¹⁸; vinhos e frutas

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O senhor Choi havia me colocado no almoxarifado do museu, e eu pensei que morreria com todas as vias aéreas entupidas de poeira. Havia tantos documentos! Caixas e mais caixas amontoadas numa sala ampla com vibe de biblioteca do universo de Harry Potter. Chegava a ser um pouquinho assustador.
Mesmo assim, cumpria minha tarefa: Resgatar cuidadosamente as cópias dos documentos de todas as obras já expostas nos últimos cinco anos. Merda, eu levaria dias até concluir sozinha - já que Rose executava outra tarefa - e não podia me ajudar.
Mas a parte boa era poder fazer tudo ao som de música.
Um dos pen drives em formato de barrinha de chocolate, que eu tinha pegado do carro de Taehyung, tocava no pequeno aparelho de mídia, também empoeirado, que ficava sobre uma mesa espaçosa.
Quando uma música brasileira começou a tocar, eu sorri. Não conhecia a música, mesmo assim aquilo mexeu comigo e só pude imaginar o que vinha a sua mente quando escutava aquela canção?
Pensar nele profundamente tornara-se rotina.
Depois da nossa rápida viagem a casa dos pais e as confissões de uma paixão do passado, os pensamentos surgiram mais frequentemente. Agora questionando o momento da vida alheia que não me dizia respeito.
Aonde estava aquela mulher?
Será que ele ainda pensava nela?
E ela, também pensava nele?
- Porra, claro que sim, Eva - murmurei sozinha, enciumada.
Como se fosse possível esquecer alguém como ele. Uma presença marcante, olhos tão profundos e se ela tivesse tocado ele tão intimamente e descoberto o potencial para o amor que ele tinha...
Por Deus! Minhas bochechas queimaram de ciúmes e até minha cabeça coçou. Não era da minha pessoa ser ciumenta, ainda mais quando fora esclarecido que a outra não fazia mais parte da vida de Taehyung de forma nenhuma.
Soltei uma caixa com força e a mesma soltou uma fumaça de pó na minha cara. Afastei com as mãos, inevitavelmente espirrando e tossindo.
- Porcaria! - reclamei junto a voz marcante da cantora.
Ciúmes do Taehyung... Era minha primeira vez. Talvez se não tivesse sabido da outra namoradinha, o diabinho no meu ombro direito não estaria sussurrando barbaridades no meu ouvido.
Pra quê isso, Eva? Perguntei para meu eu interior. Já sabia que Tae estava sempre rodeado por mulheres, tanto no trabalho quanto mundo afora, mas saber que outra tinha lhe tocado e feito o que fez... Argh! Entretanto, não era a única razão para o meu ódio gratuito. A fulana tinha usado ele, partido seu coração.
Muitos pensamentos fora de ordem. O melhor seria não pensar mais sobre. Mudei a música deixando um pop chiclete tocar, comecei a cantar focada em não dar ouvidos ao diabinho.
No final do expediente encontrei Rose para um café no lugar de sempre. O terraço alto com vista para a cidade acalmava a alma junto ao meu caderno de desenhos aberto sobre a mesinha do lado do copo de frapê.
Rabiscando a folha eu escutava minha amiga falar sobre como o Marcus precisava de folga.
- Eu acho que o Marcus é basicamente viciado no trabalho, Rose. Se ele se afastar, morre por dentro - comentei.
- Mas amiga, o que custa tirar um fim de semana? - choramingou com o biquinho.
- Awn, como é que ele resiste com essa sua carinha, meu Deus - pincei a bochecha dela.
- Aish! - desviou do meu toque - Pra que um marido se ele não quer ficar comigo?
- Você é dramática, mas acho que entendo. 'Tá carente?
- Sim. E preocupada também. Marcus deveria descansar um pouco, agora parece que só o restaurante existe. Nas últimas semanas a gente nem se encontrou mais. Ele chega e estou dormindo.
Me concentrei no rosto dela que estava meio de perfil para mim, rascunhando os traços do rosto gordinho. A iluminação não estava muito ao meu favor, mesmo assim a desenhei.
- Precisa conversar com ele, amiga - aconselhei.
- Como se ele não larga aquelas panelas?!
- Oh, meu Deus! - gargalhei - As panelas não tem culpa. Eu sei porque está estressada assim. Faz tempo que ele não... comparece?
- Parece minhas tias falando desse jeito, Eva - garfou um pedaço de bolo levando a boca, mastigando preguiçosamente - É isso também. Quem diria que o jogo mudaria, uh? Eu costumava contar todas as minhas aventuras sexuais enquanto você era solteirona.
- Ouch! - a encarei - Isso foi pesado.
Ela deu de ombros sem sinal de culpa.
- Será que estou naquele momento do casamento? Não é a primeira vez que algo do tipo acontece com Marcus e eu.
- Vocês casaram jovens, talvez seja parte da consequência lidar com algumas etapas da vida a dois.
Rose suspirou, olhando o horizonte.
- Pois é... Parece tão fácil no começo - ela falava e eu terminava meu rabisco improvisado - Mas não tem outra saída senão o diálogo. Vou encurralar aquele safado, ele não vai escapar.
- É isso aí.
- 'Tá fazendo o quê? - esticou o pescoço para ver.
- Nada demais - ergui a folha mostrando a ela - Você é muito linda, sabia?
Um biquinho formou-se em seu lábio inferior.
- Ya, não diga essas coisas do nada. Não sei o que responder.
