CAPÍTULO 9: ESCLARECIMENTO

22 2 0
                                    

8 de Janeiro de 2021 - 15:51

Pela primeira vez eu gastei a grana do meu avô, e foi em uma doação anônima à família de Jorge. Provavelmente eu me beneficiaria muito disso se revelasse a mídia ou até mesmo para algumas outras pessoas, mas eu não me importava com isso, eu só queria de alguma forma compensar a morte do pai daquela família por minha culpa. Minha consciência continuava pesada, mas eu fiz o que estava ao meu alcance.

Eu me senti um idiota em ter que viajar quase novecentos quilômetros para ter uma conversa, mas era como se aquele convite tivesse vindo numa hora perfeita, eu não queria me envolver com o Condutor e eu iria ter que investigar as coisas de meu avô de qualquer maneira indo até o sítio em busca de informações em suas coisas que eu nunca mexi por não querer revirar o passado.

Quebrando minha própria palavra assim que Nalanda e Camila foram embora eu tomei cinco comprimidos de uma vez e dormi igual uma pedra. Assim que acordei fui à delegacia de manhã para prestar depoimento sobre a morte de Jorge, mas não consegui pois estava extremamente cheia, jurei a mim mesmo que viria no dia seguinte e enquanto eu voltava para casa aquelas lembranças ruins sobre Seis voltavam, ao chegar tomei mais seis medicamentos.

Seis, de novo esse maldito número martelava em minha mente, eu tentava me esquecer disso, mas nesse momento era inevitável. Esse número me perseguiu por toda a minha vida e não sei se isso é fruto de meus pensamentos de viciado em medicamentos, mas eu comecei a me lembrar de quantas vezes eu fui o sexto a fazer algo, de que sempre às seis da manhã e da tarde eu me sentia vazio e incompleto, eu nasci no dia seis do sexto mês do ano, fui adotado com seis anos.

Para um Victor são das ideias, isso não passaria de uma desgraçada coincidência, mas para um Victor dopado era motivo de desespero. Era quase que uma ligação sobrenatural. E se Seis for alguém que conhece isso e é próximo a mim? Mesmo que eu nunca tenha contado isso pra ninguém a possibilidade me permeia cruelmente, as ideias parecem me consumir até mesmo chapado, eu tomo um sétimo comprimido e um porre vem com um soco no meu estômago.

A noite chega após eu vomitar por duas horas seguidas e eu decido comprar a passagem de avião para voltar a Poente do Sul. Eu realmente queria conseguir usar a grana do meu avô para coisas que fossem relacionadas a ele, mas eu simplesmente não conseguia, toda vez que eu pensava nisso eu via novamente a imagem dele esfaqueado e sentado no banco do Opala, acontecia a mesma coisa com Jorge agora, todas as vezes que eu pensasse em desistir de tudo e ficar dopado pra sempre eu lembrava de sua cabeça com um buraco de bala posta numa poça de sangue, eu precisava encontrar Seis.

Abri minha conta do banco no celular conferindo se eu ainda tinha dinheiro, o meu dinheiro, pra poder comprar a passagem de avião. O dinheiro era suficiente para ida e volta e ainda alugar um carro em Goiânia, eu comprei a passagem para a noite do dia seguinte e antes disso eu prometi parar de fugir de mim mesmo usando aquelas merdas de comprimidos. Até lá eu iria investigar outra coisa que não fazia sentido nesse quebra-cabeça, as desgraças que aconteceram na vida de vô Antônio, com as mortes de seu irmão, a esposa de seu irmão, seu enteado, seu neto legítimo e o desaparecimento de sua filha.

Estaria isso ligado aos Evoluídos? Uma espécie de pessimismo pareceu me consumir e eu quase hesito em fazer a investigação, mas tudo que eu preciso fazer vem à tona e eu afastei a ideia de desistir.

Olho meu relógio pela primeira vez em eras e marcam 18:03, seis e três, novamente essa perseguição maldita, número maldito. Eu vou em direção ao banheiro, tomo um banho, escovo os dentes e coloco meu kit confortável: calça moletom, blusa cavada e andando descalço aproveitando que o apartamento está limpo.

Eu pedi um hambúrguer, fritas e um refrigerante pelo celular, faz muito tempo que não como nada então comprei um pacote completo. Provavelmente se eu continuasse pedindo comida assim não ia ter dinheiro pra mais nada, mas eu precisava estar de estômago cheio para clarear os fatos em minha mente.

Enquanto o lanche não chegava eu vou na direção do meu painel preto onde havia colocado a tabela com os crimes de Seis, os arrastando para o lado e colocando as seguintes anotações que fiz sobre os crimes cometidos contra a família Vicent.

