Capítulo 19
Sacrifícios
Após o meio dia, o calor havia ido embora novamente, dando lugar a brisa suave que foi esfriando até que a noite chegasse. Durante todo esse tempo, Victhana ficou ao lado da cama de sua mãe. Mais marcas haviam aparecido em seu corpo e, com os remédios para dor, ela passava mais tempo dormindo. E mesmo assim ela só queria estar ali ao lado dela.
Três dias haviam se passado. Todos os que estavam feridos estavam melhores e já conseguiam sair do casarão para o pequeno rio, já que o mesmo tinha parado de diminuir, além de ter se mantido com a água potável para ser armazenada. Os cinco cavalos do grupo de Carvalho que haviam morrido no conflito foram esfolados e preparados para servirem de comida. As plantas, folhas e frutos estavam dando rendimentos e as mulheres cultivaram com todo o cuidado.
O casarão se manteve em movimentos, com o entra e sai dos moradores da fazenda; haviam virado quase uma comunidade.
— Deixe essa carta com o dono da fazenda vizinha, — disse Joaquim para Luís, entregando uma carta. — Esta outra deixe com alguém importante na cidade vizinha. — entregou a outra. — Se trata dos cavalos que ganhamos no conflito. São muitos, não vamos conseguir mantê-los aqui até a produção de novo feno.
— Perfeito, Senhor Joaquim. — Luís assentiu e guardou as cartas, uma em cada bolso.
— Irei pedir que um guarda vá com você. — apertou o ombro de Luís em agradecimento.
— Obrigado. — ele sorriu e olhou para a frente, próximos aos pés das escadas do casarão, onde os cavalos estavam à espera, sendo cuidados por outro homem. — Algumas coisas aconteceram, mas outras mudaram, não foi?
Joaquim encarou Luís, o observou como se visse o dia em que ele quase morrera de fome. Ele ainda tinha o mesmo corpo magro, mas ficava feliz em saber que não era por fome. Agora ele vestia calça cor bege e camisa branca, ambas limpas. Seus cabelos bagunçados por causa do vento o deixavam com ar fresco de recém banhado.
— Sim. As coisas mudaram. — disse Joaquim ao pensar. — Algumas saem do nosso controle, fogem dos planos e outras nunca esperadas nos surpreendem.
— Só sei que estou feliz por estar vivo e presenciando o que o Senhor disse para gente naquele dia. — disse e sorriu sinceramente.
— Bom que fez parte disso tudo, Luís. — Joaquim sorriu, e deu dois tapinhas suaves nas costas do homem mais velho.
Um guarda se aproximou e Joaquim pediu que ele fosse com Luís entregar as cartas em seus destinos. Depois que viu eles partirem, subiu as escadas e passou pelos cômodos do casarão, vendo quem estava ocupado e com o quê, passou pela cozinha ao ver o almoço já sendo preparado e em seguida subiu as escadas para visitar os que ainda estava em recuperação.
Ao virar o corredor, encontrou a curandeira Iara carregando uma bandeja com sopa.
— Olá. — disse Joaquim e sorriu suavemente.
— Senhor Joaquim. — Iara disse e sorriu de volta.
— Como estão?
— Os que estão feridos estão melhorando. — disse ela ao tentar fechar a porta do quarto, em que acabara de sair, com o pé.
Joaquim se esticou, oferecendo ajuda para fechar a porta para Iara, enquanto ela já ia caminhando pelo corredor.
— Aconteceu algo? — indagou e seguiu ao lado de Iara, até chegar no quarto que estava com a porta um pouco aberta.
Iara fez um gesto com a cabeça, indicando para dentro do cômodo.
Ali, ao lado da cama, Victhana estava sentada ao chão. Ela conversava com a mãe que olhava para ela, com expressão serena, mas pesarosa, tentando prestar atenção a cada piscada longa que dava.
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A Primeira Imperatriz
Historical FictionVicthana é escrava em um fazenda no sul do Brasil imperial, em 1880. Sobrevivendo a fome ao lado de sua mãe, nas senzalas, ela organiza uma fuga para o nordeste. Mas quanto mais ao norte, o dobro sofriam com a seca e as estiagens no sertão nordestin...