Epílogo
(Parte 1)Victhana não dormiu aquela noite.
Em seu quarto, deitada em sua cama, ficou a observar a chuva que caiu durante toda a noite. Quando o vento frio soprava, chuva respingava para dentro do quarto, molhando cortina, tapetes e o chão. O som da água caindo sobre o telhado lhe trouxe calma em certo momento da noite, foi quando conseguiu parar de chorar; embora só houvessem lágrimas suaves escorrendo por seu rosto.
Victhana seguiria sua vida sabendo que nunca iria estar sozinha, como aquela mulher falou em seu sonho. Considerou não ser apenas um sonho já que havia sido tão claro e real. Sentira sua mãe tocando sua mão, a voz baixa e vívida, e a expressão tranquila; ela sentiu o calor de sua mãe. Então, de manhã, quando a chuva passou, ela dormiu e desejou sonhar novamente com aquela mulher.
Mas nenhum sonho chegou a ela.
Joaquim havia abraçado ela antes de deixá-la ir para seu quarto. Quis que ela pudesse compartilhar a dor que sentia para ele, de forma a diminuir todo aquele fardo dela. Entendeu um pouco como ela sentia, mas nunca chegaria a ter o mesmo sentimento. Tudo o que Victhana e Luene haviam vivido era apenas delas; nada a ser compartilhado.
Ele também não dormira. A mente passeou por tantos sentimentos que o deixaram ansioso; mas deixou que a chuva daquela madrugada levasse tudo.
***
A semana passou. Choveu todas as noites, trazendo manhãs mais frias e tardes agradáveis.
O sol estava se pondo. Escondeu-se entre as nuvens, manchando o céu de laranja, rosa e vermelho. Uma brisa fria passeou pela janela do quarto, balançando seu vestido e seus cabelos soltos, caindo sobre os ombros em cachos crespos, e ela fechou os olhos.
Sentiu uma mão suave sobre seu ombro; em um afago calmo e carinhoso. Ao virar e olhar, Joaquim sorria suavemente para ela. Ele havia se coberto apenas com sua camisa, que exibiu um pouco de seu peito, usando a peça intima na parte de baixo. Os cabelos estavam um pouco bagunçados. O rosto quadrado ficou bem desenhado à última luz daquele dia. Sua barba crescia novamente, rara, preenchendo o rosto suavemente.
Victhana levou a mão a dele e acariciou com calma. Joaquim levou a mão ao rosto dela, desenhando seu maxilar, enquanto observou seus lábios e em seguida encarou seu olhar sereno. Depois a abraçou por trás gentilmente e beijou o topo de sua cabeça. Eles ficaram em silêncio até o sol ir embora, dando lugar a brisa fria da noite que silenciava tudo.
***
Com as noites chuvosas e o frio noturno, a casa toda havia mudado. As tapeçarias haviam sido substituídas por novas, mais limpas e grossas, bem como os lençóis, de cores mais claras que as antigas.
Tudo passara a ser mais cheio de vida e movimentado, com todos que haviam abandonado as senzalas para se dividirem nos quartos do casarão.
Com a ida a cidade vizinha, conseguiram mais lamparinas e gás, além de cobertas para todos se acomodarem, e novas roupas.
Joaquim havia mudado de quarto para um dos dois únicos que havia uma lareira pequena. Essa agora, queimava suavemente quando ele adentrou o cômodo.
— Pedi para fazer chá. — disse Joaquim, adentrando, segurando duas xicaras de chá; uma em cada mão. — É de capim-santo.
Ele se aproximou de Victhana que estava em pé na janela, observando a chuva cair lá fora. Ela virou-se, sorriu suavemente e segurou a xicara que ele oferecera.
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A Primeira Imperatriz
Historická literaturaVicthana é escrava em um fazenda no sul do Brasil imperial, em 1880. Sobrevivendo a fome ao lado de sua mãe, nas senzalas, ela organiza uma fuga para o nordeste. Mas quanto mais ao norte, o dobro sofriam com a seca e as estiagens no sertão nordestin...