- Eu sou o pai? - Digo enquanto limpo os pedaços do sanduíche que cuspi com um guardanapo. Ela coloca as mãos na cintura e me encara com sua assustadora expressão de superioridade - Foi mal pela pergunta.
- Ainda bem que você se tocou.
Ela desfaz a pose imponente e se senta ao meu lado.
- Pode nos fazer bem, uma chance para recomeçar.
Eu sinto um misto de alegria e confusão, era como se meu peito estivesse saltando no espaço. Mesmo que eu adorasse crianças e a ideia de ser pai, um filho me tiraria do foco no momento.
- Quantos meses? - Pergunto dando outra mordida no sanduíche.
- Que insensível - Ela se afasta de leve - Eu venho toda empolgada e você diz algo tão frio.
- Desculpa, Luiza, é que tem sido momentos difíceis.
- Sempre são Victor - Ela inspira e me olha - Mas eu entendo, no que você está pensando?
Eu me sentia atado, como se eu estivesse preso, ao pensar em seguir minha vida, com problemas normais a imagem de vô Antônio esfaqueado no peito vinha à minha mente e logo quando essa imagem sumia eu via Jorge baleado na cabeça.
- Eu preciso resolver algo - Digo de maneira fúnebre - Eu realmente estou afundado em uma coisa ruim agora, não dá pra parar.
Eu jurava que ela fosse me julgar e falar coisas sobre eu sempre arrumar uma desculpa pra não seguir em frente, até mesmo quando nós namorávamos ela dizia isso.
- Sem problemas - Ela coloca a mão em minha coxa - Assim que terminar isso, vem falar comigo - Um clima estranho e silencioso se estabelece - Há alguma chance de você me contar sobre o que é isso? - Ela me encara com um olhar melancólico. Eu sacudo a cabeça num gesto de negação - Imaginei.
- Não é nada com você, sabe? - Eu inspiro de leve - Eu não quero te colocar em risco, ainda mais agora com um filho nosso.
- Você sabe que a gente só não continuou por sua causa, né? - Ela me corta saindo de perto de maneira sútil.
A amarga verdade vem à minha boca.
- Eu sei - Dou um gole no refrigerante - Desculpa por te fazer passar por isso.
- Não tem problema - Ela se reaproxima e apoia sua cabeça em meu ombro - Eu compreendo você ter coisas a resolver, só de você aceitar nosso filho já me faz muito feliz.
Olho pra ela e ela sorri, e isso me conforta, eu tinha algo ainda, assim que eu acabasse com Seis eu poderia construir uma família. Mesmo que eu tenha tentado me afastar de Luiza por conta da morte de vô Antônio ela nunca me deixou e continuou ao meu lado, aquela incerteza de não saber se ela mantinha contato comigo pela ninfomania ou por gostar de mim de verdade começou a desaparecer.
- Eu vou indo, tenho um compromisso daqui a pouco - Ela se levanta, e agora reparando em sua blusa que deixa a barriga à mostra e a calça jeans elevada, posso ver a barriga dela um pouquinho maior que o normal - Se cuida.
- Se cuida - Eu quase solto um: "se cuida meu amor", mas me seguro pra não parecer emocionado.
Ela se abaixou, me deu um beijo no rosto, saiu e fechou a porta.
Condutor
Filho.
Tudo em menos de uma hora, o que mais poderia acontecer? Nada.
Passei o resto da noite lendo e relendo coisas sobre Daniel Vicent, Luiza Fernandes Vicent e Júlio Vicentino, até eu ter uma espécie de crise de ansiedade e começar a sentir um enorme peso no peito como se fosse explodir.
Os remédios pareciam me gritar nesse momento, mas não cedi, fui na direção da cozinha, liguei o rádio de vô Antônio e continuei ouvindo-o até consequentemente desmaiar de sono. Dormi durante quatro horas já que precisei acordar cedo pra ir a delegacia prestar depoimento sobre a morte de Jorge, como eu havia ligado depois do ocorrido e haver testemunhos de que eu fui ao prédio em que Seis supostamente estava não foi difícil tirar o crime das minhas costas.
A manhã se passou e durante a tarde eu fui liberado da delegacia, fui pra casa e arrumei minhas coisas para a viagem, nada demais, apenas roupas, carteira e celular. Assim que termino a mala eu deito e tento dormir mais um pouco mas tenho outra crise, meu coração parecia pulsar tão forte que podia senti-lo saindo pela boca, incertezas pairavam minha cabeça e eu não sabia o que fazer, por um instante senti que não fosse conseguir concluir meu objetivo em achar Seis, mas eu me forcei a manter a sanidade, pensei nas coisas que eu podia construir com Luiza após resolver tudo, passar por essa crise sem me dopar, sem me deixar ser vencido, eu consigo.
Eu agendo a chegada de um motorista de aplicativo e um alarme, deito-me e durmo. Eu acordo pouco antes do alarme tocar, bebo um copo d'água, pego minhas coisas, vou na direção da portaria, desejo uma boa noite ao porteiro que dessa vez responde com desdém e sigo até o carro do motorista de aplicativo para aí sim ir ao aeroporto.
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A Sexta Peça
Misteri / ThrillerUm assassinato faz com que Victor Vicent comece a investigar um misterioso assassino em série nomeado como Seis, ele acha que com isso desvendará a morte de seu ente querido e encontrará paz, mas o que ele não sabe é que os assassinatos em série est...