UM MÊS DEPOIS
Após alguns dias as lembranças daquele dia ainda me invadiam com força total. Os toques dele. O beijo dele. A forma com que ele segurava em mim enquanto penetrava. Tudo era bom demais para ser verdade, talvez eu estivesse sonhando com aquele dia. Meus pensamentos são interrompidos com um forte enjoo, corro para o banheiro, me sento em frente a privada e vomito tudo. Tristeza, mágoa e decepção, tudo misturado junto com o ensopado de carne com batatas e cenoura, que eu havia comido no almoço, ali dentro daquela privada.
Já tem um mês que Gabriel não me procura, um mês que eu também não vou atrás dele. Já errei duas vezes em ter permitido que ele entrasse na minha vida e me enganasse, não cometeria o mesmo erro de novo. Dói, dói muito, talvez até mais do que a primeira vez. Eu havia aprendido a viver com a falta dele, minha vida tinha ido para frente, eu mergulhei nos livros e na minha profissão, ainda mais após minha mãe ter falecido. Estava tudo sobre controle, até aquele dia- um mês atrás.
Já tem uma semana que eu estou sentindo muito enjoo, estou literalmente vomitando as minhas emoções. Talvez isso seja a famosa somatização (trata-se do desenvolvimento de sintomas físicos desencadeados por problemas psicológicos). Hoje combinei de encontrar a Marcela para tomarmos um café da tarde em uma padaria próxima da nossa casa. Ela é uma amiga mais próxima de mim do último ano , ela também é professora da faculdade que eu dou aula e malhamos juntas na mesma academia, com isso, temos muito em comum.
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Encontrei com ela ás 16h da tarde para comermos um bolo de banana fresquinho com cappuccino na padaria. Marcela é morena, tem cabelos até os ombros encaracolados e é magra, vestia um vestido preto que ia até a altura dos joelhos com botas de cano curto da cor preta também. Ela amava a cor preta, por isso 99% do seu guarda roupa possui essa cor.
-Oi Manu- ela disse quando chegou finalmente na padaria.
-Atrasada- eu digo revirando os olhos- Como sempre.
-Aprendi com você- ela diz sorrindo.
Conversamos um pouco sobre a vida dela, ela me contou como sua filha de 11 meses começou a dar os primeiros passinhos e de como ela e o marido já estavam querendo ter o segundo filho. Diferente de mim, ela é casada há 10 anos e agora tiveram sua primeira filha- Melissa- ela sempre sonhou em ser mãe, já eu, nunca pensei nisso. Por mais que eu já tivesse passado dos 30 anos, essa nunca foi uma preocupação, talvez eu não tivesse nascido para ser mãe, nem um relacionamento sólido e duradouro eu consigo ter.
- Eu e o João estamos pensando em ter o segundo filho até o final do ano- ela tagarela
-Já?- digo surpresa
-Ter filho é a melhor coisa do mundo. Não sei como vivi tanto tempo sem sentir esse amor. Já trabalhei demais a minha vida toda, tá na hora de desacelerar- ela diz- Mas e você? - ela pergunta
- Confesso que nunca pensei sobre, nunca foi um sonho e também, quem seria o pai? - eu digo bebendo um gole do capuccino.
-Pretendes não faltam- ela diz sorrindo.
-Mas se for para construir uma família, que seja com uma pessoa que eu ame. Não tive a sua sorte ainda- eu digo tomando mais um gole.
-Eu encontrei o amor muito nova Manu, pelo menos você teve outras experiências, eu não - ela diz tentando parecer que minha vida amorosa é mil maravilhas.
-Nisso você tem razão, foram muitas...- eu digo.
Simplesmente no meio da frase vem um enjoo tremendo, eu saio correndo em direção ao banheiro, me jogo no chão sem nem mesmo pensar, de frente para a privada e mais uma vez vomito minhas emoções, junto com bolo de banana e capuccino. Fico por uns vinte minutos no banheiro até que eu tenha eliminado tudo que eu havia comido hoje do meu estomago. Foi só tocar no assunto amor que imediatamente me dá náuseas, talvez essa vida realmente não seja para mim. Levanto, ajeito meu vestido longo florido coral que a essa altura encontrava-se amarrotado, lavo minha boca e mãos na pia, ajeito meu cabelo e coloco uma bala de hortelã na boca. Peguei o hábito de andar com bala há uma semana, após iniciar-se os episódios de vomito. Assim que volto para meu lugar, ao lado da Marcela, ela estava falando no telefone.
-João, eu disse que era para dar uma banana para ela...ok... em casa a gente conversa...ok...tchau- ela diz desligando assim que eu me sento.
-Acredita que eu pedi para ele dar uma banana no lanche da tarde e ele deu geleia, ele as vezes me irrita tanto e...- ela começa a tagarelar as palavras todas misturadas enquanto eu me sinto tonta e com dor de cabeça. Olho para os lados e começo a sentir muito calor.
-Aqui está muito quente- digo interrompendo seu falatório.
-O ar está ligado, está até gelado- ela diz- O que está acontecendo com você? Seu corretivo está todo borrado .
Ela pega um espelho de sua bolsa e me entrega. Me assusto com que vejo. Mesmo eu tendo arrumado meu cabelo, ele continua bagunçado. Meu rosto estava todo sujo de corretivo, que derreteu das minhas olheiras cobrindo minhas bochechas e deixando o roxo delas em evidencia.
-Estou horrível- eu sussurro.
-Você tem dormido direito ?- ela pergunta preocupada.
-Na maioria das vezes sim- respondo
-Manuela, sabe que todo psicólogo precisa fazer terapia, né? É muito importante para nossa profissão- ela diz
-Eu estou fazendo, você sabe disso, mas estou começando a somatizar minhas emoções. Tem uma semana que comecei a sentir muito enjoos e a vomitar, também venho sentindo dores de cabeça e... - digo
-Perai- ela diz me interrompendo assustada- Há quanto tempo que você não transa com ninguém? - ela pergunta
-O último foi o Gabriel, você sabe, há um mês e ...- eu digo
- Vocês se protegeram? - ela pergunta curiosa, me interrompendo mais uma vez.
Começo a relembrar daquele dia, de toda intensidade e desejo. Os detalhes vão ficando cada vez mais intensos na minha mente, como se eu tivesse vivendo tudo novamente, nunca havia sentido tanto prazer na minha vida, na mesma hora tenho um estalo na minha mente. O detalhe mais importante daquele dia não apareceu de jeito nenhum nas minhas lembranças, por mais que eu tivesse tentando relembrar não tinha como negar. Havíamos esquecido de usar preservativo. Na hora estávamos com tanto fome um do outro que isso nem passou pela minha cabeça, nem na dele, nem durante e nem depois. Burra, burra, burra, como eu pude esquecer de me proteger com uma pessoa que não tinha contato há anos e havia me sacaneado tanto?
Eu e Marcela ficamos nos olhando por segundos que mais pareciam horas, eu não precisava dar a resposta, minhas feições já deviam entregar tudo que eu estava pensando. Eu e Gabriel fomos inconsequentes e agora, talvez, mais uma vida iria pagar pelos nossos atos. Eu estava assustada, meu coração batia forte. E agora?
- Vamos agora para farmácia- Marcela diz se levantando, parecendo que estava lendo a minha mente. Desse jeito eu acordei do transe e fui atrás dela.
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De volta ao passado
RomantizmEu achava que havia deixado meu passado para trás, então o vejo na transversal que dava para minha rua em um dia frio de inverno, Eu estava enganada, Ele estava lá, Gabriel sempre esteve lá e como um passe de mágica todos momentos que vivemos juntos...