— Eu... eu sinto muito. — Max abaixou a cabeça, bastante abalado — Quando foi que...
— Na semana passada — falei.
— Mas e os novos tratamentos, os novos remédios?
— Os médicos disseram que o câncer se espalhou de maneira agressiva. Foi tudo muito rápido.
— É difícil acreditar nisso, Ellis. Como você está?
— Estou bem — estendi minha mãos e lhe entreguei uma carta que minha irmã escreveu — Acho que Sophia queria dar isso a você.
Não precisei abrir para saber que era uma coisa importante para ela. Sophia amava as palavras. Ela amava escrever em seu quarto. E até apelidou o seu caderno de anotações como "O Diário da srta. Norman". Acho que escrever lhe ajudava a soltar os sentimentos. Minha irmã começou a escrever desde pequena, e passou a escrever muito mais depois que ficou doente. Então, caso sobrevivesse, voltaria a ler tudo que escreveu para lembrar que há tempos de chorar e sorrir, e tempos de agradecer pela vida.
Dentro do diário estavam os seus textos mais especiais, tanto escritos em uma época recente, quanto em uma época remota. Regras, frases de motivação, pequenos contos... Mas uma coisa me surpreendeu. Ela desenhou o nome de Max na capa do caderno quando tinha treze anos. Sei disso porque o ano foi datado. De repente as coisas fizeram mais sentido para mim. Quando eu me mudei de Portsmouth para Whashington, para seguir carreira na polícia, a minha mãe morou em Portsmouth por mais seis anos. Nesse tempo, é provável que Sophia tenha continuado suas visitas a fazenda da Sra. Mesdra. É provável que Max e Sophia tenham se encontrado e encontrado muitas raposas nas oliveiras. E que tenham sido o primeiro namoradinho um do outro. Entretanto, depois que mamãe se mudou para Charlotte, os dois se afastaram por causa da distância entre as duas cidades.
Sophia também ficou contente quando soube que Max pediu dinheiro a Sra. Mesdra para custear o seu tratamento e ficou pensando numa forma de retribuir o favor. Como não achou nenhuma ideia boa que pudesse ser colocada em prática, decidiu escrever uma carta a mão.
Max abriu a carta, foi passando os textos e sorriu. Seus olhos pareciam felizes e tristes ao mesmo tempo, tão tristes quanto os de Mesdra Curie quando soube da notícia.
Durante a tarde, por um breve momento, eu quis esquecer aquela história. Eu tentei me distrair respirando o ar puro da natureza, dando comida as galinhas ou ajudando Max a limpar os estábulos dos cavalos. Quando todos ficaram limpos, nós montamos Pony e passeamos pelo rancho, até o fim dos milharais.
— Nosso garoto está meio devagar hoje.— disse Max para mim, acariciando Pony, enquanto o cavalo relinchava.
— O que ele tem? — perguntei.
— Nada que eu possa fazer para ajudá-lo.
— Tem certeza?
— Tenho. Mas você pode, Ellis. Se puder visitá-lo mais vezes seria bom. Não estou obrigando você a nada, é só um favor.
Eu admito que Max era inteligente, apesar de ser muito jovem. E a sua inteligência me fez colocá-lo de novo sob suspeita. Talvez ele fosse mais esperto que grande parte dos homens mais velhos que conheci, e isso também incluía Adam. As palavras de Max não eram óbvias, nem comuns demais. Ele sabia que eu amava cavalos e usou Pony para intermediar nossa relação. Apesar de tudo, Pony merecia tal rótulo. Ele era um lindo e intragável cavalo de corrida hanoveriano, com um temperamento difícil e uma graciosa beleza que justificava todas as minhas visitas a fazenda.
— Será que devo levá-lo ao veterinário? — Perguntou Max.
— Se a tristeza de Pony não tem a ver comigo, deve sim — eu disse, mais ironicamente do que séria.
— Às vezes eu esqueço o quão boa é você — ele sorriu.
Eu nunca disse para Max que me formei em medicina, mas quando a fazenda foi interditada pela polícia de Rox, o garoto me viu orientando a perícia, ajudando a reconhecer vestígios do sangue de Kimberly nos milharais. Como os agentes especiais do FBI precisam de alguma formação para atuar como investigadores, não era tão difícil deduzir que eu fosse uma médica forense.
Como médica, resolvi dar uma olhada em Pony. Ele não queria sair do lugar, estava com febre e meio cabisbaixo. As suas narinas estavam um pouco molhadas, mas sem nenhum corrimento.
— É bom levá-lo no veterinário — falei — ele está gripado.
— Sério? — Max se assustou.
— Sério. Mas não é nada preocupante. Collie também ficou assim uma vez.
— E ele melhorou?
— Melhorou após uma boa dose de comida e repouso.
Max concordou, encerrando o assunto por ali. Depois ele pediu desculpas porque precisava trabalhar de tarde na colheita. E eu fiquei perambulando pela fazenda, tentando pensar em alguma forma de completar as investigações antes do fim do ano. A sra. Medra me convidou para sentar na varanda quando me viu só, no porão. Mesmo que ela não tenha tocado tanto na morte de Sophia, disse muitas palavras de conforto.
Nós ficamos conversando sobre Portsmouth, sobre as casas que não tinham na embocadura do rio Piscataqua, mas que foram construídas depois. Conversamos sobre os museus, as novas lojas e livrarias. E também sobre a extinta tranquilidade dos parques e agitações do porto. Talvez nao existisse ninguém melhor do que ela, a moradora mais antiga de Portsmouth, para me explicar cada ponto daquele. Cada trilha que ligava os bairros mais nobres.
— A senhora conhece Dorothy France? — aproveitei a oportunidade para finalmente fazer aquela pergunta sem parecer um interrogatório.
— Dorothy? — a sra. Mesdra pareceu surpresa. — Você quer saber sobre Dorothy, Ellis?
— Sim. Parece que a fazenda dela está meio abandonada.
— Está falando do galpão, não é?
— Sim.
— Pelo que sei, o galpão não pertence mais a Dorothy. Ela me disse que vendeu uma parte de sua fazenda e de seus gados, uns três anos atrás, para um frigorífico que desejava reformar o galpão e transformá-lo em um abatedouro.
— Que estranho. E ninguém apareceu para fazer a reforma?
— As terras em Portsmouth não são tão produtivas como antigamente. Você sabe.
É, eu sei. Com certeza, sei, Sra. Mesdra.
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Confissões de uma assassina
Misteri / ThrillerEllis Norman é uma agente do FBI que colecionou muitos desafetos no mundo do crime. Quando surge uma série de assassinatos nas redondezas de Portsmouth, ela descobre que há um padrão de vítimas escolhidas para morrer na mesma hora e no mesmo lugar...