Correspondências

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— Max Curie é Quinn Solo? — Perguntei à assassina.

— O garoto esteve na biblioteca com Kimberly. Os dois conversaram alguns minutos, depois ele foi embora. Mas Max não é Quinn Solo — respondeu Vanessa.

— Tem razão. Afinal, ele tinha apenas seis anos de idade, em 2001.

Há doze anos, a morte de Elsa French repercutiu bastante nos jornais de Virgínia. O corpo foi encontrado dentro de um bosque, coberto de tulipas vermelhas, dois dias depois de ela desaparecer... o mesmo Modus Operandi de Quinn Solo.

— Agente, Norman, por que me pergunta coisas que conhece? É óbvio que não estou mentindo.

— Qual era a sua localização quando Kimberly foi raptada?

— Eu vi tudo de dentro da cabine, no banco da frente do carro.

— Um Citroen preto?

— Não. Um Fiat vermelho.

Duas testemunhas de regiões diferentes de Portsmouth, que não se conheciam, foram separadas pelos investigadores. Elas disseram que viram Kimberly entrando em um Citroen C3 e deram as mesmas versões dos fatos. Ou Vanessa está mentindo, ou eles abandonaram o primeiro carro e seguiram em outro.

— Eu sabia que Max era bastante próximo de Kimberly, então atraí ele até a biblioteca, para que servisse de bode expiatório — Vanessa confessou. — Depois, as imagens da câmera da biblioteca foram alteradas para a polícia acreditar que o rosto escondido fosse o rosto do assassino.

— Como conseguiram despistar a polícia em tão pouco tempo?

— Tivemos sorte.

— Sorte?

— Agente Norman, por que me pergunta coisas que já sabe?

— Estou considerando a carta como uma pegadinha também — respondi.

— Acredite, a carta foi um pedido sincero de desculpas a Lucy Cleimber.

Escrever uma carta para uma mãe, contando como esquartejou a filha, soa assustador. Mas até mesmo os médicos forenses se surpreendem com a frieza dos assassinos em série, como desmembram os cadáveres de suas vítimas de forma tão perfeita. A resposta é mais simples do que parece. A carne de um animal e a de um ser humano possuem a mesma importância para eles. A indiferença é o que faz serem tão bons nisso.

— Se a intenção de Quinn Solo não era matar Kimberly naquele dia, por que ele foi até a biblioteca, um lugar cercado por câmeras? — Perguntei.

— Quinn Solo passou a gostar de Kimberly. Ela era um pouco mandona e às vezes conseguia convencê-lo a fazer o que desejava — disse Vanessa.

— Os seus depoimentos estão de acordo com o laudo das primeiras doze horas de conversa que ouvimos no galpão.

— Não havia ninguém lá para gravar nossas conversas. Está tentando me fazer cair em seu jogo?

Durante o Martin Luther King Day, pedi permissão de montar o cavalo de Max para que a sra. Mesdra não suspeitasse que meu passeio fosse uma investigação. A mesma sorte que Vanessa teve perto do museu, eu tive ao rondar a fazenda justamente no dia 21 de janeiro. Algumas pessoas realmente nasceram para serem escolhidas, para estar na hora e no lugar certo. Os vultos na floresta, os sons de pernas atravessando as folhas me levaram a encontrar o relógio da bailarina.

— Kimberly possuía um relógio com um pequeno gravador — afirmei — parece que ela se livrou dele, antes de morrer.

— Está brincando!

— É provável que ela já desconfiasse de alguma coisa?

— Sim.

Um relógio com um gravador de áudio, quem diria... Quinn Solo limpou suas sujeiras mais comprometedoras, mas esqueceu de uma. Eu vi o objeto no declive da trilha da floresta de pinheiros, escondido dentro de um morro de terra. Estava sem bateria. Não cogitei encontrar respostas nele, além de alguma digital do assassino que não apareceu na papiloscopia forense.

— Agente Norman, quando será o meu julgamento? — Perguntou a assassina.

— Eu não sei — fui sincera. — Sugiro que não pense nisso, por enquanto.

— Vai demorar, não é?

— Pode demorar meses, anos quem sabe.

