Capítulo 20

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- Desculpa por ter dormido tanto tempo. - Aryn sentou-se na ponta da cama da Brisana.
- Sem problemas... parece que acabei de dormir por todas aquelas noites que em fiquei acordada.
- Problemas a dormir?
- Não, eu de pequena explorava o castelo para saber mais sobre ti. - Brisana abaixou a cabeça envergonhada.
- Levanta, vamos dar um passeio e eu deixo-te fazeres todo o tipo de perguntas. - Aryn levantou-se da cama e saiu do quarto da recém-rainha.
Enquanto passava pelos corredores, Aryn viu Lady Mirian ao lado de uma criança.
- É seu filho, Lady Mirian? - questionou a Deusa aproximando-se da mulher loira.
- Aryn! - Mirian segurou os ombros do pequeno rapaz. - Sim, ele é meu filho.
Aryn observou o rapaz. Ele era de facto como a mãe, loiro e belo, mas os olhos roxos como Delias recordavam alguém. Aryn abaixou-se para ficar da altura do menino.
- Quantos anos tens?
- Nove anos, minha senhora. - O pequeno rapaz sorrio orgulhoso.
- Quase um homem. Quem é o teu pai? - Aryn desviou o olhar para a mãe da criança e viu receio no seu olhar.
- O general Rohan Snotheon, o meu nome é Jon Snotheon.
- Tia! - Chamou Brisana aparecendo no corredor. - Vejo que conheceste a Lady Mirian e o pequeno Jon.
Lady Mirian fez uma vénia em sinal de respeito à nova rainha.
- Sim, eu conheci. - Aryn fez uma pausa sentindo algo apertar o seu coração. - Devíamos ir antes que anoiteça.

***

As duas mulheres passeavam pelo caminhos do reino com guardas a acomparnhar com uma certa distancia entre elas. 

- Estás zangada? - perguntou Brisana, quando ambas estavam longe do castelo.
- Zangada? Porquê? - Aryn acariciou o cavalo castanho que ela montava.
- O tio Rohan tem um filho, ele tem uma família... A minha mãe sempre disse que tu o amavas.
- Eu podia dizer que isso é mentira, mas a verdade é que vinte anos se passaram, mesmo eu sabendo que não podia esperar que ele ficasse sozinho para sempre.
- Tu vieste cá, no passado, eu lembro-me de ti, porque é que não ficaste?
- Eu sou uma jovem Deusa, ainda havia muito coisa para aprender e eu só tinha tempo para te ver. - respondeu Aryn.
- Como foi a tua infância? - Perguntou Brisana querendo saber mais sobre a sua tia.
- Enquanto eu vivia no castelo, foi normal. Eu não me lembro bem, eu era uma criança, mas a minha infância, enquanto estava presa, de certa forma foi boa.
As pessoas do reino faziam vénias quando a rainha passava, mas olhavam com medo para a Deusa e afastavam as crianças como se Aryn as fosse roubar.
***
Aryn e Brisana tinham chegado ao castelo, quando um guarda se aproximou da jovem rainha e sussurrou algo. Quando o homem se afastou, Aryn observou a sobrinha.
- Algo de errado? O teu coração está acelerado.
- Consegues ouvir o meu coração, mas não conseguiste ouvir o que o guarda falou!? - Brisana estava confusa.
- Eu controlo a minha audição para não ouvir coisas alheias. O que aconteceu Brisana?
- Naxos... ele está a morrer. - Brisana abaixou a cabeça e tirou as luvas que protegiam as suas mãos do frio.
Mal Brisana tirou as luvas, Aryn desapareceu deixando sombras para trás.

Num quarto do castelo, Rohan e o Naxos tinham uma última conversa. Naxos adoeceu nos últimos cinco anos e veio a piorar com o tempo, os curandeiros não encontraram nenhuma cura para o problema, só uma forma de atrasar a doença, mas o tempo acabou e não dá para atrasar mais.

