XXIV

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Achei essa att condizente com uma quarta-feira de Cinzas


Harry precisou de três minutos para assimilar a realidade. O quarto escuro. O frescor úmido, noturno e outonal. O foco de luz pálido que se derramava pela brecha da cortina da janela e deitava-se ao seu lado na cama. O travesseiro frio que ele agarrava como se fosse alguém. 

Três minutos para constatar a solidão em que estava, para descobrir que o que acabara de lhe ocorrer, na verdade, não passou de um sonho.

Pronto. Lágrimas e mais lágrimas esvaíram-se de seus olhos. E em pouco tempo o ar chegava com muita dificuldade aos pulmões. 

Ele chorava copiosamente, e se sentia sufocado.

Essas crises. Harry não sabia como lidar com elas. Com essa frequência angustiante, com essa facilidade revoltante, com essas durações nauseantes.

Ao menos esta era por um motivo plausível. O universitário tinha sonhado com o ex-soldado. No sonho, era beijado por inteiro. Boca,  testa, pescoço, ombros, mãos, pernas, virilha, barriga. Cada centímetro do seu corpo marcado pelo toque aveludado dos doces lábios alheios. E não somente, enquanto era confortado por beijos e toques, seu coração era preenchido pelos dizeres de Louis. 

Ouvia-o declarar o quanto gostava de si e murmurar próximo ao seu ventre "você está sendo boazinha com a mamãe, sim?". Puta que pariu. Se não essa, qual era a razão mais plausível para chorar logo após acordar?

Além disso, ultimamente, mais especificamente há três noites consecutivas, era árdua a batalha contra elas. Lágrimas lhe surgiam sem motivos nenhum. Apenas vinham.

Para citar um exemplo, ontem chorara durante o café da manhã inteiro, mal conseguira comer, e por mais que tenha lavado o rosto duas vezes antes de sair do apartamento para ir para a aula, o caminho até o destino foi salpicado de lágrimas furtivas que cortaram suas bochechas e atingiram o chão.

Estava sendo difícil para caralho.

E se, durante o dia era assim, imagine a noite, quando todo o seu redor era enegrecido pela frieza da escuridão e pelo silêncio enlouquecedor da solidão. Um grande desafio.

Harry tentou acalmar a mente e o coração, mas não conseguiu. Ele precisava parar de chorar, a bebê estava perturbada, ele a sentia protestar dentro de si. Isso o perturbava ainda mais. Ele também precisava dormir, tinha o dia seguinte todo pela frente. 

Não podia escapar de mais um dia. Não podia se perder por mais uma noite. Por mais que sua vida estivesse uma merda, ele sabia que tinha que seguir em frente. E o mais firme que fosse capaz.

Mas era como estar em cima de uma corda bamba. Harry nunca se esforçou tanto para ficar bem quanto estava se esforçando agora. Nesses últimos meses. Nunca foi tão obstinado, tão insistente, tão petulante contra as forças que sempre o tiveram dominado. Ele estava tentando.

Ganhou várias batalhas, mas elas também ganharam algumas outras. Assim como ele, elas não desistiam. E estavam insatisfeitas por todas essas lutas. Afinal, para elas era novidade ter que lutar por poder. Nunca precisaram disso. E estavam ambiciosas para retomar o posto mais alto daquela hierarquia. 

A corda bamba. Harry não sabia como se sustentar por muito tempo. Sentia que cairia a qualquer momento.

Levantou-se da cama e seguiu com pressa para o banheiro. Enfiou seu rosto debaixo do chuveiro ligado e sentiu a água gélida amortecer-lhe a face e eriçar-lhe pele e pelos. Esfregou o rosto obsessiva e furiosamente.

A corda bamba. A cada queda, um machucado diferente. E era tão perigoso cair agora, porque agora não era apenas ele quem se machucava. Ele estava grávido. Cair também botava a bebê em risco. 

Ain't Move On • L.S. (mpreg)Onde histórias criam vida. Descubra agora