— Você disse que tiraria a porra de mim! — ela gritou — disse que tiraria!

— Acalme-se. Eu vou tirar.

Vanessa não teve uma vida certamente doce. Aos quinze anos, apaixonou-se por Elmer Rikfin, um estudante que conheceu na escola de Soledad. Elmer foi o seu primeiro relacionamento de adolescência. Ele era gentil, inteligente e muito prestativo. Os dois saíram algumas vezes. Mais tarde, o rapaz desapareceu sem dar explicações. Não demorou muito para que Vanessa notasse o preconceito que mães solteiras sofriam. Principalmente se fossem muito novas. Os homens quase sempre desejavam mulheres sem filhos. Era sempre assim; ela conhecia novos pretendentes, gostava deles, e quando mencionava o nome de Sam, todos sumiam de repente.

Edmund Burke, um policial de Bell Gardens, gostou de Sam. E também gostou da mãe, a ponto de pedi-la em casamento. Mas Edmund acabou sendo morto por traficantes de South Gate. Todas as decepções amorosas fizeram com que Vanessa se jogasse no mundo da depravação. Os cortes em seus braços se tornaram o símbolo de um período difícil. Um período que foi preenchido por bebidas, drogas e sexo.

A cocaína lhe causava devaneios tão fortes que ela passou a enxergar vultos e ouvir vozes. As noites mal dormidas e choros se tornaram frequentes. Vanessa decidiu parar com as drogas quando sua sanidade desmoronou. Porém, as vozes continuaram. Vozes mandando-a fazer coisas horríveis. Desesperada, consultou médiuns e padres, até encontrar Quinn Solo, em Richmond.

— Quinn Solo morava em um duplex de luxo, em Midlothian, mas nós nos conhecemos em Hill Park. Ele disse que as minhas vozes era um chamado. E matar pessoas fazia parte das ofertas de sacrifício ao príncipe.

— A morte de Elsa French também foi parte de um ritual? — puxei o ferrolho da pistola e carreguei o cartucho.

— Sim.

— Quero que me conte como foi a morte dela. Por favor, descreva com detalhes, se possível.

— Há doze anos, nós seguimos a família French em um Fiat vermelho, desde o porto, até a zona rural de Doff. Portsmouth não era o que é hoje, além de um beco cheio de mato e água. Naquele dia, encostei na traseira do Civic da contadora Eida French. Ao lado de Eida estava o marido dela, o economista Oto, e a filha do casal no banco de trás, uma garota ruiva, com os mesmos cabelos vermelhos do pai. Eida diminuiu a velocidade e estacionou o carro perto de City Park. Acho que o pneu da frente furou, mas pode ter sido problema no motor. Eu não sei dizer.

— E depois?

— Depois nós paramos e estacionamos o Fiat uns cem metros de distância deles. O vidro do Civic estava aberto. Deu pra ver Eida e Oto conversando. Eles foram atrás de um mecânico mais próximo e deixou a filha sozinha. Após alguns minutos, Elsa abriu a porta, saiu, e se apoiou no capô. Quinn Solo pediu que eu desse meia-volta e cercou a menina.

— Os dois já se conheciam?

— Por três meses eles trocaram correspondências e alguns beijos, só que Elsa não parecia muito interessada em homens mais velhos. Ela já tinha lhe dado alguns foras antes. Acho que por isso começou a gritar e lutar quando o viu. Ela percebeu o que estava acontecendo. Não sei se os gritos foram ouvidos, mas logo atrairia alguma atenção. Para contê-la, dei uma coronhada em sua cabeça que a desmaiou. Elsa foi conduzida a PlamasCare e recebeu cinco doses de quetamina na veia, em frente ao cemitério Cedar Grove. O Fiat vermelho continuou o percurso até o fim da avenida Victory Blvd e entrou na reserva natural de Paradise Creek. Em 2001, a reserva pertencia ao fazendeiro Jefferson Fernsby, uma área particular, sem segurança. Elsa ficou insconciente até o entardecer, e acordou nua, sangrando, no meio de uma plantação de rosas.

Confissões de uma assassinaOnde histórias criam vida. Descubra agora