2: Águas Serenas

78 16 17
                                    

Capítulo 2
Águas Serenas


As tarefas ao longo do dia que iria se correr era: colher todo o algodão possível, armazenar água e cuidar dos animais vivos.

O grupo de oitenta pessoas foram divididos. Um grupo de sessenta ficara na colheita do algodão e após terminar os cuidados com os animais, Victhana se juntou ao grupo dos dez restantes que iam em direção ao rio. Em recompensa, ao fim do dia, teriam direito a um banho tranquilo, roupas novas, comida e água.

— Mandarei um guarda orientar aquele grupo. — disse Benedito, ainda na varanda, a Joaquim que estava aos pés dela. Ambos olhavam em direção ao povo que colhia os algodões e a turma que se aproximava para serem guiados até as águas do rio.

— Não é necessário. Eu posso ir. — disse, firme. — Não farei nada. Posso vigiá-los sem problemas. Aproveito para ver o rio. O calor irá nos derreter ao meio-dia.

— Como quiser, então. — disse ele e sorriu de lado, dando uma tapinha de leve no corrimão de ferro. — Leve um guarda. Sempre é necessário mais que um homem.

Apenas assentiu com a cabeça para seu tio e se direcionou ao espaço dos estábulos para cavalos do casarão, ao lado direito. Ele observou os três cavalos ali, ambos mostravam suas costelas e desejou, que se alguém ouvisse suas preces, não as ignorasse.

Seu cavalo era um animal da raça nordestina, era ativo e dócil, nunca reclamara de nada colocado encima dele, mas também sofria com a seca. Pegou uma cela fina, sem apoio para os pés, junto das cordas finas e arrumou o cavalo. Ele tinha pelagem marrom clara, com os cascos rígidos de cor preta e sua crina de tamanho médio era escura. Ganhara de seu tio quando tinha dez anos.

— Vou levar você para o rio. — disse para ele, acariciando o chanfro e depois sua bochecha. — Poderá se refrescar lá.

Joaquim tirou a casaca e o colete que vestia, ficando com sua camisa de botões. Depois montou no animal e se apressou ao sair daquele espaço e chegar ao grupo que esperava em frente o casarão.

No meio deles, identificou as feições serenas de Victhana, as quais se lembrava bem. Quando se aproximou, sentiu o olhar dela sobre si e lutou contra o desejo de encará-la e dar um sorriso.

— Quem nos acompanhará? — perguntou o homem a quem salvara da fome, Luís. — Só tem mais um guarda, os outros estão nas colheitas.

— Você não deveria ir, Luís. — alertou Joaquim. — Você deveria estar de repouso, aos cuidados da curandeira.

— Não, senhor. — disse ele, com um sorriso. — Não levei uma facada ou me arrancaram as pernas. Estou em perfeito estado. Se recuperar de uma fome é fácil.

— Você quase morreu.

— E os senhores, me salvaram. — deu de ombros. — Vamos... alguns desses homens aqui não trabalham sem mim.

Joaquim riu quando viu os colegas de Luís resmungarem com ele.

— Bem... eu irei com vocês. — disse, finalmente.

— Tem certeza? — indagou ele. — O nosso senhor?

— Não sou um senhor. — disse e sorriu de lado em seguida para perguntar: — Algum problema, Luís?

— Claro que não, senhor. — sorriu ele, discretamente.

— Nossa conversa não foi suficiente para lhe provar que farei tudo que estiver ao meu alcance? — ainda sorria, como um diálogo entre amigos.

— Agora o vejo realmente disposto. — admitiu ele, divertidamente. — Seja bem-vindo ao grupo senhor Joaquim.

Ele sorriu sobre o cavalo, reverenciou suavemente e guiou o animal para frente, assim, levando grupo em direção ao rio.

Luís fora um homem extremamente amigável com ele, sempre sorrindo depois que sua fome havia passado e era reconfortante ver ele sorrir. Benedito havia contado para Joaquim sobre Luís. Ele era um veterano, era trabalhador e que raramente se via em dificuldades para seus trabalhos, o que fazia sair da mira do pai de Joaquim. Quando o mesmo foi embora, Luís se sentia, de certa forma, livre, pois tinha a escolha, e ainda estava ali porque queria.