- Eu estou bem, Rohan. - disse Naxos fraco.
- Tu estás mais pálido do que a Sanrya e ela é branca como a neve. - Rohan cruzou os braços.
Uma bola de escuridão apareceu e desapareceu rapidamente revelando Aryn preocupada.
- Olá, pequena! - Naxos sorriu para a mulher que ele viu crescer.
- Vais desistir?
- Rohan, por favor, deixa-nos um pouco a sós. - Pediu Naxos para o anjo. - Eu sou velho Aryn, o tempo não passa por ti, mas passa por mim.
- Isto é injusto. - Uma lagrima caiu pelo rosto da Deusa. - Eu só cheguei agora, não posso te perder. Eu preciso de ti, Naxos.
- Tu não precisas de mim, tu precisas do Rohan. - Naxos segurou a mão da mulher.
O metamorfo começou a tossir e Aryn segurou a sua mão, fortemente, tentando sugar a dor do seu velho amigo.
- Devia estar a funcionar, porque é que não te estou a tirar a dor? - Naxos limpou as lagrimas do rosto da Aryn.
- Eu não estou a sentir dor, por isso que não está a funcionar.
Aryn parou de tentar e abraçou Naxos, como uma criança que abraça a sua mãe quando tem medo da tempestade. Naxos era a mãe quando Aryn tinha medo.
- Eu sei que passaste estes últimos anos com o teu pai, mas eu nunca me esqueci de ti. Como é que eu me poderia esquecer da minha filha?
- O que é que eu posso fazer por ti? - Aryn sorriu tristemente, aceitando que, mesmo sendo a Deusa da morte, não podia quebrar o equilíbrio do Continente.
- Leva-me para casa!
Aryn voltou a segurar a mão do Naxos e concentrou-se na casa dele. Briliones, a casa do Deus Haus e dos metamorfos.
Antes da guerra, Briliones, era o reino mais belo do Continente, mas infelizmente foi destruído pela inveja e ganância.
Aryn precisou recuar muito no tempo para chegar a Briliones linda e verde.
Todos os tipos de animais andavam pelas ruas do reino, mas um em específico chamou a sua atenção. Um pequeno urso levantava as saias dos vestidos das mulheres e fugia a rir.
- És tu...

Naxos sorriu para Aryn e concordou com a cabeça.
O metamorfo era muito velho, mais velho que Rohan e mais velho que muitos seres que, agora, andavam no mundo.
O pequeno urso continuou a fazer asneiras, até que, um homem vestido de preto, agarrou o ursinho e pegou nele ao colo.
- Pequeno Naxos, sempre a causar desordem, estás a tentar roubar o meu lugar de Deus do caos? - O homem sorriu para o urso que se transformou em humano.
O velho Naxos já tinha cabelos brancos, mas o pequeno tinha maravilhosos cabelos castanhos, como caramelo, e olhos castanhos-escuros, como a terra dos campos floridos.
- Eu só estava a brincar. - O pequeno Naxos inclinou a cabeça e deu um sorriso matreiro.
- O teu pai foi como um mentor para mim. - Falou o velho metamorfo. - Ele era bom homem, até Ollein destruir a humanidade que existia dentro dele.
O metamorfo voltou a tossir, mas desta vez parecia pior, tão pior que ele teve que se segurar a Aryn.
Naxos voltou a erguer-se e sorriu em agradecimento para a sua filha adotiva.
- Vem comigo, vou te levar para o sítio onde os matamorfos morrem. - Indicou Naxos.
Aryn seguiu pelas ruas do reino, ouvindo risadas e cantorias que fizeram um sorriso crescer no rosto dela. Ela queria saber como o reino do Deus do caos era tão feliz e colorido. O seu pai raramente falava de Briliones e era fechado em relação ao passado.
A mulher de cabelos negros olhou as ruas coloridas, com casas de todas as cores e de todas as formas, era completamente diferente de Windrom que era branca e gelada.
Naxos e Aryn chegaram a um campo de Delias, o mesmo campo onde conheceu Azessian, e pararam observando o lugar. Árvores cercavam o campo e o sol brilhava no alto, fazendo o roxo das flores brilharem, como os olhos do Rohan.
- Eu volto a ver-te noutra vida, minha querida Aryn. - Naxos encostou a testa contra a da Aryn e deixou uma lágrima cair.
- Eu vejo-te em breve, meu pai. - Aryn abraçou uma última vez o seu amigo e chorou sabendo que seria a última vez que sentiria o calor dos braços do Naxos.

Naxos se afastou e foi para meio do campo onde se transformou uma última vez num urso enorme e rugiu tão alto que os pássaros das árvores levantaram voo e a água dos rios pararam.
- A natureza vai cuidar dele. - uma voz poderosa se aproximou da Aryn.
- Como é que me consegues ver? - Aryn perguntou a Haus.
- Eu sou um Deus poderoso, eu consigo fazer muitas coisas julgadas impossíveis... Presta atenção, não vais querer perder isto. - Haus apontou para o urso enorme que se levanta ficando de duas patas e rugindo cada vez mais alto.
Trepadeiras começaram a percorrer o corpo do urso até que o último suspiro foi dado. A natureza estava a levar o corpo dele para um lugar que só metamorfos vão.
As trepadeiras desapareceram e Naxos já não estava lá. Ele tinha partido como o vento que nunca mais voltava.

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