Capítulo 14
Vários de Nós ou um Deles
A manhã havia chegado suave e um pouco mais fria que a anterior. Todos os dias Luene via o sol nascer, testemunhando os dias amanhecerem menos quentes ao longo das semanas. Era acostumada com o pouco sono, já que sempre era colocada ao trabalho com as galinhas, desde os vinte e dois anos - embora o descanso nunca tivesse vindo - nesta província não era necessário, já que não era mais obrigada a trabalhar. Mas sabia que isso tinha mudado há apenas alguns meses. Além do que sabia pelo o que sua filha, Victhana, havia contado, as irmãs indígenas e Latasha contaram de forma mais aprofundada. Aquela amizade tinha se firmado muito fácil, já que todas elas eram comunicativas e fizeram Luene se sentir acolhida.
A noite anterior tinha sido uma daquelas de contar histórias, então, depois que saíram da cozinha, ela e Latasha voltaram para as senzalas das meninas e acabaram dormindo todas juntas lá mais outra noite. Fazia uma semana que dormiam juntas, em noites de histórias e mais boas conversas.
Desde que sua filha começara a se envolver com Jacir, um homem que não havia sido tão agradável no começo, ela deixou de dormir com a filha para dar a ela um pouco de privacidade. E agora, com ela mais próxima de Joaquim, o sobrinho do senhor da fazenda, elas se viam mais quando estavam dentro do casarão.
Já devia ter passado da hora do café da manhã quando ela finalmente entrou no casarão, depois de ter ido ao rio para um banho; ele continuava diminuindo. A curandeira havia avisado na noite anterior sobre esta manhã, a qual ela iria ficar responsável para ver o Regente que havia ficado doente. Luene havia chamado Latasha para ajudá-la e agora, pelos corredores do casarão procurava ela.
Depois de passar por todas as salas onde ela poderia estar no primeiro andar, Luene desistiu e seguiu em direção a dispensa onde deveria pegar alguns mantimentos e remédios para levar ao Regente Carvalho.
Fazia três dias que os outros Regentes haviam partido em busca de ajuda para o Regente Carvalho. Apesar da curandeira já ter dito que ele teria de ter muita sorte para sobreviver aquela doença.
Ela chegou suavemente na sala da dispensa, após passar pela cozinha, usando de sua movimentação silenciosa que aprendera para não incomodar algum de seus donos, e observou os traços finos do rosto de Latasha. Ela segurava um frasco de remédio para febre, balançando na mão direita como se pensasse em algo ou no que fazer com aquilo.
— Procurei você pela casa toda. — disse para Latasha em tom suave, aproximando-se dela.
Latasha havia tomado um leve susto, mas não escondeu o que segurava em sua mão. Apenas suspirou e entregou as toalhas que segurava na mão esquerda para Luene.
— Desculpe. Eu... quis adiantar o serviço. — disse ela. O tom era firme, nenhuma preocupação. — Já peguei as toalhas e estava tentando identificar esses remédios para levar ao Regente.
Luene a olhou de esguelha para o frasco e apenas confirmou com a cabeça, colocando as toalhas pequenas no antebraço, para pegar uma toalha maior e colocá-la no ombro.
— Este; sim. — disse ela, e apontou para outro frasco acima. — E pegue aquele também. Anti-inflamatório.
Latasha pegou o frasco e analisou o nome e seus efeitos no rotulo de letrinhas pequenas. Não sabia ler com perfeição; mas conseguia identificar palavras, com exceção das palavras mais complicadas.
— Você acha que ele irá sobreviver?
— Não sei dizer. — Luene disse, observando os traços finos de sua amiga. — Se tiver consideração pelo o que a curandeira disse.
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A Primeira Imperatriz
Ficção HistóricaVicthana é escrava em um fazenda no sul do Brasil imperial, em 1880. Sobrevivendo a fome ao lado de sua mãe, nas senzalas, ela organiza uma fuga para o nordeste. Mas quanto mais ao norte, o dobro sofriam com a seca e as estiagens no sertão nordestin...