29 DE NOVEMBRO DE 1998

O primeiro incidente nomeado pela mídia como: "Milagre de Daniel", ocorreu. Os pais de Daniel, Júlio Vicentino e Luiza Fernandes Vicent estavam viajando de férias e seu avô Antônio Vicent estava em uma reunião de negócios, quem cuidava do pequeno Daniel de apenas dois anos eram seus tios avós: Marcelo Vicent (irmão de Antônio Vicent) e Magnólia Vicent. Durante a tarde, pessoas desconhecidas até os dias de hoje invadiram a casa revirando-a por completo, assassinaram Marcelo e Magnólia e foram embora, não levando nada de precioso, nem nenhum tipo de bem material. O estranho do caso foi que o pequeno Daniel foi encontrado dormindo dentro de uma caixa na despensa pela polícia horas após o ocorrido. Ele estava ileso e acordou apenas quando foi encontrado.

06 DE JANEIRO DE 1999

Luiza Fernandes Vicent deixou o filho com seu marido e desapareceu misteriosamente. Júlio Vicentino estava com seu filho em Aurora até o repentino dia em que faleceu sozinho em um acidente de carro numa avenida na saída da cidade, nesse dia Daniel foi dado como desaparecido. Algumas suspeitas dizem que ele foi capturado pela mãe, mas nada foi dado como certo mesmo após vinte e um anos, o incidente foi nomeado como "Dia do Acerto".

Eu já havia cogitado a possibilidade de eu ser Daniel Vicent, quando era mais novo eu fiquei curioso sobre isso, fui investigar e descobri que as datas não batiam, mesmo que eu tenha nascido no mesmo dia que ele. Eu falei uma vez com uma das funcionárias do orfanato, a dona Maria de Lurdes e ela me disse que eu havia sido deixado lá no dia 27 de Novembro de 1998, ou seja, mais de um mês antes de Daniel desaparecer, além de não fazer sentido algum uma família rica como a de vô Antônio colocar uma criança pra adoção e adotá-la após alguns anos.

Se eu não soubesse dos Evoluídos provavelmente chutaria a resposta mais cética possível, mas sabendo deles, lembrando de como meu avô falava em Evoluídos o tempo todo e também se recusava a falar desse caso eu com certeza precisaria me afundar nisso.

Eu colei as duas notas de papel no painel junto as fotos de Luiza Fernandes Vicent e Júlio Vicentino, ela é uma mulher de pele morena clara, cabelo liso e preto na altura dos ombros e olhos castanhos, já ele é um homem loiro com nariz grande, olhos verdes e sardas no rosto todo.

Fico encarando as fotos por alguns segundos tentando simular a dor de vô Antônio, e realmente, perder tudo que ele perdeu e continuar de pé deve ter sido uma tarefa difícil.

Eu sinto meu celular vibrar, pego-o, olho e vejo que minha comida chegou.

Sigo na direção da porta, abro-a, saio e a fecho. Desço à portaria e vejo que é o outro porteiro que está trabalhando agora, um magricela, bigodudo todo estirado na cadeira com o celular em mãos, ele parecia tão preguiçoso quanto o outro, mas pelo menos me desejou boa noite quando passei, eu retribui ao passar por ele, destranquei a porta e saí.

O clima estava quente, como grande parte das noites em Aurora, eu podia sentir o vapor do asfalto queimar meu rosto de leve. Vou na direção do entregador e como meu lanche estava pago eu só o peguei e voltei na direção da portaria.

Ao me virar, notei algo estranho, enquanto eu me aproximava vi pela porta de vidro que o porteiro estava de cabeça baixa, assim que abri a porta, entrei e passei por ele vi que ele estava dormindo. Que inveja desse cara, pegou no sono rápido, era tudo que eu queria pra mim.

Eu subi o jogo de escadas e entrei em meu apartamento, fechei e tranquei a porta. Como a entrada do meu apartamento dava na minha sala que estava incrivelmente escura, eu fui na direção da cozinha pra poder pegar um prato pra não sujar meu apartamento enquanto eu comia. Passei direto pela sala e fui na direção do armário embaixo da pia, próximo ao balcão. Assim que peguei o prato coloquei-o em cima do balcão e comecei a desempacotar o lanche, por estar escuro eu estiquei a mão esquerda na direção do interruptor e acendi a luz.

A minha visão não foi apenas da sala à minha frente.

Havia um homem de meia idade sentado em meu sofá, eu fiquei em choque e não me mexi.

O sofá estava de lado e ele sentado nele encarava minha mesa cheia de remédios.

- Olá Victor Vicent - Diz ele com uma voz muito grave e agora olhando em minha direção - Eu sou o Condutor.

A Sexta PeçaOnde histórias criam vida. Descubra agora