Capítulo XXVIII - Algo

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A taça de vinho foi jogada na direção da mulher de cabelos cacheados, que simplesmente inclinou a cabeça para o lado esquerdo, desviando do abjeto que se chocou contra a parede atrás de si. Se espatifando e virando lixo. Eleonor suspirou. Odiava ter que lidar com a sua chefe quando ela estava de mal humor. E naqueles tempos, parecia que a Morte estava sempre de mal humor.

– Duas almas. Quase três, na verdade!

Dizia a mulher de curtos cabelos negros, olhos tão escuros como a noite e pele tão clara quanto a neve, que estava sentada na cadeira de couro. Sempre que Eleonor olhava para sua chefe, se lembrava da Branca de Neve. Só que sem a cor viva dos lábios – na verdade, nem sabia se aquele ser era vivo ou só existia, assim como ela – e com toda a certeza, nada ingênua e lerda.

– Eu sinto muito minha senhora.

– Sente? Você sente muito? Sabe o que aquele miserável vai falar para mim?

– Sim, minha senhora.

– Está debochando de mim garota?

– Não senhora. Apenas disse que sabia o que o seu irmão dirá para a senhora. Ele sempre diz a mesma coisa.

– Exato! Maldito!

Dessa vez, o notebook que estava sobre a mesa foi de encontro a porta que ficava atrás da cacheada. Que deu um passo para a esquerda, evitando o impacto com o objeto. Morte suspirou, virando a garrafa cara de vinho na boca, dando uma boa golada direto do gargalo. Apontou o indicador para a pobre cacheada, que voltava para a sua posição inicial.

– Como ceifadora. Você tem o dever que acabar com essa briguinha de sanguessugas. A vida dos humanos são mais importantes que qualquer tipo de diplomacia. Não me importo com a vida daqueles seres da noite. Nem humanos eles são mais. Que se fodam. Se explodam! Se for necessário, arranque a cabeça de todos, inocente ou não. Se mais alguma vida humana for perdida, você será a responsável por arcar com as consequências. Fui clara?

– Sim, minha senhora. E com relação ao armamento da Evangelie?

– Já estou providenciando isso. Agora saia. Sai. Sai...

Não esperou uma segunda ordem, se curvou, em uma reverência para sua criadora e saiu do escritório principal da cidadela. Caminhou para longe do escritório, escutando os seus passos que ecoavam pelo corredor deserto.

– Dia difícil?

Se virou para o homem que estava vindo ao seu encontro. Gustamonth vestia a típica vestimenta de um ceifeiro, um manto negro, com o capuz cobrindo o seu rosto. Se não fosse pela voz tão carismática, ele estaria irreconhecível. Já Eleonor preferia uma vestimenta mais atual. O conjunto social preto lhe caía bem, seus cabelos estavam presos em um coque alto. Voltou a caminhar, retirando o seu blazer e massageando os próprios ombros.

Gustamonth acompanhava a mulher, retirando o capuz da cabeça, revelando o seu rosto másculo. Cabelos castanhos curtos, olhos da mesma cor e a pele beijada pelo sol. Gustamonth de fato, deveria ter sido um belo guerreiro romano. Ela nem sabia se esse era o verdadeiro nome do homem ao seu lado. Sequer sabia se Eleonor era o seu nome real.

– Você nem imagina. As vezes eu acho que ela deveria ser mais flexível.

– Tudo bem. É a Morte. Ela tem que ser dura. Vai em missão?

– Sim. Vou resolver as pendências que a morte de Evangelie deixou.

Gustamonth concordou com a cabeça, entendendo o motivo da mulher de pele parda estar naquele estado. Também ficaria assim se soubesse que teria que lidar com criaturas da noite. Principalmente, criaturas que assassinaram um dos seus colegas de penitência.

– Tenha a certeza de fazer os desgraçados sofrerem.

A morena sorriu, se lembrando da relação de sua superior com o irmão mais velho: Vida. Nunca tinha o visto pessoalmente, só os rumores que era uma pessoa positiva, alegre e espirituosa. Demais. Além da conta.

A Morte não gostava de humanos. Eles davam trabalho. Criaturas da noite também davam trabalho. Mas era muito mais fácil. Principalmente por estarem sobre a jurisdição da Morte.

Se um humano fazia alguma merda, eles não podiam interferir. Mas se alguma criatura da noite começasse a sair da linha, eles podiam eliminar sem qualquer excitação. No geral, Eleonor achava um saco o trabalho como ceifadora. As papeladas nunca acabavam, era relatório atrás de relatório e era nesses momentos que ela se perguntava, se passar o tempo que lhe resta no purgatório é melhor do que ficar ali. Mas logo descartou a ideia. Tinha pecados demais para pagar, e com certeza a Vida não seria piedoso em deixá-la voltar para a Terra sem quitar a sua dívida.

– Não se preocupe, Gus. Farei uma bela chacina.

Raiva. Tudo o que Sabito sentia era raiva. Havia decidido finalmente se mostrar para Giyuu. Colocaria, de uma vez por todas, os seus sentimentos na mesa. Se declararia para o único homem, que realmente tinha se importado com ele. Vestiu sua melhor roupa, arrumou o seu cabelo, se perfumou e enquanto caminhava até onde seria realizado o festival da Piedade, repassava o discurso que havia ensaiado a semana toda.

Giyuu merecia uma nova chance de ser feliz, e tinha alguém melhor do que ele, para ocupar o cargo de trazer a felicidade ao moreno? Em sua opinião, não. Giyuu o havia transformado, não por engano, mas por querê-lo, e o rosado sabia disso. Ou achava que sabia. Estava tão feliz, Tomioka ficaria tão feliz.

Então, veio aquela cena.

Estava errado. Tudo estava errado.

Giyuu não deveria olhar daquela forma, para aquele humano, que só lhe traria sofrimento para si. Giyuu não deveria segurar aquele humano com tanta força, com medo de que o homem desaparecesse em seus braços. Giyuu não deveria ficar tão perto daquele ruivo, ao ponto de sentir aquele cheiro enjoativo. Giyuu não deveria ter aquele brilho nos olhos, olhando para aqueles olhos avermelhados sem graça. Giyuu não deveria beijar com tanto fervor aquele desgraçado. Giyuu não deveria se sentir feliz com Tanjirou Kamado!

Giyuu deveria olhar daquela forma para Sabito, e apenas para Sabito, pois ele sabia, que somente ele poderia trazer felicidade e paz para o moreno. Giyuu deveria segurar a cintura de Sabito com aquela força, mesmo sabendo que o rosado nunca o deixaria. Giyuu deveria ficar perto de Sabito e longe de qualquer outro ser. Giyuu deveria ter aquele brilho nos olhos, quando olhasse para os olhos azulados do Urokodaki e vesse, o tamanho do sentimento que o rosado nutria por si. Giyuu deveria beijar com tanto fervor os lábios do rosado, que se sentira no céu. Giyuu deveria se sentir feliz com Sabito Urokodaki!

Mataria aquele ruivo desgraçado. Faria com que ele sumisse do mapa, da face da Terra, da existência! Não teria mais uma segunda chance. Sem reencarnações, ele seguraria disso. Estava mergulhado em raiva, em mágoa, em amor. Um amor possessível. Ignorou a conversa que teve com a ceifeira, tempos atrás. A mulher só queria saber se havia algo de errado com a cidade, e se livrar de Tanjirou Kamado, estava longe de ser algo errado.

Por isso, na manhã seguinte, bem cedo, ligou para ele.

– Senhor Muzan? Sou eu, Sabito. Aceito a sua proposta.

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