Frio

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Taehyung chegou à patente de almirante na marinha espacial rapidamente, ficando logo conhecido como o mais jovem almirante Kim, inconfundível com sua metade robótica e longos cabelos azuis sempre soltos por baixo do quepe, com seu olho esquerdo sempre coberto pela franja: não era como se precisasse esconder o olho robótico, feito perfeitamente bem como as outras peças por um artesão talentoso, mas era seu charme. Ele foi resgatado por um general logo após o famoso acidente com o kraken, que ele contava ser o que lhe tirou os membros esquerdos, e desde então passou a servir a organização militar fielmente. Mesmo notório entre os oficiais, era discreto: ninguém sabia exatamente qual era seu histórico, de onde tinha vindo nem o que diabos estava fazendo pra cair num tanque de kraken, muito menos qual era sua motivação pra sempre insistir em caçar umas plantas que davam umas frutinhas azuis, plantadas em estufas artificiais por todo tipo de planeta; o mais curioso é que ele parecia saber exatamente a localização de cada uma delas, sempre arrumando uma desculpa pra fazer um desvio de rota até elas em cada missão, e então ele incendiava a árvore ele mesmo, com o lança chamas do seu braço esquerdo.

Foi por causa desta insistência do almirante que a marinha acabou descobrindo do que se tratava o mirtilo, e rastreando o tráfico da droga pelo mercado profundo, bem como o pirata por trás: o imortal Min Yoongi. O pesadelo das frutas azuis então estava prestes a ter seu fim, e Taehyung receberia uma congratulação como alto oficial, no entanto...

— Esse é seu último exame médico. — O general bateu com o cubo de dados na mesa, abrindo a tela de resultados de um exame de sangue.

— Tiraram uma amostra enquanto eu estava desacordado? — Taehyung tirou o quepe, balançando os longos cabelos. — Isso é uma puta falta de ética, não general? Na minha posição eu pensei poder recusar um dispensável exame de sangue.

— Dispensável? — O oficial crispou os lábios. — Então os resultados desse exame estão certos, Taehyung? É por isso que você sempre se recusou a fazê-los?!

— Se vocês soubessem que sou um lobo eu não teria chegado aonde cheguei, teria?

— Pior que isso! Você não é só um híbrido! Aqui está dizendo que você é ômega, acha que não sei o que isso significa?!

— Sim. — Taehyung se levantou da cadeira à frente da mesa do general. — Eu nasci híbrido...e com um sexo com o qual não me identifico. — Pôs o quepe sobre a mesa. — É um pecado que a União não perdoa não é general? Nascer? — Tirou o emblema de almirante do peito, também o colocando sobre a mesa. — Eu não me importo de ser expulso desse exército, nem de ser completamente esquecido: podem queimar todos os meus registros, eu não me importo. — Olhou para o mais velho por baixo da franja, ameaçador. — Mas eu vou sair desse gabinete vivo, porque ainda tenho pecados dos quais preciso me redimir, e nascer, general, definitivamente não foi um deles.

Se a União tivesse ficado sabendo daquele escândalo na marinha não teria parado até que Taehyung recebesse execução pública, mas por todas as contribuições do mais jovem almirante Kim, o general moveu sua influência para que o caso fosse abafado completamente, e pela afeição que criou ao rapaz que resgatou um dia, pediu para que ele continuasse contribuindo como caçador de recompensas: assim podia garantir ao menos que as recompensas mais altas fossem para ele.

Não era como se Taehyung quisesse problemas, também, mas Yoongi seguia vendendo as frutas pelo mercado profundo e ele ainda precisava dar um jeito de terminar com aquilo: era a única coisa com a qual se importava, fazer com que mais ninguém morresse pela abstinência de mirtilo, e então poderia morrer em paz. Bem, pelo menos, até um tenente loiro aparecer e fazer com que quisesse viver por ele.

— E aí, já esfriou a cabeça? — Yoongi entrou na câmara de refrigeração, rindo tranquilo como se metade dele não estivesse todo queimado.

— Se você me desse tempo. — Respondeu, apertando o alfa desacordado nos braços.