- Linda e adorável.
Rosalie revirou os olhos, colocando uma mecha de cabelo curto e platinado atrás da orelha.
- Para! E me dá esse desenho aqui. Ficou perfeito, você é incrível, Eva.
- Que isso, não foi nada. Toma, pode levar - destaquei a folha, dobrando com cuidado.
- Obrigada, amiga.
- Disponha. Gostou mesmo?
- Uhum. Gosto de tudo o que você produz.
Dei um meio sorriso, contente.
- Sabe, o Taehyung me pediu para pintar ele.
- Uh, mas já tem aquele quadro enorme que pintou dele seminu, não é?
- É. Te contei que ele já viu?
- Por cima, como sempre.
- Agh, pois então, então ele viu e gostou - segurei a pingente no meu pescoço enquanto falava - E agora quer posar para mim.
Os olhos de minha amiga arregalaram-se.
- Tipo aquela cena de Titanic? - indagou.
Assenti rindo.
- Ele será minha Rose e eu o Jack.
- Caramba, eu vou querer ver isso! Vai ser nu artístico?
- Eu por acaso disse algo sobre ser sem roupa, Rosalie? - ergui uma sobrancelha e ela ficou sem graça - Não sei ainda, para ser honesta. O Taehyung é tão... Taehyung! Nunca posso adivinhar o que ele vai me pedir ou dizer.
- Vocês parecem estar muito bem.
- Estamos sim. Por enquanto? - cocei a nuca - Ele é tranquilo. A gente não discute, na verdade só quando ele insiste muito para assistir filmes vintage. Nunca vi alguém assistir tantos. Pelo menos sei de onde sai às inspirações para o jeito que se veste, enfim.
- Estão no que os casais chamam de lua de mel. Geralmente no início, nesses primeiros meses quando tudo acontece perfeitamente e vocês não brigam, só fazem amor e carinho.
- É estranho...
- O quê?
- Não sinto como se ele fosse meu namorado.
Rose uniu as sobrancelhas.
- Como assim, Eva.
- Ah, eu acho que é um sentimento novo isso. Mas é quase como se ele fosse um sonho meu em intervalos de tempo. Toda vez que ele vem me ver eu estou sonhando e quando ele 'tá longe, sei lá, parece mais irreal ainda.
- Deve ser porque Taehyung é mundialmente famoso, amiga. Já disse isso a ele?
- Não. Esse é o tipo de coisas que eu conto somente para minha única amiga. E sim, eu acredito nisso. De qualquer forma ele é mais do mundo do que meu.
Encarando-me, Rose franziu os lábios.
- Tae está trabalhando agora?
- Sim. Ele teve de fazer uma viagem para gravações. Quando voltar, vamos ver se vai dar para nos encontrarmos.
- Vai dar tudo certo. Vocês vão se encontrar e trepar muito. Mas amiga, você já está melhor com o lance da ex dele? Quero dizer, não existe lance, só quero saber se você tá tranquila.
Fechei meu caderno, guardando meus pertences.
- Agora sim. Nossa, esse frapê limpou minha mente.
- Ah, fico tranquila. Eu disse que era normal. Esse ciuminho apesar de ridículo, acontece.
- Pois é. Hm, tenho que ligar para o meu pai.
- Wow! Isso sim me deixou surpresa. Por que isso agora?
- Rose, é ele que age como se eu não existisse. É que o Taehyung quer conhecê-lo.
- Falou pra ele que o Sr. Santana é quase o próprio Gasparzinho?
- Vou ver o que eu faço. Podemos ir? Peguei tantas caixas hoje. Minhas costas estão quebradas.
- Certo. Claro, vamos. Também estou cansada. Obrigada pelo café, amiga.
- Por nada - estiquei os lábios.
Chegando em casa tomei um bom e longo banho quente. Me joguei na cama com um saco de batatinhas chips, ligando a TV.
Meu celular não tocou como desejei, nenhuma mensagem do ursinho. Eu quase fazia o celular pegar fogo com a força que deseja qualquer sinal de vida dele. Mas nada veio.
Era tarde quando peguei meu celular, selecionando o nome do meu pai na agenda. Através do aplicativo, decidi mandar uma mensagem de voz.
Talvez ele visse quando desse.
- Oi, pai - comecei em português - Faz tempo, eu sei. Uh... Eu estou bem, então não precisa se preocupar, esta não é uma mensagem de socorro ou algo do tipo. Espero que esteja bem... Er... sua mulher também. Uh, espero que estejam bem e felizes. Er... eu conheci alguém. É... um cara legal e estou bem feliz. Ele mora aqui na cidade, é um nativo. Um pouquinho tradicional, chama-se Taehyung. Hm, ele queria que o senhor soubesse. Sei que você é muito ocupado, por isso decidi mandar a mensagem. De alguma forma, agora sabe. Sinto sua falta, pai.
Assim que terminei senti um arrependimento repentino, mas deixei o áudio ser entregue.
Eu não tinha nenhum rancor do meu pai, mas havia uma pequena mágoa pelo abandono. Mesmo não intencional, ele tinha me deixado sozinha, nós falávamos no natal, a data em que ele tinha tempo. Parecia que para mim nunca existia outro momento. Sem espaço para mulher crescida e independente que eu tinha me tornado.
Talvez ele não soubesse que no fundo eu ainda era apenas uma garotinha.

O Vê Em Vênus | kim taehyungOnde histórias criam vida. Descubra agora