LAMARTINE

| CAPÍTULO 17 | QUEDA LIVRE

Faziam apenas alguns minutos que havia deixado a Agatha em sua casa, após uma conversa profunda sobre o passado. Sentado, observei a cadeia de montanhas em minha frente, a queda fatal que termina em um lago. 

Algumas decisões precisam ser tomadas, mesmo que seus olhos não continuem brilhando após.

— O que você quer, Pietro? — Max pergunta ao se aproximar de mim. Vejo o receio em seus olhos, eu não deveria estar nesse local. Não hoje.

— Você sabe o que eu quero Max, sabe muito bem. — Ele suspira e se senta no banco ao meu lado. — Ao mesmo tempo que os acho espertos demais, os considero burros. Era óbvio que eu iria perceber.

— Vingança talvez? — Nego imediatamente.

— Você sabe que todos estão mortos, não faz o menor sentido ter alguém querendo vingança. Não faz o menor sentido ela querer vingança, por algo que causou. — Murmuro. — É o meu filho que está envolvido nisso. É o meu filho que está sofrendo sem ter culpa. Sofrendo nas mãos de quem deveria amá-lo. — Vejo que Max arregala os olhos.

— Você acha que é alguém do passado dela a chantageando para que fizesse isso? — Pergunta desconfiado.

— A única pessoa do passado que ainda respira, é você. — O encaro — E tenho plena certeza que você não iria cometer o mesmo erro pela segunda vez.

Max se levanta e me encara furioso. O olho com tédio.

— Aiyana não faria isso com o próprio filho, porra! — Ele grita. — Acha que ela teria coragem de matar o filho de vocês? De torturar ele?  Pensei que você soubesse que ela faria de tudo por vocês.  — Volto o meu olhar para o lago. — Pensa Pietro, esse sempre foi o maior sonho dela. Me diz, me explique o motivo idiota que te faz pensar que a pessoa que mais te amou seria capaz de fazer algo desse tamanho? — Max suspira, cansado. Os olhos com resquícios do passado, as lágrimas que nunca foram derramadas. — Quando tentaram te matar, foi ela quem tomou aquele tiro por você. Foi o corpo dela que você encontrou boiando no maldito lago, com apenas meia chance de sobreviver. Me diz, porque ela tentaria matar o Aaron?

Fecho os olhos com força e deixo as lembranças do passado voltarem a me dominar. Após um tempo, me levanto e percebo que Max já não está mais aqui. Pego a rosa que estava ao meu lado no banco e jogo pelo penhasco, em uma queda interminável e dolorosa.

Ela não é capaz de curar a minha dor, nunca foi. 

[22 ANOS ANTES, ITÁLIA]  

AIYANA LAMARTINE

Fazia duas semanas desde que tudo aconteceu. Se uma bomba tivesse explodido sobre nossas cabeças teria sido menos desastroso. Descobrir uma traição de quem você mais confiava, do seu sangue era demais para qualquer um.

Armaram para nós. Já fazia alguns dias que Pietro teve que partir, sua última rosa para mim estava intacta. A raiva dominava o medo que sentia. 

Quando recebi a mensagem em meu celular, não pensei duas vezes antes de ir até o endereço marcado. O local do primeiro presente, das primeiras memórias. Mas, quem eu esperava encontrar não era o mesmo que estava sentado no banco.

— O que você está fazendo aqui? — Tenho certeza que minha voz não saiu mais alta que um sussurro. Caminhei até o banco e parei na sua frente, esperando respostas.

Ela se levantou sutilmente e me encarou com o olhar vazio. Não conseguia enxergar nada, nenhum sentimento.

Sua mão veio delicadamente até meu rosto e tudo o que pude sentir em seguida foi um tapa, recuei um passo e a vi sorri pela primeira vez.

— Você me deu muito trabalho, desnecessário inclusive. Sabe quanto tempo gastei para concluir a dinâmica do jogo? Ninguém foi capaz de perceber enquanto eu manipulava tudo.  — Ela retirou da bolsa diversas fotos, encontros, sorrisos. Aquilo matou algo dentro de mim. — Sabe, tudo pareceu tão real que ninguém é capaz de dizer o contrário. 

— O que você pretende com isso tudo? — Minha voz era cautelosa, um passo em falso e duas vidas eram perdidas. A minha e daquele que crescia em meu ventre, e que ninguém sabia da existência. 

— Quero o que é meu por direito. — Ela me rodeava como um felino rodeia sua presa. — Quero o amor que era meu por direito, antes de você roubar. 

— Nada disso foi seu, não sei qual está sendo seu problema... mas por favor, me deixa te ajudar, não entendo de onde veio toda essa raiva. — Murmuro. 

— O meu problema sempre foi você, vadia. 

Essas foram suas últimas palavras, no instante seguinte, tudo o que escutei foi um pneu de carro derrapar, vozes gritando, um gatilho sendo puxado e uma ardência no meu peito fazendo com que eu desequilibrasse e caísse em queda livre.

Antes de cair, consegui ter o vislumbre de seus olhos e ela não esperava por isso. 

Não sei quanto tempo passou, mas o impacto do meu corpo contra a água gelada quebrou algo dentro de mim, uma dor insuportável se alastrou por todo o meu corpo. Eu não iria sobreviver, tinha certeza disso. 

Com a pouca força que ainda tinha, a respiração pesada, o coração acelerado, consegui movimentar minhas mãos até a barriga. Não tentei sobreviver, não tinha forças para retornar a superfície.

— Me perdoe por não proteger você... — Murmurei baixinho, sentindo a água entrar e então, entreguei meus sentidos para ela. 

Algum tempo passou e eu senti braços me puxando para fora daquela água, uma voz desesperada, mas não era capaz de lutar mais.

— Por favor, você não pode fazer isso principessa... não faz isso comigo. — Sua voz era desesperada, nunca havia sentido tanta dor em uma voz. — Eu não posso sem você, eu te amo... — Por um segundo, eu ainda era capaz de sorrir, então foi o que fiz e tudo se tornou vazio e escuro.

Toda história tem dois lados, seja ela de amor... de dor, ou de ódio.

Por aqui não seria diferente, a verdade sempre vai aparecer, ou talvez ela esteja enterrada e nunca seja descoberta. 

O passado está apenas começando, o quebra-cabeça ainda está com as peças incompletas. Os segredos ainda não acabaram.