Ain't Move On • L.S. (mpreg)

IV

Apesar de na infância Harry se sentir como o mais deslocado de todos, ele não era o único. E bastava olhar para o lado para saber. Se não fosse a pouca idade lhe impedindo de perceber que as pessoas a quem ele era mais íntimo também se sentiam do mesmo jeito, ele se sentiria um pouco menos pior consigo mesmo. 

A começar por Clarisse, por exemplo, que no auge dos seus oito anos, enquanto as outras meninas conseguiam ser extremamente sociáveis e carinhosas umas com as outras, Clarisse não se encaixava neste tipo. Naquela época tivera apenas uma amiga (que até gostava bastante dela, mas não podia lhe dar tanta atenção pois também tinha outras amigas importantes), por isso Clarisse costumava passar muitas das suas horas livres sozinha.

Em um dos muitos passeios solitários que ela fez, era tempo em que o mês de novembro minguava nos seus últimos suspiros de frescor e o inverno se insinuava na brisa gélida e a menina pedalava no entorno do parque quando se deparou com dois menininhos fazendo o mesmo percurso.

Embora eles fossem tão novos que precisavam andar com seus pais em qualquer lugar e Clarisse já se preparava para ir para o ensino fundamental (o que lhe deixava cada dia mais apavorada), os três acabaram passando aquela tarde juntos.

A brincadeira continuou na tarde do final de semana seguinte. 

E nas tardes posteriores.

Eles se vira. voltando a aquela mesma praça quase todas as tardes. Nas de primavera e nas de verão. Nas de outono. Com um pouco menos de frequência nas tardes invernais - porque seus pais não o deixavam sair em tempo de nevada.

Clarisse gostava de ficar com eles, achava-os tão fáceis de lidar que ela se sentia totalmente sem vergonha. Conhecia uma versão nova de si, maia falante e escandalosa, completamente diferente de como ela era na escola ou em casa. Como ela não se importava com os julgamentos deles, ela não se sentia atada pela timidez. Mas isso nunca fora uma preocupação real, eles adoravam a companhia dela e, além de a aceitarem genuinamente, também a admiravam devotamente, sentimento que pouco fora direcionado para ela antes delwa.

Pelos anos que se seguiram, a relação do trio prosseguiu fácil e divertida. Mas mesmo que o acréscimo de apenas dois ou três dígitos pareça bobo, na infância o pouco se torna muito e o fator gênero atenua exacerbadamente essa diferença.  

Ela começara a sentir o impacto disso na pré-adolescência. A diferença de idade que até então não fora relevante, começou a incomodá-la - se para os garotinhos ainda era legal ter uma amiga mais velha, para ela, brincar com dois pirralhos manchava sua reputação... que já não era das melhores.

Pouco depois de completar seus onze anos de idade, após os meninos notarem certo afastamento da amiga querida, o trio enfrentou um momento crucial: “você vai parar de falar com a gente só porque vai pra escola secundária e vai entrar no grupo daquelas meninas metidas e chatas” acusaram Harry e Niall ressentidos e ameaçados.

E, bom, por mais que o interesse da garota não fosse mais passar longas tardes conversando sobre Sailor Moon, por mais que sua personalidade estivesse há décadas avançada (afinal, ela já tinha entrado na idade com dois dígitos), por mais que ela estivesse finalmente experimentando o sentimento de paixão, ninguém ainda a notava. Tampouco ela entraria para o grupo das meninas metidas e chatas, mesmo que em segredo ela desejasse muito.

Portanto, talvez pelo medo da solidão, Clarisse negou imediatamente, dizendo que continuaria amiga deles para todo o sempre. 

Felizmente, por escolha ou não, o blefe se tornou fato dia após dia. Anos mais tarde tivemos a jovem Clarisse com seus quinze anos e recém-beijada pela garota que gostava ainda tolerando os amigos em seu encalço. Ela não deixou de ajudar Niall com seus topetes elaborados e Harry com a pouca coordenação motora na hora dr pintar as próprias unhas. E em retribuição, eles a ouviam falar de suas paixões por longas horas e, de certa forma, ainda a salvaram da solidão.