DEVIDO LUGAR

CAPÍTULO VII

   A noite chegou e o grupo permaneceu no bosque. Roger fez uma fogueira para ficarem aquecidos, e também trouxe junto consigo algumas frutas comestíveis para passarem a noite:

   - Não é muita coisa, mas não podemos caçar agora, então acho que isso é o suficiente para passarmos a noite - desdobrou um lenço e ofereceu as frutas que estavam neles para os garotos.

   - Eu não vou comer isso aí! - Anderson recusou.

   - Eu aceito! Estou morrendo de fome... - Wallace pegou algumas frutinhas na mão.

   - Vai passar fome a noite toda, loirinho?

   - Sim. Eu nem estou com tanta fome... Posso aguentar - disse tentando manter a postura, mas sua barriga falou mais alto que seu orgulho - Argh! droga - sussurrou.

   - É melhor aceitar logo - o garoto abriu sua mão e ofereceu para o amigo - elas são muito boas e vão acabar rapidinho.

   Anderson hesitou por alguns segundos mas foi vencido pela insistência do jovem:

   - Tá legal, me dê algumas ai... - pegou as frutinhas da mão do garoto e ao contrário dos outros, comia com delicadeza, uma por uma, evitando se sujar.

   - Ei, pirata - o menino chamou a atenção de Roger - como você começou a trabalhar com...

   - Samantha?

   O garoto balançou a cabeça e pediu para ele prosseguir, ele estava curioso sobre sua história e então o velho decidiu começar a contar desde o início:

   - Vou contar uma breve história, já que insiste, jovenzinho... - o homem se ajeitou e iniciou sua história - eu tinha uns quinze anos quando meu pai morreu e as coisas começaram a ficar difíceis. Eu estava triste por não ter ele e minha mãe não conseguia manter nós dois, até que ela me abandonou e foi morar na cidade, na tentativa de uma vida melhor. Para não morrer de fome, comecei a caçar, primeiro animais pequenos e após ganhar mais experiência, comecei a vender minhas caças para ganhar uns trocados... Eu juntei um pouco de grana para visitar minha mãe mas, desisti.

   - Por que você desistiu? - o garoto perguntou intrigado.

   - Ela me abandonou quando eu era um adolescente e outra que, até a encontrar em uma cidade relativamente grande, não seria um trabalho fácil e se ela tivesse se arrependido do que fez, voltaria para me ver, ela sabia onde me encontrar. - respirou fundo - enfim, são coisas na vida que simplesmente acontecem e não podemos controlar... O que me fez trabalhar com Samantha foi apenas porque ela me pediu para ajuda-la a encontrar alguns itens que precisava e então aceitei. Mas ela começou a me pedir mais e mais coisas e por último queria que eu, meio que, sequestrasse aquelas crianças, e, como sabem, recusei e, ela quis me matar por a "trair".

   - Que péssimo... Você é uma pessoa tão boa, não imaginava que sofreu tanto - disse Wallace desanimado.

   - Jovem... Todas as pessoas, mesmo as mais frias, já sofreram na vida. O importante é saber e sempre se lembrar das suas origens e não se perder no caminho. Você também é um garoto muito gentil e sei que já enfrentou muitas coisas nessa vida, não é!? Você tem uma igual a mim - disse apontando para a sua própria cicatriz e o garoto apenas afirmou com a cabeça.

   Anderson permaneceu calado durante a conversa toda e, apenas quebrou o silêncio para dizer que estava tarde:

   - Que história emocionante Roger! Uma pena que está tarde e o melhor seria dormimos para amanhã você nos dizer e mostrar o caminho para onde aquela mulher maluca está - o loiro não esboçou nada além de parecer irritado com algo.

   - Sim, sim. Você está certo. Há coisas mais importantes para vocês do que a minha vida - riu.

   Após um tempo, Roger caiu no sono e Ander levantou para caminhar um pouco. O garoto que não conseguia dormir, percebeu que o amigo não estava do seu lado e foi em sua procura, o encontrando sentado, refletindo. Ele decidiu sentar-se ao lado dele:

   - Também está sem sono?

