Parte III - A Guerra (Capítulo 22)

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- Azessian não vem? – perguntou Brisana à tia, enquanto esta, levava uma uva à boca.
- Não, ele teve que ir buscar algo para mim. – respondeu Aryn antes de comer a uva.
- Ele teve que me ir buscar. – Uma voz grossa e sedutora falou perto da Aryn.
- E tu és? – Brisana perguntou com um olhar superior.
- Rafy Bornbreeze, ao seu dispor. – Rafy beijou a mão da rainha deixando todos no salão de festas chocados.
- Afasta-te Rafy. – ordenou Aryn.
- Não fiques com ciúmes, meu amor, eu nunca te trocaria. – Falou Rafy com um sorriso malicioso enquanto segurava a cintura da Deusa.
Rohan observava a cena com raiva. Raiva por um desconhecido ter entrado no castelo sem ele saber, raiva por esse mesmo desconhecido ter tocado na Brisana... e na Aryn.
O homem de cabelos ruivos, vestia um fato bordô sem camisa por dentro deixando ver todos os colares em volta do seu pescoço. As suas mãos estavam embelezadas com anéis em praticamente todos os dedos e tinha uma pulseira delicada no pulso esquerdo, acompanhada de um relógio sofisticado. Todas as joias eram em ouro, ostentando a sua riqueza.
Rafy não se importava, de todo, com o que os outros pensavam sobre si, mas gostava de causar impacto com a sua imagem.
Mas a sua beleza não foi o motivo da Aryn o ter chamado.
- Chegaste rápido. – disse Aryn bebendo vinho.
- Se eu fosse um anjo teria demorado, mas eu sou um dragão.
Dragões eram raros, algumas pessoas até consideravam mito. Rafy era um dragão dourado, muito poderoso.
- Vem comigo, vou te apresentar às pessoas com quem vais trabalhar nos próximos dias.
A história da Aryn com o Rafy era interessante. Rafy treinou com a Aryn, todos os dias nos últimos vinte anos.
Como dragão, o ruivo precisa de um cavaleiro para montar. Um dragão e o seu cavaleiro devem ter o mesmo nível de poder e quando Aryn apareceu no mundo dos Deuses, houve uma ligação entre ela e o Rafy.
Mesmo não querendo o ruivo de olhos dourados apaixonou-se pela sua cavaleira. Mas ele nunca admitiu, porque ele sabia que, mesmo longe, ela ainda amava o anjo de cabelos azuis.
- Estes são Caspian Hastblack, marido da minha irmã e Rohan Snotheon, marido da Lady Mirian.
- O anjo e o lobo, ouvi falar muito de vocês os dois.
Rafy estendeu a mão, mas só Caspian apertou a mão do dragão. Rohan olhava Aryn confuso por ela saber da Mirian.
- Desculpa se ofendo, mas quem és tu? – perguntou Caspian amigavelmente.
- O meu nome é Rafy e sou amigo da Aryn.
- Rafy é um dragão, suponho que o possam por a par dos planos para o que o futuro nos guarda.
- Posso conversar contigo por um minuto, Aryn? – falou Rohan.
- Claro.
Aryn e o Rohan afastaram-se do salão de festas, pararam no meio do corredor e ficaram a olhar um para o outro.
- Sério que trouxeste um homem para a festa em homenagem ao Naxos?
- Eu não trouxe ninguém, era suposto ele ter chegado ontem. – Aryn cruzou os braços. – Rafy vai ser uma grande ajuda nesta guerra.
- Vejo que desististe da ideia de ter um hipogrifo e optaste por um dragão. – Rohan encostou-se contra a parede.
- No mundo dos Deuses não havia hipogrifos, tive que improvisar. – Aryn sorriu para o anjo. – Viste o que tinha a caixa que te dei?
- Uma pedra, é essa a forma de dizeres que sou cabeça dura?
- Não... - Aryn riu. – É uma Sarico, uma pedra do mundo dos Deuses, que
normalmente as pessoas oferecem umas às outras.
- Oferecer pedras?
- São pedras com magia, onde podes guardar memorias e ao oferecer a alguém, esse alguém pode ver momentos da tua vida. – Aryn fez uma pausa e sentou-se num banco que tinha debaixo de uma pintura. – Na pedra que eu te dei, tem memorias dos meus últimos vintes anos, se quiseres ver é só tocares na pedra e dizer aquilo que queres ver.
- Vocês dão pedras? – Rohan fez uma cara estranha.
- Tu não ouviste nada do que eu disse?

