Capítulo 1

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É comum nos finais de semana as pessoas quererem se divertir, sair com os amigos, ou fazer qualquer outra programação, já eu, estou agora olhando para o teto do meu quarto, deitada em minha cama, ainda de pijama, às dez horas da manhã, minha rotina de domingo: absolutamente nada.

    Parei de contar os suspiros que soltava a cada vez que o tempo passava e o tédio tomava conta, parei no doze, aquilo só estava me deixando mais angustiada. Faltam exatamente duas semanas para o segundo semestre de aulas começar, o que não ajuda muito em minha animação.

    Levanto de minha cama em um pulo, me obrigando a seguir minha rotina matinal, sigo para o banheiro, tropeçando, vez ou outra, nos brinquedos espalhados pelo corredor.

***

Ainda com meu pijama, chego na cozinha e encontro meus pais em pé perto do cooktop, eles estavam conversando baixo, mas param assim que notam minha presença. Eles me encaram e eu lanço  um olhar confuso para eles.

    — Amelie, nós temos que conversar. Vamos para a sala — meu pai diz.
A última vez que ouvi ele falar com esse tom de voz, foi quando ele viu minhas notas de quando eu estava na sétima série.

   Mesmo confusa, sigo eles até a sala, minha mãe senta no sofá  ao lado de meu pai e eu na poltrona de couro preto que fica ao lado da estante.

    — Oliver! — minha mãe grita pelo meu irmão.

    Logo, a criança de sete anos chega correndo da porta dos fundos. Oliver é meu único irmão e agradeço por isso, pois só ele já me dá mais dor de cabeça por dois.

    — Sim, mamãe — ele diz, parando ao lado do braço do sofá.

    Ele usa um capacete de construtor e seu rosto está quase que totalmente coberto por areia.

    — Temos uma notícia para dar a vocês — ela diz, tentando retirar um pouco da areia do rosto de Oliver.

    Eu não sou o tipo de pessoa que gosta de notícias, ainda mais vinda dos meus pais, não consigo distinguir suas expressões, é um misto de tudo, então não posso garantir nada do que vem por aí.

    — Eu fui promovido — começa papai a dizer. — Eu agora serei gerente de uma das filiais da empresa de cosméticos para qual trabalho. — Ele nos olha em expectativa.
    — Isso é incrível pai — digo, sorrindo e me inclinando para frente. — Mas por que o senhor parece tão apreensivo?

    Meu pai respira fundo e encara minha mãe, essa que lhe lança um sorriso fechado como um encorajamento, por um momento sou quem fica apreensiva pelo o que deve ser a notícia.

    — Teremos que nos mudar para Nova York — meu pai diz e solta o ar, como se dizer aquilo fosse uma tarefa árdua.

    Fico paralisada com os olhos arregalados, um misto de sentimentos invadindo meu peito. Subitamente me sinto contente, e meu domingo parece se tornar especial.

    — Isso também é incrível! — exclamo, levantando da poltrona com um sorriso largo no rosto. Meus pais me olham com os cenhos franzidos.

    — Nós vamos nos mudar? — Oliver pergunta.

    — Sim, querido — minha mãe diz e Oliver senta entre ela e papai.

    — A nova casa vai ter um quintal grande, igual o daqui? — ele pergunta.

    — Vai sim, quem sabe até muito maior — meu pai diz, sorrindo.

    — Então, por mim tudo bem — Oliver diz, sorrindo aberto.

    Meus pais me encaram

    — Por mim também — digo, e me surpreendo por finalmente me sentir feliz com algo.

    — Que bom que vocês gostaram da notícia — diz mamãe.

    — E quando vamos? — pergunto.

    — Na sexta. De manhã.

    — E a escola? — pergunta Oliver.

    — Já está tudo resolvido por aqui. Só precisaremos matricular vocês em alguma escola por lá — meu pai diz e se levanta do sofá. — Então, Amelie, é bom você  já ir se preparando, porque não queremos nada por última hora.

    — Não se preocupem, farei isso agora mesmo — digo, subindo as escadas rapidamente.

    Apesar de tudo isso ser embaraçoso, não consigo conter a animação que estou sentindo, é como se seu maior desejo fosse realizado, e vi nessa situação uma oportunidade de recomeçar, de me livrar de tudo que me faz me sentir perdida. Finalmente estarei livre das mesmices do dia-a-dia, de pessoas indesejadas.

    Só espero conseguir fazer as coisas darem certo para mim dessa vez, de poder sentir algo que realmente se torne importante e gratificante para mim, quero poder me livrar de tudo aquilo que me prende, quero poder me encontrar.

    Assim que chego em meu quarto, solto leves pulinhos em comemoração, como uma criança.

    — Yes! — digo.

    Me direciono para a janela e a abro ficando na pequena varanda, me encostando na grade de madeira.

    — Adeus, Nova Orleans! — grito, inacreditavelmente gritei. E sinto como se me tornasse livre.

    Olho para meus patins que estão jogados embaixo de minha cama. Eu os ganhei da minha tia Lacey no natal do ano retrasado, fazia um bom tempo que não os usava. Tenho uma ideia. Pego os patins de debaixo da cama, eles são verdes com preto — o que me desagradou de início quando os ganhei —, e estão um pouco desgastados.

    Saio de casa e paro na calçada com os patins em mãos, sento na calçada os colocando. Penso nisso como momentos de despedidas, antes de finalmente poder recomeçar.

***

Ando pelas ruas da cidade, a toda velocidade com meus surrados patins, em cada lugar que eu conheço, como se eu tivesse a necessidade de me despedir da cidade onde nasci e passei grande parte de minha infância, mas que na verdade é o lugar o qual eu sempre almejei sair, não por causa da cidade em si, mas sim pelas pessoas que aqui estão e pelos sentimentos e momentos que criei aqui e que eu quero me livrar.

    A sensação do novo é algo sensacional, pelo menos nesse momento, não há nada que me prende aqui então isso facilita as coisas, mas por um momento penso se, mesmo me mudando, será que conseguirei fazer diferente? Será que as coisas irão mesmo mudar? Será que conseguirei fazer com que mudem? Ou tudo continuará sendo do mesmo jeito, independente de onde eu esteja?

    Eu agora, estou andando pelo French Quarter, as ruas estão movimentas, então ando devagar com meus patins, olho para os prédios e casas ali, com suas arquiteturas francesas, alguns turistas e casais tirando foto.

    Viro meu rosto para cumprimentar uma senhora na calçada, e assim que retomo minha atenção para minha frente, me assusto quando vejo que estava prestes a esbarrar em alguém, que levantou o olhar, me assusto mais ainda ao reconhecer a pessoa. Freio bruscamente, mas isso não impediu um pequeno impacto, a pessoa segura meus braços e dá alguns passos para trás, impedindo que caiamos.

    — Amelie?

    Eu levanto o olhar, encontrando os olhos confusos de...

    — Eric — murmuro com desdém.

    Preferiria ter esborrachado com a cara no chão.

Uma confusa ironia do destinoOnde histórias criam vida. Descubra agora