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Maki encara o céu, como uma pintura que acabou de perder toda a felicidade e só tem memórias como amigas.

Ela alonga o pescoço e suspira, me olhando dessa vez.

– Primeiramente não quero que você tente ver pelo lado bom da situação. Não existe lado bom e eu sou realmente um lixo. Nada mais do que isso. Não gostaria de te dar esperanças falsas quando obviamente eu sou a única filha da puta da história, mesmo que Momo tenha sido uma também. – eu mesma não admitiria mas achava impossível a achar mais cuzona do que já achava. Ainda assim, fiz um sim com a cabeça, a incentivando a continuar.

Maki passa a mão suada pela calça e decide brincar com as cinzas do cigarro que provavelmente mancharão seus dedos.

–  Você sabe quando somos crianças e fazemos umas brincadeiras bestas umas com as outras? Tipo aquelas de marido e mulher, faz de conta de casinha e por ai vai?

Assenti, franzindo o cenho para tal pergunta que na hora não fez muito sentido.

– Eu sempre fingi viver em uma realidade dessas. A minha era um pouco melhor, admito. Quer dizer, a época de casinha era meio ultrapassada, mas a de que eu poderia fazer qualquer coisa e me safar era mais real, sabe?

– Parece meio irresponsável para mim.

– Ah, e era! Eu sabia disso, mas eu ainda era fraca demais para aceitar a realidade que eu definitivamente não queria viver. As brigas com meus pais eram desgastantes o suficiente, eu não queria ter que tornar minha vida apenas isso. Sabe, meus pais são conservadores e definitivamente só não completamente me deserdaram por causa da faculdade de medicina, apesar de que eles preferiam que eu tivesse escolhido algo que me fizesse mais poderosa como ser juíza ou algo do tipo. No final do dia eles só me desaprovavam mesmo. Piorou quando eles descobriram que sou lésbica. Sinceramente eu poderia passar horas falando o quão difícil e complicado foi ter que ouvir todo dia o quão minha irmã era mais certa e brilhante que eu, mas acho que você não precisa dessa baboseira contigo. Enfim, eu era revoltada e negada e isso me fez ficar rebelde até demais. Foi quando conheci Momo...

O segundo suspiro da noite sai de seus lábios e ela encarou o horizonte enquanto me falava sobre a loira.

– Ela era... Uma ajuda. Um porto seguro que não oficialmente me namorava mas também não dava para dizer que não existíamos na vida uma da outra. Sinceramente - e estou falando bem sério - não me arrependo de ter a conhecido. Me arrependo de ter sido infantil com a mesma, mas admito que ela me deu uma ajuda que eu não imaginaria merecer. O problema foi que minha mente burra e irresponsável enjoou dela, e ela se apegou ainda mais a mim, mesmo com a rejeição. Sabe, antes de tudo ela era minha melhor amiga. Não dava para deixar de lado por mais que soubéssemos que desde o começo éramos algo de momento. Por isso ela tem uma pulseira que nem a sua - e me desculpa por ter te dado uma igual, eu não exatamente pensei na hora -, ela significa algo para mais. No caso, significou até o ponto que me sufocou com todo o grude. Eu tracei limites, tentei a afastar mas era difícil, sabe. Depois dela eu virei uma completa babaca mas ainda mais babaca com ela. A beijei muitas vezes depois de acabarmos com tudo e mais vezes ainda transei com ela, – fiz uma careta e Maki segurou minha mão – mas parou. Quando te conheci. Eu parei de beijar tantas pessoas. Parei de a ver, juro que parei!

Balanço um pouco a cabeça, meio confusa.

– Mas e a foto de vocês duas?...

Ela franze o nariz e solta minha mão.

– Eu... Nesse dia eu a pedi para não me ver mais. Eu não queria que ela nos atrapalhasse, eu realmente me entreguei a você mais do que eu planejava e não quis estragar isso. No final tudo deu errado, mas seja lá o que Momo te contou nada disso aconteceu no presente. Hoje eu estou desesperadamente e amargamente apaixonada por você.

Esbocei algumas palavras na boca, nenhuma pronunciada.

Tento prender minhas lágrimas nos olhos e paro de a olhar para encarar as estrelas já aparentes no céu preto.

– Eu... Queria ter ouvido isso antes. Tudo isso me machucou muito Maki. Por que você não falou antes? Eu teria te aceitado de qualquer jeito.

Nesse ponto seus olhos estão úmidos e sinto que vou chorar também. Ela olha para o lado oposto e diz:

– Não quis te sobrecarregar com as merdas que me cercam. Eu sozinha já sou muito conteúdo, você é incrível demais para ter que dividir o peso de uma família homofóbica comigo.

Suspiro e viro seu queixo para mim.

– Eu ainda to chateada, ok? Queria ter te ajudado com tudo isso, você não precisava aguentar esse fardo sozinha.

Seus olhos brilham e um mini sorriso aparece em sua boca.

– Mas...?

– Mas, – dou ênfase nessa palavrinha – eu agora entendo sua parte. Acho que te perdôo. Você me da um tempo? Não precisamos nos ignorar mas... Vamos com calma, ok?

Seus olhos brilham e ela me rouba um beijo na bochecha, o que me surpreende um pouco.

– Todo o tempo que quiser, princesa.

Tremi com a saudade desse apelido. Estar longe de Maki me trouxe muitos sentimentos confusos mas o que eu sentia no momento eu sabia de cor: aconchego. Eu estava em casa.

Ela me abraça e eu inspiro seu perfume, o perfume que ficou em minhas roupas por semanas.

Era uma sensação boa demais a abraçar. Mas a soltei. Não poderíamos ir rápido demais novamente e destruir tudo o que conseguimos consertar com uma conversa.

– Eu ainda não te perdoei completamente!

– Ok – ela responde parecendo murchar.

– Não fique assim. Já foram melhoras demais para uma noite, não acha?

– Porra, poderíamos repetir isso todo dia até você me aceitar de volta.

– Vai ser um pouco mais difícil me ré-conquistar.

– Vamos ver – ela rebate sorrindo.

Temos uma mini discussão sobre se o horário é apropriado para pegar um Uber - não era - e se seria realmente só uma carona se ela me levasse - provavelmente não seria, mas ela não me escutou nem um pouco quando protestei. Por isso acabei em seu carro, no banco de trás pois ninguém deveria confiar em Maki Zenin. Pelo menos não nos truques sedutores dela.

Ela parecia rir da situação mas eu fui firme quando bati a porta do banco traseiro, e ela ainda assim não parava de me dar olhadas pelo retrovisor. Ignorei todas com a intenção de não fazer meu coração errar batidas.

Ela parou o carro na frente da minha casa e se virou, apoiando o braço no banco passageiro.

– O moça, como cê vai me pagar?

Ri um pouco de seu sotaque forçado mas logo respondi:

– Vou te pagar não te dando um fora.

– Só isso?

Dou um sorrisinho e a beijo na bochecha.

– Boa noite Maki.

– Boa noite Nobara.

Consegui dormir sorrindo naquela noite.

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obrigada pelas 8k de leituras eu nunca imaginei que essa fic cresceria tanto, vcs fazem meu dia toda vez que eu recebo uma not <3

University • nobamaki Onde histórias criam vida. Descubra agora