Capítulo Dezesseis

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 Lena ergueu os olhos. Estavam sem vida.

— Estou cansada — disse suavemente. — Você se incomoda se eu for me deitar depois de comermos?

— Sim, me incomodo. — Pôs de lado o guardanapo e acendeu um cigarro. — É nossa noite de núpcias.

 Lena riu com amargura.

— É mesmo? O que você tem em mente? Mais alguns comentários sobre o meu passado promíscuo?

 Kara frangiu a  testa ligeiramente. Não parecia Lena. Aquele som cortante em sua voz era perturbador. Seus olhos se estreitaram. Ela tinha perdido o pai, a casa, todo um estilo de vida, até o irmão foi embora. Tinha perdido tudo nas últimas semanas e se casara com ela porque precisava de um pouco de segurança. A loira tinha transformado a vida dela num inferno, e aquele dia parecia ter sido a gota d'água. Não fora sua intenção. Não  queria magoá-la. Mas não conseguia ficar calada; eram tantas as mágoas.

 Kara suspirou profundamente. Os olhos azuis procuraram o rosto abatido, relembrando dias melhores, mais felizes, quando podia olhá-la e se embriagar só de ver seu sorriso.

— Tem certeza de que quer continuar a trabalhar? — perguntou em voz baixa, apenas para mudar de assunto, para manter a conversa num nível mais ameno.

 Lena olhou para o prato.

— Sim, gostaria — disse ela. — Nunca trabalhei, a não ser em funções sociais e como voluntária. Gosto do meu emprego.

— E James Olsen? — a loira perguntou, com um sorriso de desafio.

 Lena se levantou. Ainda usava a saia branca e a blusa rosa claro, e estava elegante e muito desejável. O longo cabelo caía sobre os ombros, e Kara queria poder se levantar, pegar duas mãos cheias deles e beijá-la até a morena não conseguir ficar de pé.

— O sr. Olsen é meu patrão — disse. — Não meu amante. Eu não tenho um amante.

 Kara também se levantou, chegando mais perto, os olhos apertados e calculistas, o corpo tenso com anos de desejo frustrado.

— Você vai ter — disse secamente.

 Lena não recuou. Não daria a loira a satisfação de vê-la fugir. Ergueu o rosto orgulhosamente, embora os joelhos estivessem fracos e o coração batesse descompassadamente. Tinha medo de Kara por causa do passado, porque ela queria vingança. Tinha medo porque a loira pensava que ela fosse experiente, e mesmo com a pequena cirurgia, ela sabia que não iria ser fácil. Kara era enganadoramente forte. A morena conhecia a força daquele corpo esguio e musculoso, e ser subjugada por ela, em um momento de paixão, era um pouco assustador.

 Kara viu o medo nos olhos da morena e compreendeu imediatamente.

— Está equivocada, meu bem — disse calmamente. — Muito equivocada. Nunca a machucaria na cama, nem por vingança nem por qualquer outra razão.

 O lábio inferior da morena tremeu num soluço abafado e lágrimas encheram-lhe os olhos. Abaixou o olhar até o largo tronco dela, sem reparar o leve choque provocado por sua reação no rosto da loira.

— Talvez não conseguisse evitá-lo —sussurrou.

— Lena, você realmente tem medo de mim? — perguntou, com voz rouca.

 Os frágeis ombros da morena se mexeram.

— Sim, lamento.

— Teve medo com ele? — perguntou — com Spheer?

 Lena abriu a boca para responder, mas desistiu. De que adiantava? Ela não ia ouvir. A morena se virou e foi em direção à escada.

— Fugir não resolverá nada — disse ela, sucintamente, vendo-a ir com uma mistura de sentimentos, sendo o maior deles a raiva.

— Nem tentar falar com você — replicou. Parou ao pé da escada, os olhos verdes brilhantes com as lágrimas reprimidas e por ter recuperado o sangue frio.

— Aja como quiser. Faça-me pagar. Acabei de ficar sem as coisas que me são caras e não tenho absolutamente mais nada a perder, portanto, preste atenção, Kara: não vou fazer o papel de mulher de sociedade. Vou ser eu mesma, e sinto muito se isso destrói alguma de suas antigas ilusões.

 Kara a olhou, quieta.

— O que isso quer dizer?

— Nenhum caso — respondeu ela, lendo os pensamentos da loira. — Apesar do que pensa a meu respeito, não estou sofrendo por falta de um relacionamento.

— Esse tanto eu acredito — disse breve. — Meu Deus, consigo ter mais calor de um cubo de gelo do que alguma vez recebi de você.

 Lena sentiu o impacto dessas palavras como punhais contra sua pele. Devia ter percebido a loira a julgava fria, mas isso nunca lhe tinha ocorrido.

— Talvez Jack Spheer tenha conseguido mais — jogou-lhe na cara.

 Seus olhos azuis encheram-se de raiva. Chegou mesmo a dar uns passos em direção a morena, antes que o controle férreo que mantinha sobre seu gênio a detivesse.

 Lena percebeu o movimento e agradeceu a Deus pela loira ter parado. Ergueu o queixo.

— Boa noite, Kara. Obrigada pelo teto sobre minha cabeça e um lugar para morar.

 Os olhos dela pestanejaram enquanto a morena subia a escada. Olhando para ela, se lembrou dos anos de sonhos, da deliciosa recordação de apenas estar com ela, da frustração de ter se contido e a ter perdido mesmo assim. Ainda gostava de Lena. Mentira para preservar seu orgulho, mas gostava tanto! E a estava perdendo uma vez mais.

 Kara queria dizer que não tivera a intenção de acusá-la de ser fria. Ela a desejara com loucura, e a morena não a tinha querido. Isso a magoara muito mais do que o fim do noivado, particularmente quando descobrira que Jack Spheer era seu amante. Aquilo quase a matou. E aqui estava Lena, jogando isso em sua cara, atingindo-a nos lugares mais vulneráveis. Kara se perguntara muitas vezes se a morena a achava repulsiva pelo fato de ser uma mulher "diferenciada" fisicamente. Foi o que a fez acreditar que Lena era sincera ao dizer que não a queria, que preferia Jack Spheer.

 E agora a morena estava diferente. Não era mais a tímida e introvertida jovem que conhecera havia seis anos. Estava estranhamente inquieta, espirituosa e desinibida quando conseguia relaxar. Mas a loira não podia se dobrar. Não conseguia se dobrar o suficiente para lhe dizer o que tinha no coração, o quanto ainda a queria, porque não ousava confiar nela de novo. Lena a magoara demais. Olhou-a subir a escada, com os olhos azuis, suaves e ávidos. Não se moveu até perdê-la de vista.


Aprendendo a Amar (Karlena) G!POnde histórias criam vida. Descubra agora