A Teoria do Corredor

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Quantos jovens periféricos não atrelavam o sucesso financeiro às condições de dar uma casa própria pra família e então levar a mãe para o supermercado e dizer algo como "Pode pegar o que a senhora precisar, quiser ou simplesmente teve vontade, precisa nem olhar preço." , retribuindo todo o esforço da pobre?

A glória profissional não enchia tanto o orgulho de Ellinha quanto poder separar dois carrinhos de supermercado. O sabor de vitória de certo superaria o da geleia de framboesa caríssima que sua avó pegou apenas pra experimentar. A era do básico e essencial ficou pra trás, graças a Deus.

Mesmo Marola aderia a esse discurso fomentado por sua revolta juvenil sobre como a sua mãe trabalhava tanto pra ter tão pouco. Soava hipócrita, mas Maria de Fátima esquecia todas as preocupações, vergonhas e pragas contra a vida errada do filho quando ele botava comida à vontade e muita coisa boa pra dentro de casa.

Se os fins justificam os meios? Meu irmão, ninguém liga pra de onde veio o dinheiro contanto que ele chegue. Quando mostrava a carteira abarrotada, até as piranhas do caixa que viravam a cara, repreendiam o mal e sinalizavam cruz vendo passar no porte abriam o sorriso e outras coisas que por hora ele não tava interessado. Entrou focado na única que nunca viu diferença entre ele liso e ele se achando rico por conquistar algumas coisas com a pistola da cintura e o fuzil que não saía do peito nem pra fazer compras.

— Menino, dá pra abaixar isso? Tá todo mundo olhando... – sua mãe riu nervosa pros conhecidos que não se assustavam tanto quanto ela pensava.

Quem já não sabia que Marola tava sempre na defensiva? Era só não mexer com ele.

Um suspiro rendido. Pra não brigarem muito e perderem tempo, pôs a arma nas costas.

— Tá bom, agora? Agora vai lá. Pega a fila lá da carne que demora que eu adianto a lista. – se ofereceu bondoso demais, ela estranhou.

Marcílio nunca foi lá o melhor filho do mundo e nem de todo mal. Mediano, sei lá. Assim como Fátima foi a mãe que zelava pela vida e pra não faltar nada, ele a protegia pra ela não pagar por seus erros e servia como o provedor da de casa. Isso tinha a ver com como sempre se sentiu distante da mãe graças aos milhares empregos que mal garantiam a sobrevivência e qualquer demonstração maior de carinho ou pró-atividade gerava suspeita.

Entregou o papel logo porque se sentia muito exposta ao lado dele fora da favela e ela morria de medo de passar pelo mesmo que Déia e assistindo alguém levar seu menino embora.

— Vai mas presta atenção que tá tudo caro... – e ele lá era homem de se preocupar com isso?

Marola odiava passar vontade. Isso valia pro Nike Shox que entrou pro corre pra ter quando era moda, pro pacote de pão de mel coberto de chocolate que ele saiu comendo antes mesmo de pagar e pela mina que ele assistiu requebrar até o corredor de ingrediente pra doce, se alongando toda pra pegar um pacote de amido de milho na prateleira mais alta. Parou na esquina do corredor pra admirar, cravando dentes no lábio inferior. Caralho... Puta maldita gostosa, viu? Chegou de mansinho atrás dela pra não assustar.

— Querendo isso aqui? – perguntou entregando o pacote que alcançou mais rápido pela altura.

Nem precisou encostar. Krystiellen tremeu pelo calor repentino e a voz mais grossa pertinho do ouvido. Deu um passo pra trás pelo sobressalto, esbarrou nele e suspeitou sentir algo além da Glock na cintura. Virou na mesma hora e segurou os mais variados impulsos que íam desde se derreter todinha até meter um tapão na cara dele pelo atrevimento. Riu nervosa com os olhos fechados, pousando as unhas sobre o peito dele antes de empurrá-lo pra tomar a distância necessária ao raciocínio.

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