1: Novas Terras

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Capítulo 1
Novas Terras


O som dos ferrolhos sendo abertos nas senzalas vizinhas eram como música para Luene, mãe de Victhana. Embora tivesse ouvido poucas canções, algumas eram como o som dos pássaros, como o som da liberdade, o soltar das correntes, estringindo ao cair no chão de pedra da antiga fazenda... Era como também havia sonhado aquela noite. Livre. Ficou aliviada por ter tido a noite de sono em que teve sonhos, dormindo no feno que sua filha trouxera para ela, e não pesadelos que sempre a assombravam.

Já ouvira pessoas morrerem gritando com a fome, o corpo magro, os ossos marcando as costelas e isso era uma tortura para cada um que ouvisse e para ela, quase um trauma. A fome era algo que se fazia presente em seus dias como escrava, mas, com a seca, tudo tinha piorado e já durava três anos. Parte de todo o sofrimento vivendo na escravidão, ela tinha vivido ao lado de sua filha, que passava algumas noites a consolando, fazendo com que confiasse em suas palavras que diziam que tudo ia mudar em breve.

Ela não fez diferente naquela noite, há cinco dias atrás, quando acordou com os gritos daquele homem. Victhana a consolou até que ela voltasse a dormir após os gemidos pararem e desejou que o motivo para aquilo fosse que conseguiram salvar ele da morte, pois, confiou na filha quando ela disse que eles resolveriam.

Victhana não contou para sua mãe sobre a conversa que tivera com o sobrinho do senhor da fazenda e muito menos quis sair da senzala aquela noite. Apenas compartilhou o feno com sua mãe para dormir ao menos um pouco durante aquelas noites seguintes.

A manhã tinha chegado trazendo um ar ameno, diferente da manhã anterior que o calor foi difícil para se trabalhar. Ela havia retalhado um pouco das roupas com que viera da província antiga, deixando a saia mais curta e ficando com a camisa apertada, ao invés da blusa mais longa, para aguentar o calor excessivo.

A porta da sua senzala foi aberta, após um bater na madeira, e um homem vestido com roupas claras e arejadas, sem colete e a casaca, indicou lá fora, chamando-as gentilmente para sair do espaço. Victhana ajudou sua mãe a levantar e as duas saíram.

O sol subia ao céu preguiçosamente enquanto ainda se escondia atrás das montanhas esverdeadas ao horizonte. No antigo lugar onde pertencia, eram usadas correntes e todos os senhores de fazenda e de escravos eram arrogantes. Todos eram acordados antes do nascer do sol para valer o dia e ganharem pelo menos a comida no final dele.

Farão isso porque não querem morrer de fome. — Dissera uma vez o seu antigo senhor. — Farão por merecer.

Aquele bigodudo imundo, pensou ela com raiva. Ao menos estava livre dele agora.

O contrário aqui... Nas duas semanas que estava ali, não vira correntes ou homens arrogantes e ainda tinha visto que nem todas as senzalas eram fechadas por fora, apenas as daqueles que chegaram com ela, na migração.

Podia ver alguns saindo das senzalas por convites e outras sendo abertas e percebeu que todos estavam sendo guiados para o casarão da fazenda e logo se juntou a sua mãe quando fora guiada também. Podia identificar as pessoas que vieram com ela – o grupo com quem partira da província da Bahia, havia se dividido em quinze para a província do Ceará, e dois grupos de quinze em direção à outras províncias para o norte – no meio dos outros. Ao relembrar dos que foram ao norte, desejou que tivessem encontrado um meio de sobreviver.

Além deles, mais de trinta estavam ali e já pertenciam a estas terras, embora não tivesse tido contato direto com eles durante os dias em que tinha chegado.

Saindo do campo das senzalas, caminharam pouco mais de cinquenta metros até a estrada de areia e depois dela, mais cinquenta metros, até ficarem aos pés da grande casa da fazenda. Uma construção longa e alta, com dois andares, de cores azuis e branco, além do telhado que tinha a mesma cor da areia avermelhada sob seus pés.

A Primeira ImperatrizOnde histórias criam vida. Descubra agora