Joaquim havia passado aquela noite em claro com ele, para não o deixar partir e sabia que isso era um gesto que faria por qualquer um, mas que contava o dobro para ele, nessa situação. Isso faria com que ganhasse confiança deles, e não o fez apenas por isso.

Após pegarem os carrinhos de madeira com os toneis vazios, todos seguiram pela estrada de areia. Encima do cavalo, Joaquim mantinha sua postura sobre o caminhar no ritmo lento do animal, acompanhando os passos medianos de todos. Ao passar a estrada principal chegaram à mata baixa, seguindo até a mata alta que era feita por galhos e mais folhas secas. Adentrando um caminho por dentre as árvores, essas com mais folhas verdes do que secas, já era possível ouvir o rio correndo entre algumas leves quedas. Após mais cem metros, a visão era diferente das terras secas. Quanto mais perto da água, as árvores, folhas e algumas plantas eram mais vívidas e até parecia um lugar totalmente diferente do que já estivera.

— Este é o rio batalheira. — apresentou Joaquim. Guiou seu cavalo até a margem do rio, próximo a uma árvore com galhos grossos e baixo, desceu do animal e o amarrou, sorrindo. — Incrivelmente a água mais doce do interior do estado.

— Podemos beber esta água?

Ouvira um homem novato perguntar e sorriu novamente quando viu ele levar uma tapinha de alerta de uma mulher novata, ao seu lado.

— Claro que podem! — disse com orgulho. — Podem até aproveitar para um banho. Nesse horário ainda está em uma temperatura ótima. Mas precisamos armazenar o máximo possível.

— Vamos começar, gente!

Logo, todos se apressaram em levar os carrinhos para as margens enquanto outros adentravam o rio e aproveitavam a água fria. Parecia ser uma sorte aquelas águas ainda correrem pela região tão seca e, de alguma forma, Joaquim aceitou que suas preces haviam sido ouvidas, em algum momento. Enquanto observava as pessoas ali e as águas, se recordou de sua mãe, uma mulher tão serena quanto aquele rio. Sentia falta dela e por um instante desejou que ela estivesse viva. Mas só por um instante, pois no outro instante não queria que ela precisasse ver aquela seca que havia matado e ainda iria matar tantos, até o fim dela.

Seu tio, Benedito, e seu pai, Thoumas, haviam nascido em uma das províncias do sul do país. Eram filhos de nativos de Portugal, país esse que ocupou as terras brasileiras e que também submetera vários povos, trazendo a escravidão. Com a expansão dos territórios, Benedito havia ido para o nordeste, no interior da província do Ceará. Nessas terras, ele conhecera uma nativa, por quem teve um afeto, o fazendo ficar nas terras. Naquele mesmo período chamavam o algodão de Ouro Branco no Ceará e seu tio comprou aquela fazenda para gerar suas riquezas com as vendas, um ano antes do falecimento de sua cunhada; mãe de Joaquim.

Joaquim crescera ao lado de sua mãe – também de origem portuguesa - até os oito anos, quando uma doença que se alastrou pela província do sul a matou. Ela tinha bastante contato com os escravos doentes na época e foi contaminada. Após a morte de sua mãe, o pai de Joaquim e ele foram morar com Benedito naquela fazenda no interior. Tempos depois, quando ele tinha quinze anos, seu pai resolveu sumir no país, deixando-o com seu tio. Benedito havia se tornado um novo pai para Joaquim. E ele fazia questão de esquecer a existência do homem nada agradável que era o irmão de seu tio.

Sua mãe não concordava com a escravidão. Odiava o modo como as pessoas foram arrancadas de suas terras, em outros países e eram trazidas a este país. Aquilo lhe dava calafrios e por vezes se via tão em alto poder que poderia fazer algo para mudar aquilo.

O som de alguns homens pulando na água e outros gritando para ajudarem com os tonéis, o fez sair de seus pensamentos. Quando a primeira carga dos carrinhos estava pronta, ele montou em seu cavalo novamente para levá-los de volta a fazenda.

Seria um longo dia.

A Primeira ImperatrizOnde histórias criam vida. Descubra agora