Sacolé ou chup-chup

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Estou começando a pensar que alguém jogou uma maldição nessa viagem.
A família toda está sentada na sala de espera do hospital, menos Fernanda. E enquanto minha avó fala que deveríamos ter benzido antes de sair de Minas, só consigo olhar para minhas pernas, sentindo a dor que as marcas roxas ainda me causam.

Jisung causou o primeiro machucado desta família no Rio de Janeiro, mas talvez tenha impedido que o segundo fosse pior. Pois é, quando gritei, ele apareceu como um flash do lado de fora, e me ajudou com Fernanda, me acalmando e tomando-a nos braços. Em um piscar de olhos, meu avô estava do lado de fora também, aterrorizado, já foi ligando o carro quando gritei "a Fernanda foi esfaqueada", e Jisung a colocou no banco de trás. Me sentei ao lado dela, que já estava chorando, e agradeci a ele umas três vezes, enquanto meu avô acelerava.
Consigo imaginar o rosto confuso de minha avó, meu primo e meu tio, ao sair do banheiro e não nos encontrar. Acredito que Jisung tenha lhes contado o que aconteceu, pois quando telefonei, vovó disse que eles estavam vindo para o hospital antes mesmo que eu dissesse algo.

Depois de algumas horas, pudemos ver Fernanda. Ela ainda estava chorando, soluçando como uma criança, sentada naquela cama, com uma expressão de terror. Aquela cena fez meu peito doer. Ajeitei a veste branca do hospital que lhe caía no ombro, e coloquei as mechas soltas de seu cabelo atrás da orelha, com carinho.

- Você entregou o celular? - Meu avô perguntou.

Ela fez que sim com a cabeça, fungando.

- Ela entregou na hora, mas ele fez isso mesmo assim. - Expliquei.

- Vagabundo, tem que matar uma porcaria dessas.

- Isso tem acontecido muito infelizmente. - A enfermeira corpulenta disse, ajustando a cama. - Você teve sorte! A faca não atravessou uma camada profunda, foi um ferimento superficial, está pequeno, vai cicatrizar logo, só precisa fazer uma higienização cuidadosa e tomar cuidado pra não infeccionar.

- Ai, graças a Deus. - Minha avó juntou as mãos.

- Tá bem. - Eu disse. Fernanda continuava fungando.

Meu tio e meu primo ajudaram-na a descer. E durante o caminho para casa, o CD do Roberto Carlos foi o único som que preencheu o carro. Ninguém disse mais nada pelo resto da noite.

...

- Ave-Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita "sosnóis"...

Meu tio parou de rezar. Estávamos todos sentados na sala, cada um com um terço em mãos.

- Esqueci. - Ele disse.

- Bendita sois vós entre as mulheres. - Minha avó continuou. - Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.

- Santa Maria mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte, Amém. - Todos nós rezamos juntos.

- Acabou? - Meu tio perguntou. Percebi que ele já não segurava nenhuma bolinha, provavelmente havia se perdido.

- Ave-Maria, cheia de graça... - Minha avó começou a rezar de novo.

E então nós rezamos as duas últimas dezenas em intenção a vida de Fernanda e as nossas, e minha avó fez a oração final.

- Acho melhor a gente alugar um guarda-sol, hoje. - Disse enquanto colocava os pães de queijo na mesa de centro.

- Mas a gente já tem. - Cassiano comentou.

- Um só não adianta muito, somos seis pessoas e eu e Fernanda não podemos ficar muito no sol.

- Eles roubam pra caramba aqui, deve ser 100 reais o aluguel. - Meu avô deu uma mordida em um pão.

O Preço Do Verão - Han JisungOnde histórias criam vida. Descubra agora