No corre, não se chega às patentes mais altas só por ser bem quisto, bater meta de venda ou puxar saco de patrão. Nem por ser extremamente violento e capaz de matar até seus cabeças, isso te torna um problema indisciplinado e marca seu nome numa lista indesejável.
Fora o combo de lealdade, disciplina e disposição, você precisa ter as características de um líder. Saber guiar seus discípulos nas crises e na falsa paz entre uma guerra e outra. Além da lábia, maus feitos bem executados e sagacidade, se Marcílio chegou onde chegou foi por ser um excelente estrategista.
O cara não dava ponto sem nó, seja pra escolher a melhor varanda do Morro pra se divertir sem vacilar com as vigílias da Tropa, seja pra arranjar tudo pra botar a mulher certa no caminho dele. Agradando Gracinha pra ela passar mais tempo com a enteada, Michelle ficava livre pra curtir o baile sem a criança nas costas e esse era o primeiro fim de semana de Krystiellen no Cabo, claro que as gêmeas arrastariam a colega pra lembrar dos velhos tempos, um papo que nem a chata da Dona Dita, que passou pela padaria de cara virada pra ele, poderia cortar. Daí em diante, era só correr pro abraço.
A Maldita tava no papo e, porra, passando tanta vontade agora só de lembrar da gata... Se arrependeu de não ter aproveitado a trombada no galpão pra incendiar aquele chão sujo. Quem sabe assim o encanto não passava e ele voltava a ser um homem focado apenas em manter sua cabeça no pescoço e domínio no morro? Deu mole, mas nada que não tornasse esse jogo mais excitante. De hoje ela não passava ou ele não se chamava Marcílio Cabral Sobrinho da Costa, vulgo Marola, apontado no jornal da tarde como o mandante da execução de Jefferson Moraes Bastos, que teria sido acusado de delatar o tráfico na região do Cabo pelo tribunal do crime. Um trecho nublado do vídeo onde torturavam o cara em nome da facção seguido do comentário do apresentador de que pra essa morte não houve protesto dos moradores e toda a ladainha que uma horrorizada avó assistiu até a neta tomar o controle pra poder almoçar em paz.
— Misericórdia! Onde esse morro vai parar!? Você viu que absurdo, Ellinha? – oh...
Isso porque ela nem chegou a tempo de assistir a reportagem sobre a nota de imprensa que Krystal redigiu repudiando a veiculação da própria imagem em pacotes de drogas antes que o assunto estourasse e ela ganhasse uma investigação gratuita de associação ao tráfico nas costas. Acenou que a avó a esperasse engolir o suco, negando com a cabeça.
— Michelle tentou me mostrar isso aí e eu saí correndo. Só esse censurado aí já me deixa nervosa.
— É mesmo o fim dos tempos. – dona Dita protestou indignação e nojo. – Esse menino é a prova de que nem tudo melhora com o tempo, ele só piorou. Onde já se viu arrastar um menino tão bom, trabalhador, da casa da mãe pra fazer isso?
— Aí, eu sei que Marola só faz merda, mas a gente pode falar disso depois que eu terminar de comer, mãe?
— Desculpa, filha. Aliás, passei na padaria e trouxe um sonho de doce de leite pra você e pra Tória. Vou deixar aqui em... Krystiellen da Silva, o que esse celular tá fazendo em cima do sofá tando ligado na tomada? Eu já não falei que não quero? Você viu que teve uma menina que o celular explodiu assim?
— Tá bom, tá bom. Vou botar no chão... Ih, pera aí. Mimi mandou alguma coisa aqui.
— Tira da tomada primeiro, fala depois. Para dessa mania de dar sorte pro azar! – reclamou tanto que Krystiellen até desistiu de carregar o telefone.
— Tá bom, mãe. Chama a Tória lá no ateliê pra mim? A Mimi já deve tá vindo pegar ela.
— Tô aqui. Eu posso ir sozinha, dinda.
— Não vai não, Tória. Os cara do Marola tão ali na padaria, melhor não deixar tu sozinha por aí.
— Mas ninguém mexe não, dona Dita, ainda mais com a tia Gracinha com eles.
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A Teoria do Corre
RomanceKrystal largou tudo e todos no Morro do Cabo pra trilhar uma carreira brilhante como artista plástica no exterior. Retornando após 10 anos com o desejo de montar uma escola de artes na comunidade, ela precisa buscar a permissão da facção local, um p...