Capítulo 4

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Enquanto o treinador repassa algumas mudanças de última hora com Walter, nosso quarterback, eu enrolo uma das mãos com esparadrapo, e depois faço o mesmo com a outra. Meu ritual pré-jogo é o mesmo desde que eu jogava na categoria infantil, e, em geral, a rotina me ajuda na concentração, limita meu foco ao que está acontecendo no campo.

Esta noite, o ritual não funciona. Só consigo pensar em Dulce. Sozinha. Com fome. Aterrorizada diante de homens em um clube de strip ou na rua. As cenas que Alfonso descreveu na
rodoviária se repetem sem parar. Dulce violada. Dulce chorando.
Dulce precisando de ajuda, sem ninguém ao seu lado.

- Ainda está na Terra, Uckermann? – Uma risada alta chama minha atenção, e olho para a cara irritada do treinador.

Na minha frente, Poncho faz um gesto de pressa. Hora de terminar de enrolar a mão com o esparadrapo e ir.

- Sim, senhor.

Nós corremos pelo túnel curto e entramos no campo. Eu bato um punho coberto de esparadrapo contra o outro. Alfonso se junta a mim.

- Vamos matar esses filhos da puta.

- Vamos!

Estamos totalmente de acordo. Não podemos descontar nosso instinto agressivo um no outro, mas e no jogo e numa briga depois? Talvez nós dois possamos chegar a um estado
em que consigamos sobreviver.

Se eu bater muito, pode ser que esqueça Dulce por mais de
cinco segundos. Walter bate no meu capacete.

- Mandou bem, Uckermann. – Ele comemora quando Poncho volta para o campo. – Vai deixar o ataque jogar, Alfonso?

- Pra quê? Nós podemos fazer tudo hoje. Além do mais, ouvi dizer que você distendeu a virilha com aquela líder de torcida.

Walter sorri.

- Ela é uma ginasta, não uma líder de torcida. Mas sim, se você quiser marcar mais algumas vezes, por mim tudo bem.

Por cima do ombro vejo Liam Hunter nos dando um olhar de morte. 
A maneira como ele está olhando para mim agora, me faz querer dar um soco em sua mandíbula.

Droga. Preciso de uma luta.

Eu encaro-o após uma jogada, mas Poncho me arrasta.

—Guarde isso para depois, — adverte.

No intervalo, estamos quase ganhando. Todos deveriam estar de bom humor. O treinador nem sequer nos dá um discurso motivacional. Ele anda por aí, oferece alguns tapinhas na cabeça, e depois se esconde em seu escritório para mexer com sua fantasia, fumar, ou se masturbar.

Quando os caras começam a tagarelar sobre a festa pós-jogo, puxo meu telefone.

Luta esta noite?

Mando a mensagem. Olho para Poncho e gesticulo com a boca

- Está dentro?

Ele balança a cabeça enfaticamente. Eu lanço o telefone entre as minhas mãos e espero por uma resposta.

Estou.

O treinador sai de seu escritório e sinaliza que o intervalo acabou.

Após o ataque pontuar novamente, o jogo termina e percebo que nós ganhamos.

De volta ao vestiário, eu tiro minha roupa e sento a minha bunda sobre uma toalha na frente do meu armário. Sem a ação do jogo para me distrair, tudo o que posso fazer é estar obcecado por Dulce novamente. Tento empurrar o pensamento sobre ela de lado, mas, eventualmente, imagens dela sorrateiramente piscam na frente dos meus olhos como um trailer de filme.

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