Capítulo 16
A Carta
A frieza da manhã fez seus pelos se arrepiarem assim que acordou. Ela se esticou, estalando os dedos suavemente e sentindo onde doía em seu corpo, ainda mais por causa do dia anterior. Victhana se sentou no feno em que deitara, essa noite sem Jacir, e levantou-se para ir ao rio.
Nas senzalas as coisas não haviam mudado, apesar de que, com a morte de mais outro animal, sobrava mais feno para serem feitos de cama para todos ali. Eles continuavam em suas divisões de senzalas, tendo que dividir espaço no chão coberto de feno que passou a dar-lhes um mínimo de conforto. Por vezes, algumas mulheres levavam uma bacia grande do casarão para ir lavar as roupas no rio, os mantendo limpos por mais tempo.
Após passar no rio e não ter visto Jacir, já que ele ficara com ciúmes de sua relação com Joaquim, ela caminhou até o casarão. O céu estava bem azulado, a lua desaparecendo ao céu e o sol tomando conta do lado oposto; ao fundo, as mesmas montanhas distantes com as nuvens a rodeá-las. A cada passo até a varanda era um calafrio que o vento trazia a ela naquela manhã.
Apesar do clima que a casa tomou depois da morte do Regente, Victhana sentiu a tensão diminuir. Mas o medo da doença se manifestar em alguma delas, não.
Victhana caminhou pelos corredores, vendo o casarão começar a ser tomado pelas mulheres, até chegar na porta de trás que dava para a outra varanda e ao quintal.
O espaço de trás do casarão era bem espaçoso. A cerca demarcando o tamanho do terreno em que a fazenda possuía para a parte de trás, assim indo até a elevação que havia em direção a estrada, e a mata que havia a uns oitenta metros dali.
Ela se encostou no corrimão e observou a mulher que ela conversara na noite anterior, a moça que cuidava das plantas. Ao lado direito havia um canteiro que havia folhas como; alface, cebolinha, espinafre e agrião. Além do espaço coberto por um telhadinho ao lado que tinham frutos como limão, acerola e goiaba. Eram frutos que haviam se adaptado bem ao calor, e água era de bom proveito para seu crescimento. Estavam começando a dar seus brotos e frutos. A moça passeou pelo canteiro e se direcionou ao outro lado onde havia um outro recém plantado, levando a bacia de água para regá-las.
Ao lado esquerdo, havia uma pequena casinha onde estava alguns dos toneis de água e onde eles tinham esfolado o cavalo, retirando o que não era de comer, bem como cortar as partes boas para o cozimento, e ao lado da casinha a pequena cisterna de armazenar a água.
Isso iria servir da alimentação deles para os próximos dias; a carne do cavalo e os brotos de legumes que a moça agora colhia. Já que nas reservas das comidas só haviam algumas folhas, contáveis frutas e poucas carnes.
Victhana sorriu e acenou de volta para a moça e ao se afastar, falou com mais duas mulheres que vinham com baldes para buscar a água. Passou por elas de volta para o corredor do casarão.
Passeando por eles, ela caminhou de volta para a entrada, passando pela cozinha e chegando próximo a sala de estar, para então subir as escadas. Caminhou pelo corredor dos quartos e identificou o cômodo em que o Regente Falecido esteve.
Durante o dia anterior, a curandeira havia feito o processo de preservação do corpo dele e, permanecendo coberto, Joaquim permitiu e acompanhou a mudança do corpo para outro quarto, um dos menores. O corpo havia sido removido depois das onze da noite, e foi feito um combinado no qual, caso ninguém viesse a tempo de o corpo começar a se decompor, ele seria levado para ser enterrado na cidade vizinha. Joaquim não iria querer o significado que ele havia dado a morte do regente ali em suas terras.
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A Primeira Imperatriz
Historical FictionVicthana é escrava em um fazenda no sul do Brasil imperial, em 1880. Sobrevivendo a fome ao lado de sua mãe, nas senzalas, ela organiza uma fuga para o nordeste. Mas quanto mais ao norte, o dobro sofriam com a seca e as estiagens no sertão nordestin...