— Ah, mas seus lábios já estão da cor dos seus cabelos. — Se agachou à frente das barras da jaula. — Hare...quem diria que eu teria de te prender como um animal um dia? Você precisa aprender a controlar esse seu braço.

— E você precisa ir cuidar dessas queimaduras.

— Que você fez? Pff... — Ele riu, debochado. — Na minha próxima reintegração vai estar tudo resolvido. — Olhou pra própria mão em carne viva: o lança chamas do lobo ciborgue lhe fez um estrago, mas... — Acha que já não passei por coisa pior? Huff. — Se levantou. — Você é só um adolescente revoltado.

Taehyung não respondeu mais: estava frio, precisava guardar energia pra esquentar ele e Jimin juntos no pior dos casos; além de que já sabia o que viria e esperava conseguir lidar calado.

— Sinceramente...o que foi que eu fiz pra você não entender? — Ele começou, andando em círculos pela câmara de resfriamento, nem um pouco afetado com a temperatura ou com a dor das suas queimaduras. — Ter sido expulso da marinha por ser híbrido e por ser homem não foi o suficiente pra entender o tipo de doença que é a raça dos puros? — Taehyung o olhou com uma cara de espanto que não passou despercebida. — O quê? Achava que eu não sabia? Que eu acreditei mesmo que você estava morto? Huhuhu... Ah... Taehyung... — Ele balançou a cabeça. — Eu adotei todos os meus tripulantes como filhos, conheço bem cada um de vocês.

— Então por que...? — Taehyung sibilou, tentando entender. Se Yoongi sabia desde o começo, então...

— Eu não fui atrás de você, porque entendi que se você e o Nam inventaram um plano mirabolante desses era porque você não queria mais estar comigo. — Parou, voltando a se agachar perto dele. — Eu posso aguentar a rejeição de um filho, Taehyung: como eu disse antes, eu nunca deixei de amar você. — Taehyung prendeu a respiração diante do olhar perfurante do antigo capitão: Jimin começando a tremer e murmurar no seu colo. — Eu até tentei ignorar que era você na marinha acabando com o meu negócio, até porque se não fosse por você ter achado a fruta, ele nunca teria começado, então meio que ficamos quites, mas quando adotou o codinome Berry no mercado profundo, fingindo me ajudar a encontrar os pés de Mirtilo restantes, bem... eu fiquei curioso, porque pareceu demais que você estava fazendo de propósito. — Ele parou um momento, suspirou. — Até me iludi achando que você queria voltar pro bando, mas com vergonha demais pra aparecer realmente, fazendo tudo à distância, com um nome falso e um alterador de voz no canal de comunicação, mas não... — Negou com a cabeça, genuinamente decepcionado. — ...você mudou muito, tanto que nem te reconheço mais.

— Bom, você é quase uma entidade. — Taehyung se atreveu a responder, sentindo Jimin prestes a acordar. — Deve ser difícil de entender,

— Você acha? — Perguntou, sarcástico. — É verdade...eu vivi demais pra tolerar certos tipos de coisa. — Desviou o olhar pro alfa, recobrando a consciência nos braços do ômega lentamente: os dedos longos de Taehyung apertando-lhe o ombro com força. — Por exemplo, você vir aqui tacar fogo em mim e na minha nave só pra poder salvar "seu alfa" em apuros. — Se levantou. — Esse tipo de drama romântico não me convence.

— Não era isso que você queria? — Ergueu a voz, o vendo se afastar. — Que eu viesse aqui pelo Jimin?! Eu fiz exatamente o que você queria!

— Fez... — Ele o olhou uma última vez por cima do ombro. — ...e é por isso que estou tão decepcionado com você. — Então olhou para as próprias queimaduras no braço. — Mas meus parabéns, por ter me deixado nervoso de verdade... Vocês dois vão servir de sobremesa pro Hoseok assim que a gente decolar, então não se preocupe, ele vai tirar vocês dois daí antes que o sangue possa congelar. — Voltou a andar, sumindo nas sombras. — Aproveitem seus últimos minutos como queiram... não vou atrapalhar.

Blueberry - VminOnde histórias criam vida. Descubra agora