Krystiellen odiava entrevistas.
Odiava inclusive precisar da visibilidades que elas traziam. Reconhecia sim baita honra de ser citada nas grandes mídias, principalmente as nacionais pouco dadas a valorizar trabalhos como os seus. Ainda assim, bagulho chato do cacete!
O ônus do sucesso artístico sempre seria a fama, aprendeu com o tempo dedicado à paixão pelas artes plásticas desenvolvida ainda na adolescência. Das paredes do CIEP às galerias e museus famosos por boa parcela global, marcar seu nome na história sempre lhe custavam as inconvenientes conversas ladras de tempo hábil.
Só queria pintar em paz antes do acrílico secar e o cara lá falando, fazendo pergunta óbvia típica de quem não pesquisou nada sobre seu celebradíssimo currículo profissional. Não conhecia seus passos, tampouco nomearia corretamente alguma de suas obras-primas. Por vezes, errava seu nome. Melhor continuar sendo chamada de Krystal, seu vulgo como costumava dizer desde a época em que marcava o apelido pelas paredes do Morro do Cabo, único traço de sua longa história ali conhecido de có e salteado.
Riu nervosa ao notar o repórter ignorando o mural da vez – terminado com atraso graças a ele –, para focar holofotes em suas origens pobres, decepcionada com o sensacionalismo e despreparo brasileiro. Na terceira vez que ele perguntou sobre porque voltou justo pro Cabo, teve vontade de responder um seco “porque eu quis”, mas aí decretaria seu fim.
Mulher preta nunca tinha direito a se encher, infelizmente.
Excelente em contornar incômodos em prol da carreira, engoliu o próprio tédio. Como incentivo, contou com os olhos marejados de dona Dita, orgulhosa demais com qualquer sinal de reconhecimento recebido pela neta. Aguentaria milhares de repórteres inconvenientes atrapalhando o andamento de seus murais por esse encanto diante da TV do hotel. A mão direita pousada no peito pulsante de orgulho em ver sua menininha chegar tão longe, a outra no rosto admirado com mais essa vitória.
Galerias lotadas, capas de revistas importantes, outdoors caríssimos anunciando suas exposições em cidades como Madri, Nova Iorque, Tokyo, Paris e Londres e agora destaque do Giro Cultural do RJTV. Comparações discrepantes a parte, todo suburbano que se preze reconhece que só se faz sucesso de verdade quem aparece na Globo.
— Tu tava tão bonita hoje, filha! Meu Deus, parecia uma dessas mulher fina da TV! – e isso soava super engraçado quando Krystiellen era sim uma dessas mulheres.
Krystal da Silva figurava entre as maiores artistas plásticas brasileiras. Alguns portais importantes da área corrigiam: ela era uma das melhores a nível internacional, celebrada ou ao menos conhecida pelos maiores críticos. Se um dia lesou o joelho ao correr dos Guardinhas e Papa Mikes perseguidores da cena do picho e amargou longas esperas para a Prefeitura permitir seus grafites – tendo alguns apagadoss sem aviso prévio nas obras de revitalização da última década –, hoje não faltavam políticos e empresários dispostos a “incentivá-la” em troca de mais um ponto turístico desses que acaba como fundo pra galera pseudo alternativa postar junto de frase batida de filósofo no Instagram.
Agenda tão lotada a ponto de torná-la nômade nos últimos 10 anos, migrando com a avó entre hotéis e casas de temporada desde quando teve condições de levá-la para tirá-la do morro e trazê-la para todos os cantos consigo. Exposições seguidas em vários lugares do mundo. Seu nome marcado nas mãos importantes capitais mundiais. Eventos chiques de grifes badaladas com quem colaborou em estampas, embalagens, ilustrações editoriaia. Sua cara bonita estampou a Vogue uma vez. Sim, a fucking Vogue. E ainda assim mãe Dita se derretia toda.
— Eu vou ligar é agora pra Neuzinha pra saber se ela viu você passando na globo, filha.
— Mãe, a senhora lembra que a senhora já mandou até a capa da Vogue que eu saí pra dona Neuza?
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A Teoria do Corre
RomanceKrystal largou tudo e todos no Morro do Cabo pra trilhar uma carreira brilhante como artista plástica no exterior. Retornando após 10 anos com o desejo de montar uma escola de artes na comunidade, ela precisa buscar a permissão da facção local, um p...