***
- Precisas de ajuda? – Perguntou Aryn para o anão que arrumava panelas em armários.
- Quem é vivo sempre aparece.
- Desculpa a demora. – Aryn abaixou a cabeça culpada.
- Mais vale tarde do que nunca... O que te traz à minha humilde cozinha?
Aryn olhou a sua volta e notou que de humilde não tinha nada, aquela cozinha era maior que uma casa e tinha todo o tipo de instrumentos para proporcionar as refeições para o todo o tipo de espécies.
- Eu vim fazer uma visita.
- Pega numa fatia de bolo e num copo de leite, temos muito que conversar. – Hoddy desceu das escadas que usava para chegar aos armários altos.
Aryn fez exatamente o que Hoddy disse e durante horas eles os dois conversaram sobre muitas coisas, principalmente o que aconteceu nas últimas duas décadas.
- Vejo que estão a dar uma festa sem mim. – Fauser estava com braços cruzados a olhar para os dois amigos.
- Junta-te a nós Fauser, vamos brindar ao Naxos. – Disse Hoddy ao pegar em três taças para beber vinho.

***
- Vamos descobrir o que tu andaste a fazer nestes anos. – Rohan tinha pousado a pedra numa mesa e tocou nela pensando o que queria ver.

A música vinha de uma harpa que tocava sozinha, não havia ninguém no salão de ouro, para além da Aryn e do Rafy que dançavam juntos. O longo vestido azul-escuro rodava conforme os movimentos da Deusa. Uma das mãos do Rafy estava pousada na cintura da Aryn e a outra segurava a mão da mesma. Ninguém falava, o som da harpa era suficiente para aquele momento.
Naquele momento a única coisa que passava na cabeça da Deusa era como ela se sentia segura e quente nos braços do dragão.

A imagem mudou.

- Não é assim tão difícil, Aryn. – Rafy estava à frente da Deusa.
- Fácil para ti falar, senhor asas grandes. – Aryn bufou.
- Pensa em algo que te deixe feliz, vamos trabalhar com emoções positivas. – Indicou o ruivo.
Aryn começou a pensar em algo e uma enorme bola de escuridão começou a se formar entre as mãos dela.
- PARA. – Gritou Rafy. – Não podes pensar nele.
- Não sei do que estás a falar.
- Estavas a pensar no anjo, se continuares a pensar nele na altura de te controlares pode ser um desastre.
- Porquê?
- Não é por mal, mas tu estás aqui... e já faz dez anos que vocês não se vêm, achas mesmo que ele não está com alguém nesta altura?
- Ainda não entendi o que queres dizer. – Aryn estava confusa.
- Se te concentrares nele e depois, quando voltares para lá e vires que ele seguiu em frente, essas emoções podem passar a ser negativas.
- O que eu devo fazer, então?
- Pensa em algo que tenhas a certeza que nunca vais perder, como por exemplo, eu e o Azessian.

A imagem mudou e agora era Aryn a andar em corredores de ouro.

A Deusa abriu a porta de um quarto e por longos segundos olhou para o homem à sua frente.
- Um pouco de privacidade, por favor. – Rafy tapou certas zonas com uma toalha e Aryn ardeu de vergonha enquanto virava as costas e tentava esquecer o que viu.
- Desculpa, só te vim avisar que hoje de madrugada vamos tentar treinar.
- Sério que é só isso? Estranho, por momentos pensei que querias algo mais. – A voz do dragão estava ainda mais grossa que o normal.
- Não sejas idiota, ruivinho, sabes muito bem que não quero nada contigo.
- Aryn, Deusa da escuridão e da morte a destruir o meu coração.

O cenário agora era diferente, um enorme campo e um céu escuro e estrelado.

Aryn estava sentada na erva a olhar para cima. O som de asas e o vento forte atrás da mulher de cabelos negros, chamaram-lhe a atenção.
- Estava a ver que nunca mais chegavas. – Falou ela para a criatura que aterrava no campo com umas asas poderosas que podiam, facilmente, destruir aldeias, escamas douradas duras como uma armadura, os olhos dourados que pareciam ouro derretido.
O dragão encostou o focinho contra a mão da Aryn e a mesma deixou-se sentir o calor da respiração do dragão.
- Achas que é hoje que conseguimos? – perguntou Aryn.
Houve uma pausa, como se o dragão estivesse a falar pelo pensamento.
- É... também duvido, mas devemos tentar...
Aryn olhou profundamente nos olhos do dragão, mas nada aconteceu.
O dragão e o seu cavaleiro devem ter uma ligação, não só para entender a mente um do outro, mas também para partilhar os poderes.

Rohan larga a pedra e desaba no cadeirão próprio para as asas dele.
- Pelos Deuses, o que estou eu a fazer?
- A ver se ela te superou. – A voz meiga e carinhosa vinha das escadas.
Lady Mirian estava no último degrau das escadas com um sorriso solidário.
- Eu...
- Não precisas de te justificar, provavelmente eu faria a mesma coisa se estivesse no teu lugar.
Rohan levantou-se e dirigiu-se até a sua esposa.
- Desculpa. – Rohan segurou o rosto de Mirian e beijou os lábios dela.
- Não peças desculpa, não controlamos os nossos sentimentos e eu sei que ela vai sempre ser primeira que amaste. Mas eu espero ser a última.

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