própria médica, logo eu faria isso.

— Ela é tão linda — Taís colocou uma das mãos nas minhas costas e falou baixinho ao meu lado, com a voz embargada pelo choro.

Mas desta vez eu não a julguei, porque do meu olho escorria uma lagrima também.

Papai vai te proteger, filha. E você nunca ficará sozinha.

Eram meus únicos pensamentos no momento. A partir daquele dia, eu viveria e morreria por aquela criança.

Um Marido de MentirinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora