A Teoria dos Limites

728 127 190
                                    

Portões fechados e pernas exaustas tombando na primeira cadeira à vista.

Krystiellen deu tantas entrevistas e cumprimentos que cogitou assumir um voto de silêncio pra recuperar a bateria social. Cansada, acenou ao que Malta falava sem nem prestar atenção. Sim, foi tudo lindo. É, eles gostaram muito do que viram. Queriam comprar os quadros? Com a exceção da obra de Gracinha, negociaria até suas próprias calcinhas quando retomasse o discernimento. Bocejou pra ganhar segundos extras de disposição e os gastou negando à última pergunta.

— Baile hoje, Malta? Limites! Nem se eu tivesse disposta! – suspirou massageando a lombar sacrificada.

Malta sorriu à recusa, sentou-se de lado numa cadeira à frente e repousou o rosto sobre o braço esticado.

Creo que estejas cansada de ontem, no? – lançou atenta ao olhar alarmado. – No carece que te assustes, ni que censuremos nada se estamos entre iguais. Puedes confiar em mi.

— Onde você quer chegar, Malta?

— Vi Marola passar hoje na TV en una fiesta, creo que tenhas participado já que me parecem tan amigos. – jogou o famoso verde.

Michelle julgou com a cabeça.

— O nome do homem ela fala num português perfeito, né? Nem enrolar a língua ela enrola...

— Michelle! 

— Michelle nada. Ô, Malta! – assobiou mostrando os utensílios de limpeza. – Já que tu quer tanto uma festa, que tal dançar a dança da vassoura e vir varrendo, hein?

— Espera aí, meninas. – dona Dita pausou a limpeza. – Malta, minha filha, eu espero que você tenha a noção da gravidade de supor que minha neta tenha ligações íntimas com alguém da laia daquele malandro e que principalmente que isso não é algo que se fala assim, em alto e bom som. Hão limites no Cabo que devem ser respeitados, principalmente quando se envolvem pessoas de bem.

Perdón, mamá Dita! No disse por mal, mucho menos a ninguém. Apenas supus que Krystal fosse à tal festa porque me pareceram muy próximos, principalmente à tal moça. Graça, no? – a própria recém chegada.

— Maria da Graça Pimenta Neves, vulgo Gracinha do Pó. Pra você, pode ser Dona Graça. – bateu o portão principal pra dar impacto, ela amava uma entrada triunfal.

Malta se acuou agarrada ao encosto da cadeira. Se a figura imponente de Gracinha por si só não passasse a mensagem de poder, o Para-FAL garantia a quietude. Meteria o apavoro por pura diversão.

— Posso saber porque tem gente evocando meu sagrado nome em vão, madame?

— Quero ver ela falar que se incomoda com alguma coisa agora. – Michelle cruzou os braços sem esconder a satisfação.

Dessa vez, Marcelly só fez assistir a treta. A tão arrogante Malta Petra Santamarina colocada no devido lugar, sem peito algum de confrontar quem não dava a mínima pra se seu sobrenome valia algo. Cutucou a irmã com o ombro pra partilharem juntas essa vitória de ouvi-la gaguejar aguda, carente da intervenção de dona Dita pra se defender.

— Não é nada, Maria da Graça. Eu mesma estava falando com a Malta que ela não deve falar sobre certas coisas em certos lugares. Até porque o ontem já foi, o futuro a Deus pertence e não se deve arriscar o hoje em nome disso, certo? – a patricinha só conseguiu concordar.

Gracinha recuou o fuzil de volta à cintura em respeito ao lugar e às moradoras, sem baixar guarda ou aliviar pra argentina.

— Tem toda a razão, dona Dita. Até porque quem fala muito aqui amanhece com a boca cheia de formiga. Depois pede pra Krystiellen traduzir isso pro espanhol. – piscou mal encarada e desfilou pra ver seu quadro mais de perto com a mão apoiada no suporte do 7.62.

A Teoria do CorreOnde histórias criam vida. Descubra agora