CAPÍTULO 10: SURPRESA

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- Estou passando por momentos difíceis se é que me permite dizer - Fala ele se levantando e vindo na direção do balcão - Espero que não se importe em apenas conversar.

Ele olha na minha direção como se lesse meus pensamentos, eu queria puxar o celular e ligar para a polícia, mas quando ele percebe que farei isso diz:

- Eu não queria apelar para métodos tão arcaicos, mas se insiste.

Ele usa um sobretudo preto, bem grosso, seu rosto visto mais de perto possui marcas de expressão de alguém que viu muita coisa, ele tem cerca de cinquenta anos com certeza, pele clara meio queimada sol, cabelo e barba brancos e bem feitos. Ele coloca a mão dentro do sobretudo e me mostra o cabo de uma pistola, provavelmente idêntica a que Nalanda me emprestara anteriormente.

- O que você quer? - Eu continuo estático, agora com ambas as mãos em cima do balcão encarando-o no fundo dos olhos.

- Conversar - Ele guarda a pistola e coloca ambas as mãos na base da coluna - Você tem noção do que Seis é?

- Suas assistentes me disseram que você o conheceu, diga-me você - Eu estava tentando não parecer um covarde sendo grosso gratuitamente.

- Eu sei quem você é de verdade - Ele começa a caminhar com a mesma pose - Mas já entendi tudo.

- Entendeu o que? Eu não disse nada.

Ele deixa um cartão no balcão dizendo:

- Quando você entender - Ele segue na direção da porta - Diga a Daniel para vir atrás de mim utilizando esse contato.

- O que isso tem haver comigo? - Digo em tom mais agressivo - Por qual razão você não pede pra alguém mais capaz fazer isso? Mesmo que seja impossível já que Daniel está desaparecido há mais de vinte anos.

Eu encaro minhas mãos firmemente, elas transpiram como se fossem rios turbulentos, quase escorregam pela superfície gelada do balcão. O Condutor caminha lentamente até a porta, o som de seus sapatos ecoam pelo meu apartamento e num relance de segundos ele se vira e arremessa uma faca em minha direção eu tento me abaixar, mas sinto que foi tarde demais. O ar começa a fugir de meus pulmões, eu olho pra baixo e vejo a faca que ele arremessou cravada em meu pescoço, uma dor indescritível começa a palpitar na região esquerda do meu pescoço, eu coloco as mãos em cima numa tentativa inconsciente de conter o sangramento, mas gradativamente eu vou caindo na direção do chão e tudo fica preto, até eu voltar a estar de pé de novo, encarando minhas mãos no balcão.

Era o mesmo que tinha acontecido no carro com Fred e também quando desci na casa de Jorge, eu encaro minhas mãos ainda mais freneticamente, mantendo meus olhos inquietos, como se algo estivesse errado, assim que olho na direção do Condutor ele faz o mesmo movimento que vi anteriormente e arremessa a faca, mas agora eu sei o que fazer eu desvio enquanto ele joga, a faca voou, caiu atrás de mim na cozinha e o Condutor disse:

- Ninguém é mais capaz para tal tarefa que você Victor Vicent.

Ele sai deixando a porta aberta, eu ouço o som de seus sapatos se afastando pelo corredor e corro na direção da porta e a fechei rapidamente com as mãos trêmulas.

Os questionamentos logo surgem em minha mente:

Como assim: Diga a Daniel para vir atrás de mim? Será que ele sabia que eu estaria ciente do que ele iria fazer? Ou foi ele que causou isso em mim?

Não, não fazia sentido ele causar isso em mim, eu já havia tido essa sensação antes sem ele estar por perto.

A coisa que o Condutor mais conhecia era o submundo de Aurora e essa casta da cidade era banhada em Evoluídos, o Condutor deve os conhecer muito bem, ou devo dizer nos conhecer muito bem?

Eu comecei a ter a dúvida de eu ser um Evoluído, fazia sentido, pois eu não sabia quem eram meus pais biológicos e nem nunca fiz questão, meu avô sempre dizia citações sobre Evoluídos, estariam todas elas ligadas a mim? E agora o Condutor me aparece dizendo que sou apto a algo, as peças começam a se encaixar e começo a cogitar que essas paranoias do futuro, em que vejo coisas antes dela de fato ocorrerem na verdade fazem parte de uma habilidade.

Eu encaro e guardo o cartão que o Condutor me deu, logo após abro a porta e olho o corredor, não havia nada, desci na direção da portaria e vi na tramoia que também não havia ninguém e o porteiro continuava a dormir.

Eu voltei pro meu apartamento, fechei e tranquei a porta. Durante o meu caminho encarei a mesa com os comprimidos, quase cedi à eles, mas consecutivamente vi em minhas memórias as imagens de vô Antônio e Subtenente Jorge mortos, não importava o quão impactante as coisas fosse eu não podia parar de investigar Seis, nada iria me parar.

Coloco meu sanduíche num prato, pego um copo, encho-o com refrigerante e sigo na direção do sofá, acendo a luz no meio do caminho, me sento colocando a comida na mesa de centro e a primeira surpresa vem.

Eu havia terminado com Luiza logo após a morte de vô Antônio, não foi coincidência um fato seguir o outro, eu não tinha cabeça pra lidar com nada, então resolvi desistir do nosso relacionamento, mas mesmo assim nós ainda nos "ajudávamos". Luiza era tão fissurada em transar que era impossível alguém educado como eu recusar, quando namorávamos eu até sugeri ela a ir num psiquiatra pois ela parecia ter traço de ninfomania.

Ela mandou diversos "oi" e fez várias ligações, como eu já imaginei o que era, já que ela é meio surtada, eu ignorei e responderia depois de comer. Eu podia sentir meu estômago se contorcer de fome, nesse estado eu não conseguiria resolver nada.

Quando vou dar a primeira mordida ouço o interfone tocar. Eu nunca quis tanto paz na minha vida. Me levanto e sigo na direção do interfone na parede rente ao balcão, peguei-o e atendi dizendo:

- Oi.

- Sou eu -Diz a familiar voz de Luiza - Abre.

- Tudo bem.

Eu uso o interfone para abrir a porta da portaria, destranco a porta do meu apartamento e me sento no sofá.

Após um tempo ouço ela bater e então grito:

- Tá aberta.

Luiza abre, ela é uma mulher alta, tem minha altura, cerca de 1,76 é bem magra, tem os cabelos cacheados caídos nos ombros e a pele um pouco mais escura que a minha. Ela se aproxima sem dizer nada enquanto isso eu vejo em seus olhos cor de mel uma expressão de euforia.

- O que foi? - Dou uma mordida no sanduíche e continuo dizendo de boca cheia - Você está bem?

- Victor - Eu vou com a mão na direção do copo de refrigerante e ao passar os olhos por Luiza percebo que suas mãos tremem em frente ao peito, num gesto ainda mais eufórico - Eu tô grávida.

Largo o copo e cuspo a única mordida que tinha dado em meu sanduíche.

A Sexta PeçaOnde histórias criam vida. Descubra agora