Krystal largou tudo e todos no Morro do Cabo pra trilhar uma carreira brilhante como artista plástica no exterior. Retornando após 10 anos com o desejo de montar uma escola de artes na comunidade, ela precisa buscar a permissão da facção local, um p...
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O fim de semana de festa iniciou-se além dos limites do Morro do Cabo.
Gericinó, famoso complexo prisional também conhecido Complexo Penitenciário de Bangu. Independente do nome ou das questões geopolíticas dele, o que importa é que a liberdade de alguém batia às portas da Cadeia Pública Pedrolino Werling de Oliveira.
Quando o policial penal e o oficial de justiça anunciaram o alvará expedido em nome de Cleiton Costa Soares, a casa de pedra inteira festejou a soltura de um quase inocente.
Longe de ser santo, Cleitinho ou simplesmente Cleitin, gastou o último ano seguindo as leis do cárcere. Gostaria muito de dizer que se manteve com as vendas das poesias com as quais seus colegas de cárcere encantarem as amantes e companheiras em dia de visita ou nas quatro cartas mensais enviadas pra fora, se orgulhando em nunca ter repetido poema algum – até porque se alguma delas descobrisse, quem amanhecia com a corda do ventilador em volta do pescoço, a forma favorita do corre finalizar seus internos no chamado Sufoco, era ele. Contudo, nesse um ano e seis meses de privação, houveram poucas coisas às quais não se submeteu em troca de itens básicos de higiene, vestuário e alimentação, ou dos cigarros servidos de moeda de troca onde não se podia usar dinheiro.
Cartões virtuais clonados, falso sequestro, golpe da falsa central bancária. Ele nem servia pra ser bandido, pedindo perdão aos santos por cada princípio ferido em nome da sobrevivência. Injusto seria deixar para Maria da Graça a bronca de custear a casa, os advogados e a pensão da filha dele, seu maior tesouro. Choraria suas culpas por todas vítimas não fosse o ambiente hostil que cobrava dos presos a mesma frieza emocional cobrada dos chefes de alta hierarquia nas linhas de frente.
E o que mais o sistema exigia de um pobre bucha? Boa conversa, educação, audácia e sagacidade. Bom com as palavras, apaziguava discussões, controlava motins, angariava novatos para a Causa. Tão bom em articular alianças, tornou necessária a criação de um cela específica para os novos bilheteiros convencidos por ele esperarem a aceitação de outras lideranças para o ingresso separados dos membros de suas facções originais. Com um poder de aliciamento desses, teria o próprio bando não fosse a lealdade tremenda à Marola, padrinho dele à contragosto só para não decepcionar Gracinha. O patrão o achava um puta bunda mole imprestável fora das grades, que bom que em algum lugar ele tinha serventia, no fim das contas.
Tampouco Cleiton queria essa vida pra ele, nunca quis. Entrou no bando por proteção na primeira vez que cumpriu pena por furto em Japeri – a caixa de leite mais cara que pegou na vida. Regenerado desde a primeira saída, iniciava uma carreira promissora como DJ e MC nos bailes patrocinados pela TdC quando caiu nessa roubada. Tão bom de coração, sentiu pena por imaginar que a primeira ação da esposa após sua prisão foi estourar a cara do malandro vendedor com seu antigo AR-15, pois não gostava de violência – apesar dela ficar linda toda marrenta portando um fuzil.
Ah, Maria da Graça... Sua rainha dos lábios vermelhos e olhar penetrante sempre bem delineado em lápis kahal. Como indenização, esse lugar insalubre trouxe de presente o amor de sua vida. Se conheciam há anos graças à escola, mas foi só quando seu olhar cruzou no de Gracinha nas celas do interior que Cleiton, muito ferido pelo divórcio recente tirar dele o sonho da família perfeita, viu uma nova oportunidade de se entregar ao romance que iniciou tímido dada a estranheza inicial dela em receber carinho, não mero desejo sexual. Pra cima dela? Ah, amor de cadeeiro é foda. Só serve pra meter lá dentro e olhe lá! Na experiência anterior, levou chifre pro sistema prisional inteiro ficar sabendo e com tantos problemas sérios não queria mais esse. Até parece que ela ia render seus sentimentos tão fácil pra uma carinha bonita, um corpinho atlético e muito papinho gostoso. Precisou de muita poesia ao pé do ouvido pra moça dar uma chance pra esse coração apaixonado e ela só foi dar crédito quando ele, já em liberdade, tomou o lugar de Maria de Fátima nas visitas e religiosamente aparecia toda semana todo contente para rever “a rainha de bateria da escola de seu coração”.