Me desvencilho dos braços do garoto enquanto tento normalizar meu equilíbrio sobre os patins, solto um suspiro de desapontamento. É incrível como nada na vida pode ser perfeito, é incrível como os momentos mais apreciados são interrompidos por coisas insignificantes, principalmente por garotos idiotas parados na calçada.— Achei que você tivesse parado de andar de patins, depois daquele seu pequeno acidente — Eric diz, com um ar zombeteiro.
Suas provocações e sua voz era a última coisa que eu gostaria de escutar hoje, e pelos restantes dos outros dias. Mas agora isso não será mais um problema, porque daqui a alguns dias estarei longe de tudo isso.
— Você não acha nada. Não fale como se soubesse o que eu faço, ou deixo de fazer — digo, e desejo a todo custo sair dali.
— Bom, de qualquer forma, é estranho ver você...Como você diz? Ah, sim!... "Se deleitar pelas maravilhas do mundo afora''. Sem ser em sua zona de defesa.
Encaro Eric já sem paciência, eu só quero continuar meu passeio tranquilamente e usufruir do resquício de felicidade que ainda me resta.
Eric Bennett é o tipo de garoto que — para minha total insatisfação —, consegue encantar a todos com seu sorriso presunçoso e aparência inocente. Mas o que muitos não sabem é que ele consegue ser a pessoa mais insuportável quando quer, e ele é assim comigo em uma média de cem porcento.
Desde o jardim de infância ele vem preenchendo minha vida de dores de cabeça e situações embaraçosas, como na terceira série, quando o mesmo colocou uma aranha em minha lancheira e espalhou para todos da turma que eu comia insetos, aquele foi o estopim para meu ódio por ele ser declarado.
Eu achei que quando finalmente deixássemos a infantilidade de lado, tudo se seguiria pacificamente, mas o garoto fez questão de continuar me atormentando até hoje, mesmo que seja só com suas provocações.
Eu seria uma tremenda mentirosa se dissesse que Eric não é um cara atraente, seus olhos azuis tão claros quanto o céu, seu cabelo preto e mediano, fazia-o parecer como os típicos príncipes encantados com os quais estamos acostumados a ver em filmes e livros. Isso contribuía para sua popularidade.
— Saia de minha frente, se não percebeu, eu preciso ir — digo e faço menção de sair, desviando de Eric.
Ele dá um passo para o lado, impedindo minha passagem.
— Acordou com o pé esquerdo hoje, Melie? — pergunta ele, cruzando os braços e esboçando um sorriso cínico.
Eu odiava o fato de ele agir como se fossemos velhos amigos.
— Não é da sua conta.
— Olha, se quiser conversar, saiba que pode contar comigo. — Eric segura meu ombro com a mão direita, como se me consolasse, e sei muito bem que ele está zombando de minha cara.
— Você seria a última pessoa que eu conversaria, sobre qualquer tipo de problema. — Tiro sua mão de meu ombro.
— Não diga isso para seu único amigo — ele diz, e dou uma risada mínima, sem humor.
— Não seja idiota.
— Não seja tão antipática.
— Por impossível que pareça, eu estou feliz hoje, e não vai ser você a estragar isso — digo, e Eric me olha com o cenho franzido.
— Por que você está feliz?
— Porque nunca mais precisarei olhar para essa sua cara — digo.
Sorrio cinicamente para o mesmo e finalmente consigo me desviar dele sem interrupções.
Saio dali deslizando pela calçada de forma rápida, e consigo ouvir atrás de mim a voz de Eric, um pouco abafada pelas várias vozes das pessoas ali presentes.
— O que você quer dizer com isso?!
Não fiz questão de parar ou me virar, apenas continuei meu caminho. Eu não sei se é bom ou ruim ter Eric Bennett como a única pessoa a qual você pode trocar palavras, mesmo que sejam palavras secas e afiadas. Acho que vou sentir falta dessa nossa pequena rivalidade.
Aproveito o meu final de manhã, admirando o lindo reflexo do sol no Rio Mississipi.
***
Quando chego próximo ao quarteirão de minha casa, diminuo minha velocidade e começo a andar pela calçada lentamente, encarando o chão. Já são uma hora da tarde, o que significa que perdi o almoço, pego meu celular do bolso e verifico as mensagens. Há duas de minha mãe e uma da companhia telefônica, essa última eu fiz questão de apagar, já a da minha mãe dizia:
Mãe: Você já está chegado em casa?
Mãe: Já passou a hora do almoço, Amelie.
Mando uma resposta para ela.
Eu: Já estou chegando.
Guardo o celular, e minha atenção é tomada assim que escuto vozes e risos. A minha frente estava um grupo de amigas, que conversam e riam distraidamente, paro para encarar essa cena. Umas cinco garotas andam quase que coladas uma nas outras, todas falando ao mesmo tempo, cada uma diferente da outra, mas que compartilham da mesma essência.
Tentei me imaginar no meio delas, rindo de algo totalmente sem graça, ou falando das coisas que eu mais gosto, ou simplesmente gargalhando das palhaçadas das demais. Era difícil me ver ali, eu diria que elas são o tipo de um grupo fechado, um clã que não aceita clandestinos ou os desonrados, que para se juntar a elas, você teria que passar por provas de resistência e dignidade. Então, simplesmente recobrei meus pensamentos e saí dali, rindo de mim mesma.
Assim que entro em casa, vejo minha mãe retirando algumas coisas da velha estante de madeira, retiro meus patins e me jogo no sofá.
— Você perdeu o almoço — minha mãe diz, enquanto pega um velho pássaro de madeira da estante.
— Tudo bem.
— Amelie — ela se vira para me olhar —, eu espero que nessa mudança, você possa, sabe... se enturmar mais. — Ela se aproxima e senta ao meu lado.
Era difícil esconder de minha mãe minha lamentável vida social, principalmente quando se é alguém que dificilmente sai de casa, ou que dificilmente traz uma pessoa para casa, ou que passa boa parte do tempo sentada no quintal encarando o céu. Eu gosto de encarar o céu.
— Não se preocupe, mãe. Vou fazer o meu melhor — digo, e ela sorri mínimo.
— Você encontrará as pessoas certas. — Minha mãe beija minha testa e volta a desocupar boa parte da estante.
Eu torço para que tudo dê certo nessa nova etapa. Parece que durante toda minha vida, tudo andou por trilhos errados, eu andei por trilhos errados, tenho a sensação de que eu poderia ter sido mais eu. Sabe aquela sensação de que algo lhe prende? No meu caso, sou eu mesma que estou me prendendo.
Quando tomamos escolhas em nossas vidas, devemos pensar e repensar, pois cada passo e segundo pode determinar seu futuro, mas como qualquer ser humano, nem sempre avaliamos tudo. Eu passei boa parte decidindo não me importar com nada, sempre ignorar, mas devido a psique humana, eu não pude fugir de tudo, estamos sujeitos a todas as emoções. E agora eu sinto desapontamento por não ter feito diferente.
Eu me interesso por bastante coisas, e quero compartilhar isso e meus pensamentos, quero conversar com alguém e rir com alguém. Quero ter a sensação de sair com pessoas que gostam de minha companhia, de poder me abrir e também ouvir.
Vou tentar ser uma nova Amelie.
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Uma confusa ironia do destino
Teen FictionAssim que recebe a notícia de que se mudará para Nova York com a família, Amelie finalmente viu uma oportunidade de se livrar de sua antiga vida em Nova Orleans, longe de pessoas indesejadas e amigos inexistentes. Mas a alegria da garota acaba assim...