A Teoria de Quem Merece

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Quando pegou o avião de volta ao Rio, Krystiellen temeu arruinar a carreira consolidada para recomeçar perto de casa.

O encerramento de gala que a jogou nos jornais, boletins e trend-topics das redes sociais com o mesmo frescor de novidade da estreia com certeza merecia comemorações especiais.

Pegou suas melhores roupas, sua avó e até levaria suas amigas se as gêmeas não estivessem ocupadas até tarde com o salão e nem respeitassem a tradução familiar onde as duas relembrariam os tempos de viagem jantando em um lugar legal – isso, claro, depois de passar raiva com o trânsito, os taxistas rejeitando a corrida por medo da região do Cabo e a lembrança de que Krystal precisava aprender a dirigir – único talento não possuído pela gata. O lado bom é que dava pra encher a cara até esquecer esses pequenos problemas.

Distrações caíam bem pra acompanhante também. A avenida Brasil nunca foi o lugar mais bonito do Rio de Janeiro, mas dona Dita adorava passear, ver luzinhas e escutar pessoas reclamando da vida ou das notícias do rádio. Se fizesse tudo isso agarrada ao braço de sua artista favorita do mundo todo, melhor.

— Tu tava tão bonita hoje no encerramento da exposição, filha. Eu nem acredito que tu sobreviveu a essa semana sem surtar...

— Nem eu, mãe. Pra falar a verdade, eu tive medo de acabar estragando tudo por cansaço, sabia? Não me lembro de ficar assim desde as primeiras vezes em Madrid. – se aconchegou no colo alheio. – Será que eu tô enferrujada?

— Enferrujadas estão minhas juntas, menina, tu só tava acostumada com um padrão de gente muito frio e veio direto pro calor humano do carioca, é diferente mesmo. Se lá te davam flores e silêncio, aqui sempre terá uma criança espevitada perguntando o que aquilo ali significa.

— E nem me fale de crianças, viu? Eu tô tão ansiosa pra aula de amanhã que é capaz de eu nem dormir só pra ficar lá arrumando os últimos detalhes pra aula... – preparou o terreno pra escapada da noite.

Antes de sair combinou por mensagens encontrar Marcílio com a desculpa de estar ansiosa aprontando os últimos detalhes da abertura oficial do Krystais como escola. Para não soar repentino, arranjou um colchonete onde dormiu uma noite ou outra no escritório só para cultivar a naturalidade o suficiente pra velha não desconfiar o quão longe de descansar ela passaria apesar de merecer depois de um dia tão cheio.

Com a agenda concorrida no último dia da mostra, ganhou uma festa de encerramento surpresa, emocionantes homenagens dos moradores e, claro, mais das flores insuportáveis após essa overdose de perfume. Foi convidada para um "after" no flat de Malta, que prosseguiu com os planos de comemorar o sucesso a exposição mesmo com a negativa da artista com a desculpa de, apesar de carregar somente o nome de Krystal, celebrar um marco importante de um projeto financiado pelos Santamarina. Que se divertisse bastante cercada por amigos tão influentes e falsos quanto ela, jamais desmarcaria com sua avó por tamanha futilidade.

— Já está pensando em trabalhar mais ainda, menina? Depois dessa semana, me admira que não tenha desmarcado nosso jantar. Deveria ter deixado pra domingo.

— Nada disso, mãe. – bronqueou. – A senhora sabe o quanto eu prezo por esses momentos com a senhora e essas reservas foram feitas antes mesmo de eu descobrir que teria todo esse falatório em torno de mim. Eu jamais abriria mão disso e inclusive tô puta com a Malta por querer se achar mais importante que a senhora e querer a minha prioridade. – imitou rancorosa.

— Krystiellen, Krystiellen... Não se cospe no prato onde tu além de ainda estar comendo repetirá várias e várias vezes.

— Eu sei mas a senhora concorda comigo que ela precisa saber o que é um limite. Tá muito difícil suportar ela com essa banca de quem é dona de tudo.

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