Capítulo 19

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- O que fazes aqui? – perguntou Rohan quando fechou a porta da sala de guerra, atrás de si.
- Eu vim fazer uma visita. – Aryn observou a velha mesa que era o mapa de todo o Continente. – Nunca cheguei a sair de Windrom, sabes?
- Agora vives num mundo diferente.
- O mundo dos Deuses não é assim tão diferente, general. – Aryn olhou para Rohan pela primeira vez desde que ele tinha chegado ao castelo. – Uma guerra vem a caminho.
- Estamos em paz com todos os reinos. – Rohan cruzou os braços e não deixou a sua máscara de general cair. Até saber as verdadeiras intenções da Aryn, ele não baixaria a guarda.
- Eu estou a falar de uma guerra entre mortais e imortais, humanos e Deuses... Uma guerra que, nem mesmo, o poderoso anjo Rohan pode impedir de acontecer.
- Mas posso vencê-la!
- Podes, mas sangue vai pintar as ruas durante muito tempo.
Aryn sentou-se na cadeira do topo da mesa, reservada à rainha, e suspirou como se um peso saísse do seu corpo.
Há vinte anos atrás, Aryn tinha obtido a liberdade, mas mesmo livre e no controlo do seu poder, sentia-se presa numa cela nas profundezas de um castelo.
- Algo correu mal, naquele dia? – perguntou Rohan percebendo o que se passava.
- Há duas décadas atrás, duzentas pessoas desapareceram neste reino e mais duzentas desapareceram em cada reino do Continente. Essas pessoas tornaram-se o meu povo no mundo dos Deuses...
Em tempos, Deuses e mortais viviam juntos, mas quando Haus morreu, criou um mundo para onde Deuses e seus seguidores, iam depois da "morte" dos Deuses.
Ao todo, eram seis Deuses, um Deus para cada reino. Ollein, Deusa do reino de Windrom. La Queeniar, Deusa do reino de Barafall, reino do vinho e do sol brilhante. Apodom, Deus da música e das artes, pertencia ao reino de Tessegard. Perfesios, Deus do amor e dos mares, era Deus do reino Atlantqueen. Damenius era o Deus dos céus e dos animais, Deus do reino Skitrum. E por fim Haus, Deus do reino queimado, Briliones.
Briliones ardeu depois da morte de Haus. O Deus só conseguiu salvar duzentas pessoas para o novo mundo e, como tal, ele decidiu que cada Deus só podia ter duzentos súbditos.

Aryn, como não era Deusa de nenhum reino, levou duzentas pessoas de cada reino para o novo mundo.
- Há algo mais? – Perguntou Rohan.
- Nunca confies em Deuses. – Os olhos da Aryn mudaram de cor, o azul oceano virou verde, como se tivesse chamas a queimar dentro dela.
- Então eu não devia confiar em ti?
- Confia naqueles que se sentam à mesa...
Aryn desapareceu deixando uma caixinha em cima da mesa.

***

- Fauser! – chamou Sanrya pelo duende.
- Sim, rainha?
- A minha filha é a rainha agora, não eu. – Corrigiu Sanrya.
- Erro meu. – Fauser pousou a mão no peito.
- Aryn?
- Ela está hospedada do outro lado do castelo, Azessian está no quarto ao lado. – Respondeu o duende.
- Devo ficar preocupada com a presença dela? – Sanrya abraçou o seu próprio corpo.
- Não acredito que a sua irmã seja uma ameaça.
- Espero que tenhas razão, Fauser.

***

- Como foi o reencontro com o anjo? – perguntou o demónio.
- Difícil de descrever. Ele estava frio. – Aryn deu um gole do seu vinho.
- Ele acreditou na guerra? – Azessian cruzou a perna direita sobre a esquerda.
- Também é difícil dizer.... Estamos a falar de um anjo com trezentos e vinte anos e que participou em mais batalhas do que qualquer um pode contar.
- Eu realmente não entendo o porquê de ele ser importante. – O demónio olhava para a mulher que observava o reino pela janela.
- Ele é uma lenda, histórias dele são contadas todas as noites, as pessoas têm medo dele e o respeitam, para esta guerra nós precisamos disso. Ninguém vai seguir uma Deusa que nunca participou numa batalha
- E para além do mais, temos Ollein como inimiga. – Azessian revirou os olhos.
- Como está a minha sobrinha?
- A dormir, Naxos quase me matou quando a deixei no quarto dela... parece que os teus rapazes arranjaram outra protegida.
Aryn continuou a observar o reino até que sentiu um farfalhar numa casa não muito longe do castelo. Sombras começam a sair do corpo da mulher e a percorrer as paredes até saírem do castelo e percorrer o reino em busca da casa.
As sombras eram como os olhos e ouvidos da Aryn naquele momento. Enquanto percorria o caminho até a casa desconhecida, a Aryn viu uma mulher a ser encostada numa parede por um homem numa taberna, ouviu gritos e risadas, ouviu o rio correr e o vento a tentar apanhar a água. Mas quando chegou à casa, ela não pensava que veria tal imagem. Pela janela do quarto, Aryn, viu Rohan com uma mulher no seu peito. Ambos estavam nus e conversavam.
Por algum motivo desconhecido, Aryn sentiu-se traída e esquecida.
Era errado, mas Aryn continuou a observar o casal e foi quando Rohan se levantou que ela reconheceu a mulher loira deitada na cama. A mulher era Lady Mirian, filha do Lorde Tamhys. Ela tinha envelhecido, mas envelhecido de uma forma boa. Os olhos verdes pinho pareciam mais escuros e brilhantes, o corpo de criança tinha evoluído e era, agora, de uma mulher de quarenta e quatro anos. Dava para perceber alguns fios de cabelos brancos no meio do loiro ouro.
Aryn sentiu-se insegura e como uma criança, naquele momento. Embora Aryn seja um ano mais velha que a Lady Mirian, ela não envelheceu nas últimas duas décadas. Ser imortal significa que o tempo passa muito devagar pelo corpo. A única coisa que mudou na Aryn foi o cabelo que tinha crescido e ficado mais escuro, mas de resto, ainda era a mesma magrinha do passado.
Rohan e Mirian acabaram por se juntar depois de tanta partilha de histórias, o anjo sentia se seguro com a humana e quando finalmente percebeu que a Aryn não ia voltar deixou se levar pela Mirian que adorava falar enquanto Rohan adorava ouvi-la.
Aryn decidiu que já viu demais e voltou para o seu quarto.
- Tu estás pálida, o que viste? – questionou Azessian ainda sentado na cadeira perto da lareira.
- Eu vi uma forma de trazer o anjo para o nosso lado da história.

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