Pipas coloridas enfeitavam o céu do Morro do Cabo.
Durante o recesso escolar de meio do ano e uma renca de pivete lotava os becos, vielas e lajes da favela pra brincar sob regras bem específicas.
Nada de subir na fiação, cuidado pra não cair do alto dos barracos e, principalmente, nada de invadir a casa dos outros pra pegar avoada.
Como Marola também proibiu o uso de chilena pra proteger os motoboys e as próprias crianças, no festival vencia quem empinasse mais alto e tivesse a pipa mais bonita e os alunos do Krystais decidiram competir entre si quem customizava a mais legal agora que todo mundo era artista.
Enquanto a hora da aula não chegava pra confeccionar a arraia boladona projetada no caderno, Vanderson tirou a manhã pra brincar na frente de casa com os amigos e matar o tempo. Polícia e ladrão, um clássico. Quem ficou no segundo bando, quase brigava pra serem os grandes nomes do Corre, como Marola, Julius e até Gracinha, disputada entre os meninos de trejeitos afeminados que encontravam na figura da nova sub-chefe uma imponência segura. Vandeck deu migué pra sair da fila na hora de trocar os times só pra não ficar como PM.
Saiu batendo pé. Odiava tanto a classe ao ponto de odiar a mínima menção a eles e por um segundo enxergou os amigos como traidores por sugerir envolvê-lo com os assassinos de seu padrinho mesmo em brincadeira. Preferiu curtir o boneco novo apesar de sua mãe tanto proibir dele usar fora de casa pra não estragar o presente. Ficou na calçada da frente pra diminuir qualquer bronca, mas criança era criança, né? Logo seguiu a molecada sem nem saber estar atrás do super herói mais conhecido e próximo deles: Marola.
Respeitado e querido, por alguns. Adorado e visto como exemplo por outros tantos. Vanderson entre eles? Não sabia mais. Desde a bronca da tia Ellinha, percebeu não querer ser como Marola e sim ter o poder e o dinheiro dele, com grana suficiente pra chegar presenteando a garotada pra ninguém não ficar à toa na rua por 15 dias perturbando o sossego de trabalhador. Se o corre era por simpatia, grana e ajuda pra comunidade, mais valia ser como a tia Krystiellen, não? Mais seguro e, infelizmente, demorado, né? Brilhava mais o olho ter ficha pra gastar no videogame que alugavam no antigo fliperama do Morro que levar meses pra aprender o básico, anos pra construir carreira e quem sabe um dia andar metade do que ela andou pra chegar no patamar de hoje e nem o garoto resistiu.
— Faz a fila aí com calma que tem ficha pra todo mundo. – garantiu em nome da ordem.
Ninguém reclamou de formar fila e nem brigou pelos primeiros lugares, não eram malucos. Ao menor sinal de arruaça a suspensão dos brindes seria o menor problema comparado ao chefe puto, já bastava as broncas a um e outro pivete mal afamado no meio – Vanderson não passou batido.
— Qual foi, qual foi? – brecou. – Fora da escola de novo, Zé Ruela?
— Qual foi, Marola? Satisfação... – cumprimentou como um chegado. – Hoje é sábado, chefe. Tem caô, não.
— Eu sei que dia da semana é, pivete, mas tu num é lá do projeto lá debaixo? Num era pra tá lá já?
— Vai começar mais tarde hoje, patrão, relaxa aí... – abanou as orelhas acertadas pelos dedos do patrão.
— Tá debochado demais pro meu gosto, hein? Dá mole não que tá cheio de moleque de olho na tua vaga...
— Fica mec, chefe. Tô só esperando a camisa dar mais uma secada pra vazar, juro.
— Isso aí. Pessoal tá se matando pra fazer parte do bagulho, vacila por aí não, ainda mais com esse Ben10 novinho aí. Arranjou onde?
— A tia Krystiellen que me deu. Maneiro igual ela, né não? – riu do esforço do chefe pra não suspirar encantado pela simples menção à tia.
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A Teoria do Corre
RomanceKrystal largou tudo e todos no Morro do Cabo pra trilhar uma carreira brilhante como artista plástica no exterior. Retornando após 10 anos com o desejo de montar uma escola de artes na comunidade, ela precisa buscar a permissão da facção local, um p...