Capítulo Vinte e Dois

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Se Lena esperava encontrar Kara menos irritada durante o jantar, estada fadada ao desapontamento. Ela se sentou à cabeceira da mesa como uma mulher de pedra, quase sem falar. Lena não conseguia conversar. Não sabia oque dizer.

 Mas tarde, a loira saiu porta afora sem dizer uma palavra, e Lena sentiu um enorme desespero. Se pelo menos pudesse ir até a loira e abraçá-la, explicar como se sentia, por que era como era. Mas será que Kara acreditaria, tendo em vista o passado?

 A infelicidade a envolveu como um cobertor. Pegou a bolsa e foi até o carro. Se Kara achava que ela ia ficar sentada sozinha pelo resto da noite, estava enganada. Ligou o motor, acelerou, deu marcha-ré e saiu ventando. A coisa maravilhosa daquele pequeno carro era a deliciosa sensação do controle da velocidade. Ela adorava a estrada sem curvas, o sentimento de liberdade com  vento em seus longos cabelos, a excitação de estar sozinha com seus pensamentos.

 Kara a odiava, mas isso não era novidade. Sempre a odiara. Ela magoara a loira e a mesma nunca a perdoaria. Não sabia por que tinha concordado em se casar com ela; nunca daria certo. Tinha sido tola em aceitar, para início de conversa, portanto só podia culpar a si mesma por sua infelicidade.

 Lena estava tão imersa em seus pensamentos que não notou o sinal de parar até estar muito em cima, e o alto som atordoante de uma buzina de caminhão fez gelar seu coração.

 Uma enorme carreta vinha à todo vapor pela estrada. O carrinho de Lena não ia conseguir desenvolver velocidade suficiente para atravessar o cruzamento antes daquela carreta, e havia o risco de ela não conseguir frear a tempo.

 Com o coração na boca e a certeza da morte enrijecendo seu corpo, pisou no freio. O carro girou sobre si mesmo, o chiado horrível dos pneus na calmaria do fim da tarde, seu rosto petrificado de terror ao perder o controle, e o céu rodou, rodou, e rodou...

 O carro foi parar e uma vala funda e ficou balançando, mas surpreendentemente não virou de cabeça para baixo. Lena permaneceu sentada, abalada, mas sem ferimentos, uma náusea amarga na garganta e o mundo a girar em torno dela. Ouviu-se o barulho de outro carro frear até parar. Uma porta se abriu. Ouviu-se o barulho de pés correndo e então, subitamente, um grito angustiante de uma mulher.

—Lena! — O rosto da mulher era familiar, mas ao mesmo tempo não conseguia localizá-la. Estava rouca, engasgada e furiosa. — Responda-me, você está bem?

 Lena sentiu que mãos brancas, frias e trêmulas removiam o cinto de segurança. Sentiu aquelas mesmas mãos correrem sobre seu corpo, à procura de sangue ou ossos quebrados, com rara delicadeza.

— Você está bem? —  Kara perguntou com a voz falha. — Está sentindo dor em algum lugar? Pelo amor de Deus, querida, responda!

— Eu... eu estou bem — sussurrou entorpecida. — A porta...?

— Não abre está emperrada. — A loira se  abaixou cuidadosamente para segurá-la por debaixo dos braços e, com incrível força, retirou-a do carro. Quando estava no chão, ainda tonta, pegou a morena com imensa ternura e  carregou para fora da vala. O motorista do caminhão parara mais abaixo e estava vindo ao encontro delas, mas Kara não parecia vê-lo. Sua expressão estava rigidamente controlada, mas não conseguia fazer os braços pararem de tremer sob o esguio corpo da morena...

 O fato finalmente foi registrado na cabeça estonteada de Lena. Ela olhou para cima e viu o rosto de Kara, e sua respiração se agitou. Estava branca como um lençol, apenas os olhos azuis vivos e brilhantes no rosto assustado. A loira abaixou os olhos para ela, os braços puxando-a contra o peito.

— Sua bobinha!... — gaguejou.

 Por mais que vivesse, ela sabia que nunca iria esquecer o horror que vira nos olhos de Kara. Ergueu o braço para segurá-la, só pensando em tirar aquela expressão de seu olhar.

— Está tudo bem, Kara — murmurou docemente. A reação da loira a deixou fascinada. Nunca a tinha visto abalada antes. Aquele pequeno furo em sua fria armadura fez com que a morena se sentisse protetora. — Estou bem, Kara —sussurrou. Seus olhos procuraram os dela, estarrecida ante tanta vulnerabilidade. Ela tocou a boca da loira, os dedos macios acariciando-a até deslizarem por entre o espesso cabelo loiro. — Querida, estou bem, de verdade! — Puxou-a para si e colocou suavemente sua boca na da loira, amando a forma com ela se deixava beijar, mesmo que fosse devido ao choque, o que, de fato, era. Por alguns segundos a morena saboreou a novidade, depois alguma coisa se agitou em seu corpo, e sua boca se ergueu, ansiando por um contato mais forte, mais profundo que aquele. Havia anos que não se beijavam de verdade. Ela gemeu baixinho e Kara pareceu sair do transe. O braço se contraiu e sua boca rígida abriu-se faminta contra a da morena.

 Sua boca doía, conforme pressionava a  de Lena. Murmurando alguma coisa violenta e ininteligível contra seus lábios macios. Afastou-se com visível relutância diante da aproximação do motorista do caminhão, que corria em direção a elas. 

— Ela está bem? — o homem perguntou, ofegante pela longa corrida. — Meu Deus, eu estava certo de que ia bater nela...!

— Ela está bem. — Kara respondeu com brevidade. — Mas aquele maldito carro não estará quando for esmagado.

 O motorista do caminhão suspirou de puro alívio.

— Puxa, dona, a senhora sabe o que faz — disse com admiração. — Se não tivesse freado seria uma mulher morta, e eu, um condenado.

— Sinto muito. — Lena chorava, os nervos fragilizados por ter escapado da colisão e pelo estranho ardor da boca firme de Kara. — Sinto muito. Não o vi.

 O motorista do caminhão, um rapaz de cabelos vermelhos, apenas balançou a cabeça negativamente mal conseguindo recuperar o fôlego.

— Tem certeza de que está bem?

— Estou bem — disse ela, forçando um sorriso ainda trêmulo. — Obrigada por ter parado, não foi culpa sua.

— Isso não faz om que eu me sinta melhor — disse-lhe. — Bem, se tem certeza, vou andando. — Olhou para Kara e quase ofereceu ajuda, mas ver a raiva naqueles olhos azuis não era encorajador.

— Como disse minha esposa, obrigada por ter parado — disse Kara secamente.

 O homem mais novo aquiesceu, com um gesto de cabeça, sorriu e se afastou visivelmente aliviado. Estava contente por Lena não estar ferida. Não teria gostado de ter de enfrentar aquela esposa de olhos selvagens desarmado.

Aprendendo a Amar (Karlena) G!POnde histórias criam vida. Descubra agora