   - Wallace? Era pra você estar dormindo!

   - É, eu sei... Mas eu não consigo! Eu preciso resolver esse problema logo... Então, queria te perguntar uma coisa.

   - Prossiga - continuou olhando para a frente sem dar a mínima.

   - Bem, é... - começou a ficar inquieto - por que você tem me evitado o dia inteiro?

   - Evitando você?! - ele se vira para o bruxo - eu? Ah Wallace, por favor! Você que passou o dia inteiro com aquele homem que você acabara de conhecer e quer que eu faça o que? Ando junto a vocês como se fossemos um trio de melhores amigos?

   - Você disse que ia aceitar ele no nosso grupo.

   - Eu o aceitei, não? Mas não me lembro de dizer que eu simpatizava com ele. Como você mesmo disse, ele é só uma parte do seu "planozinho", mas até agora ele não demonstrou saber nada sobre o que a gente procura.

   - Ele sabe onde a bela dama reside, então talvez seja lá que ela esconde tudo... Mas não é esse nosso assunto! Eu quero saber o real motivo do por que você está agindo assim!

   - Você quer realmente saber sobre isso?

   - Claro! Se eu não me importasse, não estaria perguntando por isso! - se exaltou um pouco.

   - Ok! Eu confesso que talvez eu esteja com ciúme! - corou - te ver com ele me faz me sentir desconfortável. Parece que você prefere ele a mim, e não devia, mas eu não consigo não me sentir assim! - ele se levanta irritado

   Wallace permanece em choque, e apenas o acompanha andar de um lado para o outro, com os olhos. Quando ele parou, abaixou a cabeça, e o garoto vai ao seu encontro. O loiro olha para ele abatido:

   - Você não merece ter alguém como eu ao seu lado - segura o rosto do jovem na sua frente - fui covarde hoje. Você poderia ter se machucado e eu não fiz nada! Apenas fiquei atrás daqueles arbustos com medo.

   - E o que isso tem haver com gostar de mim, Ander? - colocou sua mão em cima das mãos geladas que seguravam sua face - você não tem culpa de nada que ocorreu mais cedo. Eu que decidi me intrometer na briga do Roger, não guarde esse sentimento ruim em você...

   Wallace ficou na ponta dos pés e puxou pela roupa o homem para baixo, o deixando na mesma altura. Os seus olhos se encontraram e o bruxo estava ansioso por aquilo, e aos poucos ele foi se inclinando mais e mais em direção ao grandão, que também ansiava por aquilo. O doce lábio do garoto se encontrou com a boca de Anderson. Era um beijo tímido mas com ternura que foi se tornando mais intenso graças ao companheiro, que se deliciava a cada toque do amigo. O loiro segurou a nuca do garoto enquanto aumentava o entusiasmo. Com a respiração ofegante, ambos foram diminuindo o ritmo e seus lábios se desencontram. Os dois se entreolham vermelhos, e enquanto Wallace tampa o seu rosto envergonhado, Ander morde os lábios e sorri gentilmente enquanto abraça o amigo e o balança lentamente junto com ele.

   O garoto tenta dizer algo mas o som da sua voz sai abafada e nada se entende:

   - O que você disse?

   - E-eu disse que deveríamos dormir - ele se desprende do abraço apertado mas continuam próximos um do outro.

   - Mas já acabamos? - o loiro faz bico - eu queria mais...

   Wallace revira os olhos e o companheiro sorri e beija a testa do bruxo, o deixando mais vermelho ainda. Os dois caminham juntos para onde iriam descansar a noite e Ander se apoia em uma árvore, se recusando a dormir no chão frio e convida o jovem para ficar ao seu lado, que pensa um pouco e ainda que estivesse receoso, aceita. O grande tira seu casaco e coloca sobre Wallace que apoia sua cabeça no ombro do amigo e eles dois passam a noite juntos.